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Instalações na Ilha das Cobras se deterioraram pelos anos sem uso.
Instalações na Ilha das Cobras se deterioraram pelos anos sem uso.| Foto: Jose Fernando Ogura/Aen

A Ilha das Cobras, sede de um parque estadual de mesmo nome localizado na Baía de Paranaguá, já foi sede de um lazareto, de um reformatório para menores e da casa oficial de veraneio do Governo do Paraná. O local agora está passando por reformas nas edificações e, se for seguido o cronograma previsto pelo governo do estado, dentro de um ano deve abrigar as instalações de uma escola de gastronomia e hotelaria voltada ao desenvolvimento dos profissionais que atuam no Litoral do Paraná.

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O projeto, que prevê um investimento de R$ 2,2 milhões por parte da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e Turismo (Sedest), é mais um capítulo na longa história de mudanças pela qual a ilha já passou desde meados do século XIX. Naquela época, em 1855, uma epidemia de cólera assolava a capital do estado do Pará. Temendo que a doença chegasse a outras regiões do país pelos portos, o governo imperial brasileiro emitiu em junho daquele ano um aviso no qual recomendava ao governo da então província do Paraná a tomada de medidas necessárias de contenção.

A principal dessas medidas, como explica o autor João Pedro Dolinski em seu artigo “Espaços de Cura, Práticas Médicas e Epidemias: Febre Amarela e Saúde Pública na Cidade De Paranaguá (1852-1878)”, foi a construção de um lazareto na Ilha das Cobras. A licitação, aberta dois meses depois do aviso, não atraiu interessados. Coube ao próprio governo da província tocar a obra, concluída em dezembro de 1855.

A instalação sanitária era patrimônio do governo nacional, mas a ilha ainda era propriedade particular. O acordo de indenização foi iniciado em 1857 e concluído dois anos depois. “Segundo a nota autorizando a compra da Ilha, emitida em 30 de dezembro de 1857, o valor pago foi de 1.500.000 contos de réis, três vezes menos do que o valor pago na construção do prédio do lazareto”, revela Dolinski em seu artigo, apresentado no programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2013.

Para o local eram enviadas as pessoas da região com suspeita de febre amarela, assim como os casos confirmados da doença que por lá permaneceriam em quarentena para observação. Mas uma inspeção solicitada pelo governo da província dois anos após o fim da construção mostrou que apesar de “parecer um palacete”, o local não estaria em condições de oferecer serviços de saúde de qualidade. A avaliação foi do engenheiro civil Carlos Stoppani, que encontrou no local um “edifício sem assoalho, sem forro, com portas sem fechaduras, janelas sem vidraças e telhado muito frágil”.

O lazareto chegou a ser fechado oficialmente em 1857 sob a alegação de que a pandemia de febre amarela estava contida, mas teve que ser reaberto anos depois. A estrutura, porém, sucumbiu ao que o autor do artigo descreve como uma “estrutura administrativa ineficaz a nível provincial, além de problemas constatados em conjunturas mais amplas como a crônica falta de recursos e a pouca atenção dada à saúde pública”.

No século seguinte, após Getúlio Vargas anunciar o Estado Novo na década de 1930, o local teria um novo uso. Alegando a existência de um plano comunista para a tomada do poder, Getúlio fechou o Congresso Nacional e mandou construir na Ilha das Cobras um presídio para os dissidentes. A medida, porém, não foi levada à frente porque o interventor Manoel Ribas tinha outros planos para o local. Ali já havia sido instituída a Escola de Pescadores Antônio Serafim Lopes.

A descrição, presente na página 29 da mensagem apresentada por Manoel Ribas à Assembleia Legislativa do Paraná em 1937 trazia clara a função do local como sendo uma “obra de prevenção, de preservação e de regeneração” dos jovens paranaenses.

“Ali, no panorama luminoso das águas da vasta baía de Paranaguá, frente à barra, ao contato da natureza, dos ventos mais puros e das areias mais límpidas, muitas crianças afastadas das cidades, onde os primeiros passos mal orientados e as más companhias lhes ensinaram o abecedário do crime, recebem educação, instrução, ensinamentos morais e cívicos, lições de trabalho e de pesca, num largo robustecimento físico, para se converterem em cidadãos úteis à Pátria, à família e aos seus semelhantes”, destaca um dos trechos do documento.

Com capacidade para 100 alunos e “dotada de todas as instalações necessárias à satisfação de seus objetivos”, a escola era, nas palavras do próprio interventor, prova do “compromisso de trabalhar pelo Paraná, cuidando da sua infância e de sua juventude”. Na prática, era um reformatório para menores infratores. Não tardou para que fosse conhecida por nomes menos elogiosos, como “jardim de infância do inferno” ou “Mansão do Diabo”.

Depois dessa finalidade, a Ilha das Cobras passou a ser a casa de veraneio oficial do Governo do Paraná. O local foi sede de despachos de governadores até o ano de 2011, quando foi utilizada para esse fim pela última vez pelo governador Beto Richa. Desde então o imóvel se resumia a despesas com manutenção, o que incluiu limpeza, luz, água, reparos e eventuais pinturas.

Na campanha ao governo do estado em 2018, a Ilha das Cobras foi motivo de um cabo de guerra entre os candidatos Carlos Massa Ratinho Junior e Cida Borghetti. O então candidato anunciou em horário eleitoral a proposta de venda do local como uma forma de “cortar privilégios” e “respeitar o dinheiro dos paranaenses”. Poucos dias depois, a governadora em exercício assinou um decreto tornando a Ilha das Cobras uma unidade de conservação na categoria Parque Estadual, com proteção integral do ambiente em sua área de 52 hectares remanescente de Mata Atlântica e parada de tartarugas marinhas.

Em dezembro de 2019 foi assinado o contrato de cessão da Ilha das Cobras pela União para o Estado do Paraná. O acordo entre a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU/ME) e o governo do Paraná vale por 20 anos, podendo ser renovado por igual período, e prevê a instalação da Escola do Mar, uma escola de gastronomia, turismo e educação ambiental.

O projeto prevê que sejam ofertados cursos de até três semanas a turmas de 20 alunos – preferencialmente moradores do litoral paranaense. “Queremos qualificar as pessoas que vão atender nossos turistas no futuro, movimentar e desenvolver o Litoral. A Ilha das Cobras vai se transformar em uma ilha sustentável, com foco na educação ambiental e no ensino profissionalizante”, afirmou o governador Carlos Massa Ratinho Junior.

A Escola do Mar também pretende abrigar cursos de produção de ostras, mariscos e camarões, além de formação em educação ambiental. Há ainda a possibilidade de sediar um centro de apoio ao artesanato local, além de um restaurante-escola aberto aos turistas. A energia elétrica na ilha deve ser fornecida por uma estação de geração solar a ser construída pela Copel. À Sanepar caberá a instalação de uma estação local de tratamento e distribuição de água.

O projeto prevê a construção de um restaurante-escola aberto aos turistas. Foto: José Fernando Ogura / AEN
O projeto prevê a construção de um restaurante-escola aberto aos turistas. Foto: José Fernando Ogura / AEN| Jose Fernando Ogura

Na avaliação da SPU, o projeto tem potencial para abrir portas a novos investimentos na região, além de qualificar jovens e adultos para o mercado profissional. Essa também é a expectativa da diretora de Promoções Turísticas na Secretaria de Cultura e Turismo de Paranaguá, Aline Pschera. Em entrevista por telefone à Gazeta do Povo, ela reconhece que apesar de haver a oferta de cursos voltados para a área de turismo, a região ainda é carente de formação profissionalizante principalmente na área da gastronomia.

“É o forte do nosso litoral, a culinária caiçara, os pratos com frutos do mar. E possibilitar ao pessoal do litoral essa capacitação é algo muito importante. A gente acredita que vai ser um excelente equipamento de capacitação para a população de Paranaguá e de todo o litoral como um todo, tanto na parte da gastronomia quanto para a parte de hotelaria e educação ambiental”, explicou.

A diretora também lembrou que o projeto da Escola do Mar vai finalmente aplacar a curiosidade dos turistas em conhecer a “casa de praia do governador”. Mas Aline disse esperar mais do que isso, e torce para que o novo uso da ilha acabe por resgatar parte da história e da cultura locais.

“Ainda quando era residência do governador as pessoas sempre tiveram muita curiosidade. E quem vinha passear aqui pelo litoral nunca teve acesso para conhecer a Ilha das Cobras. Depois dessa nova mudança, os turistas ficaram ainda mais curiosos para conhecer o local. Tem muita história na ilha, e isso precisa ser resgatado. Muita gente tem essa curiosidade de conhecer o lugar, mas só porque era a ‘casa de praia do governador’. Não sabe qual é a história da Ilha das Cobras, de toda a questão histórica e cultural. Esperamos que haja esse resgate de toda essa história”, apontou.

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