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Agentes em ação em 2017: de lá para cá, equipes foram reduzidas.
Agentes em ação em 2017: de lá para cá, equipes foram reduzidas.| Foto: Cesar Brustolin/SMCS

Em meio à pandemia provocada pelo novo coronavírus, Curitiba tem o menor índice de cobertura populacional feita pelos agentes comunitários de saúde (ACS) dos últimos dez anos. De um pico de 34,8% registrado em 2011, o número desses profissionais atualmente cobre apenas 11,6% dos moradores, pelos dados disponíveis no Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (MS).

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A tabela do ministério mostra informações relativas a abril, com 389 agentes de saúde em Curitiba, dado utilizado pela reportagem para permitir a comparação com outros locais – é o menor índice dentre as maiores cidades do Sul do Brasil. Porto Alegre aparece com cobertura de 25,9% da população e Florianópolis, com 39%.

No início de maio, a capital paranaense contratou mais 143 profissionais. Mesmo assim, a cobertura populacional chega a apenas 15,9% – o maior percentual da gestão do prefeito Rafael Greca (DEM), mas abaixo do registrado em anos anteriores. O Ministério da Saúde considera o equivalente a 575 moradores por agente para definir o índice de cobertura.

Segundo a demógrafa Marcia Castro, uma das chefes de departamento na Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, os agentes poderiam agir como “detetives Covid-19”, que rastreiam os casos positivos de coronavírus e agem para conter o avanço da transmissão. Ela falou da importância desse profissional em dois seminários promovidos pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar ações de vigilância contra a Covid-19 e possíveis consequências para o Brasil. “Eu não consigo imaginar como nós podemos ter uma reabertura bem-sucedida, realmente evitando novas ondas, sem o papel do agente; sem termos rastreamentos de contatos”, afirmou em 2 de junho, participando de forma remota.

Em seminário anterior, realizado em 14 de maio, Marcia lamentou que o protocolo do Ministério da Saúde para a Covid-19 desconsidera o papel dos agentes no combate à pandemia. “A busca ativa e o rastreamento de contatos pelos agentes comunitários seriam críticos neste momento em que muitas cidades praticam algum tipo de distanciamento social, a fim de minimizar a contaminação entre grupos de risco e maximizar a detecção de indivíduos que possam ter sido expostos ao risco e possam ser transmissores. Isso contribuiria para reduzir a demanda dos serviços hospitalares, que já está acima da capacidade em várias cidades do Brasil”, disse ela à época. Ela citou a experiência de Boston, que tem usado voluntários nesse trabalho – no Brasil, também há organizações sem fins lucrativos que estão monitorando as condições de saúde da população mais vulnerável.

Gestões anteriores

Os maiores índices de cobertura dos últimos dez anos foram registrados quando Luciano Ducci (2010-2012), que é médico, chefiou o Executivo Municipal. Mas, naquela época, o cargo de agente comunitário de saúde era terceirizado. De 1984 a 2014, a prefeitura manteve convênio com o extinto Instituto Pró-Cidadania (IPCC), que contratava os agentes, além de prestar outros serviços para o município. Mas questionamentos contratuais posteriores culminaram com uma crise na instituição e rompimento de contrato.

Em 2014, foi sancionada lei criando a carreira de agente municipal de saúde, atendendo à Emenda Constitucional nº 51/2006. O texto aprovado pela Câmara Municipal previa a criação de 1.000 vagas e outras 200 vagas para agentes de combate às endemias em Curitiba. Entretanto, durante a gestão de Gustavo Fruet (2013-2016), foi mantida a parceria com o IPCC mesmo sem convênio, por meio de ressarcimento de despesas. Quando Greca assumiu, em 2017, só foram repassados os valores do salário líquido dos agentes. O IPCC acumulou uma série de dívidas que inviabilizaram sua atividade, e a prefeitura acabou incorporando em seus quadros apenas 449 funcionários, que eram agentes comunitários de saúde antes da Emenda Constitucional de 2006.

Segundo a presidente do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde do Paraná (Sindacs-PR), Ondna Rodrigues Macedo, a contratação que a prefeitura de Curitiba realizou em maio só ocorreu após um termo de ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público do Trabalho. “A gente sabe do nosso potencial, que poderia ser melhor aproveitado. Neste final de semana estamos debruçados para fazer um documento com várias entidades do Brasil inteiro, para a gente mandar para a Câmara dos Deputados e mostrar o que o agente de saúde pode contribuir a mais neste momento”, afirmou.

No dia-a-dia os agentes também têm grande importância, levando informações básicas de saúde, como a importância da vacinação. Até alguns anos atrás, era feita pelo menos uma visita ao domicílio de recém-nascidos – independentemente se o parto ocorreu em hospital particular ou se o endereço era de área nobre da cidade – para que um profissional explicasse sobre amamentação, importância de manter ambientes ventilados e cuidados básicos. Nos últimos anos, esse serviço deixou de ser feito.

“É até difícil citar um local que tem número de agentes de saúde adequado. Mas depende do gestor. Aquele que sabe da importância valoriza muito o trabalho. Mas agora veio essa pandemia e está mostrando a falta que faz o agente de saúde”, opinou Ondna.

“Agentes precisam se desdobrar em áreas populosas”

O médico de família Francisco Carlos Mouzinho de Oliveira, que é professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e também atua em uma unidade de saúde em Curitiba, relatou à Gazeta do Povo o impacto que a redução do número de ACS provocou no programa de Atenção Básica.

“A despeito de toda importância que esses profissionais têm, diminuiu mesmo o número de agentes, e isso repercute muito mal dentro da unidade de saúde. O tamanho da área para acompanhar ficou muito grande. Aquilo que era o grande encanto que era conhecer perfeitamente as pessoas com quem lida se perde um pouco. Onde atuo, a equipe é em número adequado, mas sei por colegas casos em que os agentes precisam se desdobrar por áreas populosas”, afirmou. Segundo ele, os agentes são fundamentais para a estratégia Saúde da Família, e a sociedade precisa debater mais sobre o assunto.

Prefeitura: "sem prejuízo à população"  

Em nota enviada à Gazeta do Povo na quarta-feira (10), a prefeitura afirmou que segue “as recomendações do Ministério da Saúde para adequações do agente comunitário de saúde frente a situação epidemiológica da Covid-19” e que no momento não há previsão de novas contratações. A prefeitura ressaltou as medidas que vêm tomando para organizar o fluxo de atendimento nas unidades de saúde durante a pandemia, e que mesmo com a emergência sanitária não houve prejuízo nos serviços de Atenção Básica prestados à população.

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