Na favela Iguape I, na região sul de Curitiba, as famílias estão conseguindo acessar o conteúdo remoto para as crianças matriculadas no ensino fundamental da rede municipal. O desafio tem sido ajudar os filhos no aprendizado. Mães dizem que o ano escolar “está perdido” e temem pelo retorno das aulas presenciais, opinião que se repete em outras localidades. Entretanto, especialistas que atuam com a educação no Brasil fazem o apelo para as famílias persistirem nos estudos.
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“Minha mãe está me ajudando bastante. Às vezes a aula é difícil”, diz a menina C., de 11 anos, filha de Alessandra Santos, 26 anos. Para Alessandra, porém, a filha está aprendendo muito pouco. “Eu parei muito cedo, às vezes nem entendo muito o assunto. A gente coloca ela em frente à televisão, mas não é a mesma coisa que estar numa sala de aula”, diz. Por outro lado, ela teme o contágio pelo coronavírus na retomada do ensino presencial. “Não tenho coragem de mandar. Perder o ano, tudo bem, mas a vida não tem volta. Eu prefiro que perca o ano, nem que seja um, dois anos”, diz. Outra garota, que mora no Tatuquara e foi ver a avó no Iguape repete o que ouve em casa: “Minha mãe diz que este ano está perdido”.
“Não queremos perder o ano em hipótese nenhuma. Nem podemos falar nisso, pelo estímulo que há do professor em buscar ferramentas e levar atividades para aluno que está no campo ou mesmo em tribo indígena. Também pelo estímulo do aluno com esse estudo em casa. Perder o ano, jamais”, afirmou a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Maria Cecilia Amendola da Motta. Ela e demais especialistas participaram de coletiva de imprensa para apresentação de pesquisa sobre a qualidade do ensino remoto, feita pelo DataSenado e organizada pelo senador Flávio Arns (Rede/PR). O levantamento, com 2.400 brasileiros, mostrou que as famílias estão insatisfeitas com o serviço prestado e que a maioria gostaria de retornar presencialmente após o fim da pandemia.
Segundo Maria Cecilia, a maioria dos estados está realizando reuniões com os órgãos de controle e partes integrantes da rede educacional para decidir o retorno presencial com segurança. Ela defende que a tomada de decisão envolva a todos, e que a reabertura ocorra, mesmo que parcial. “Vamos ter prejuízo na aprendizagem? Vamos. É preciso fazer uma avaliação diagnóstica quando o aluno entrar? Sim, porque um chegará num nível, outro em outro. Deverá haver uma política de recuperação paralela? Sim. E deverá ter acolhimento, caso a criança esteja em situação desestruturada, com algum parente que morreu ou que está em UTI. Mas não vamos perder o ano. Vamos lutar e focar, sociedade, famílias, pais e alunos”, completou.
O Paraná ainda não tem uma previsão para o retorno presencial das aulas. O protocolo foi construído ao longo das últimas semanas e na próxima sexta-feira deve ser encaminhado como proposta ao Conselho Estadual de Educação (CEE), que vai deliberar sobre o tema. No Amazonas, as aulas na rede particular voltaram no começo de julho e na rede estadual, na última segunda-feira (10). No Maranhão, as particulares reabriram em 3 de agosto. No Distrito Federal, as aulas das escolas particulares haviam retornado na semana passada, mas foram suspensas novamente por decisão judicial; a rede pública tem previsão de retorno no fim de agosto. São Paulo deve iniciar a retomada regionalizada a partir de setembro.
O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, também na coletiva, defendeu protocolos para retorno às aulas em cada cidade. “O que ocorre na capital do estado não é o que acontece no âmbito do município [do interior]. Então é importante ter autonomia de protocolo, que tenham condições de ofertar condições seguras, com comissões nas escolas, acompanhando, avaliando”, observou.
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, lamentou a falta de coordenação nacional no enfrentamento à pandemia, mas também ressaltou que as decisões precisam ser locais. O retorno presencial com base na situação local da pandemia já foi defendido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que no início de agosto apresentou um relatório sobre os prejuízos com a manutenção do ensino remoto por longos períodos. Opiniões médicas também vão por este caminho.
Currículo de 2020 deve se estender por mais tempo
Uma possibilidade para garantir o aprendizado adequado é modificar os currículos ao longo de 2020, 2021 e 2022. “A Base Nacional Curricular Comum permite reestruturar direitos de aprendizagem priorizando ações. Precisamos de avaliação ampla e integral, não conteudista. Então é preciso reorganizar o que pode ser aprendido no tempo que for possível com segurança agora e ao longo de 2021 e 2022”, acrescentou Garcia. Ele reiterou que o ano de 2020 não será perdido, e que talvez este seja o ano da maior aprendizagem de toda a humanidade.
Priscila Cruz, presidente-executiva no Todos Pela Educação, também apresentou essa argumentação: “O calendário escolar de 2020 não deve ser enxergado apenas em 2020. É preciso trabalhar com ciclos maiores para justamente dar um tempo para que essa aprendizagem, que foi brutalmente afetada, possa acontecer”. Para ela, é importante unir a sociedade em um pacto. “Fazemos um chamamento às famílias para não desistirem desse ano. Para manter esse vínculo dos alunos com professores, não desistir e cobrar as ações específicas do seu estado ou seu município”, sugeriu.
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