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Letícia Lanz foi indicada pelo PSOL para disputa da prefeitura de Curitiba, tendo como vice a advogada Giana de Marco.
Letícia Lanz foi indicada pelo PSOL para disputa da prefeitura de Curitiba, tendo como vice a advogada Giana de Marco.| Foto: Lucas Pontes / Divulgação PSOL

Lançada pelo diretório municipal do Psol como pré-candidata a prefeita de Curitiba, a psicanalista e socióloga Letícia Lanz, pessoa transgênera que anteriormente se chamava Geraldo Eustáquio de Souza, não quer saber de enfrentamentos radicais na disputa eleitoral.

O posicionamento contrasta com uma carta de apoio de militantes do partido, divulgada em julho, que pregou justamente “um programa radical de enfrentamento à burguesia local”. “O país está cheio disso. É tempo de amor, que se traduza em ações. O que é importante na cidade é gente, não é a infraestrutura da cidade”, disse Letícia, em entrevista ao jornalista Marcos Tosi. Confira.

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Pela primeira vez, com a sua candidatura, Curitiba terá uma pessoa transgênera concorrendo ao cargo de prefeito. Naturalmente, isso é algo que chama a atenção. Mas o que, em sua plataforma, a senhora preferiria que realmente chamasse a atenção dos eleitores?

A falta de cuidado que as pessoas estão passando. Tá todo mundo precisando de acolhimento. O que você vê nos discursos é sempre índices, é sempre estatística, mas você não vê ninguém falar da carência das pessoas. Carência de todo o tipo, que vai desde a carência material, que deixa as pessoas mais vulneráveis, até as carências psicológicas profundas. As pessoas estão carentes, e o momento agora fez com que elas se tornassem mais carentes ainda. O discurso político que tem que ser feito neste momento é um discurso de acolhimento. Porque todas as pessoas estão precisando ser atendidas, não apenas nas suas necessidades materiais, que são muitas, especialmente das populações mais vulneráveis, mais desprezadas, mais marginalizadas. A carência hoje talvez seja a marca registrada do nosso tempo. Não é a toa que a doença do nosso tempo é a depressão.

Em carta ao diretório do Psol, no dia 20 de julho, ao propor a chapa Letícia-Giana, os militantes do partido disseram que o Psol precisa ter um programa radical de enfrentamento à burguesia local. O que seria esse enfrentamento, na sua concepção?

Eu não vejo assim. Essa carta circulou independente da minha vontade. Por que, o que a gente tem conversado não é nesse sentido não. Enfrentamento radical, o país está cheio disso. Não é mais tempo de ódio. É tempo de amor. Chega de ódio. Deixa o ódio para essas pessoas que queiram praticar o ódio. A única coisa que pode parar o ódio é o amor. E um amor competente, que se traduza em ações, porque, se não, vira um amor platônico também: eu te acho lindo, maravilhoso, mas não faço nada por você. Eu acho que a política tem que incorporar essa ideia. O que é importante na cidade é gente, não é a infraestrutura da cidade. Claro que gente utiliza a infraestrutura. Mas se gente não for acolhida, se não for o centro de todo planejamento, de todo desenvolvimento, nós estamos falando de conversa fiada. Então, ideia de enfrentamento, para mim, é nenhuma. Eu não quero enfrentar ninguém. As pessoas é que se enfrentem.

Nas eleições de 2016, a candidata do PSOL, Xênia Mello, fez 1,15% dos votos. 10.683. O que a leva a crer que, neste ano, o desempenho poderá ser melhor?

Eu acredito que as pessoas, de lá para cá, já tiveram experiências diferentes. Já puderam ver a vida sob outros ângulos, já experimentaram outras possibilidades. Embora as possibilidades que eles experimentaram sejam as mesmas de sempre, a nossa ideia é trazer um discurso inteiramente novo. Um discurso que convide as pessoas a pensar em si próprias, e pensar na cidade em que moram. Se isso for capaz de trazer as pessoas para o debate, para o diálogo, para a construção, ótimo. Se não, é possível que esses índices medíocres se repitam, né?

Se fosse prefeita, o que teria feito diferente no enfrentamento à Covid-19?

Em primeiro lugar, acolher as pessoas. Um discurso de acolhimento. É aquele que a gente reconhece que as pessoas estão com medo, que estão passando por momentos difíceis, e ainda que não possa fazer nada, a gente pode estar ao lado delas. Então, não são providências burocráticas que as pessoas precisam num momento como esse. Elas precisam de acolhimento. No meu trabalho, estou dizendo isso. Os índices de depressão subiram 200% no período. As pessoas estão abandonadas a si mesmas. Falta uma liderança capaz de acolher. As lideranças que a gente tem só falam em infraestrutura, em hospital, abrir, fechar, e as pessoas? No momento em que a gente está passando, as pessoas estão morrendo, estão ficando doentes, e as que não estão ficando doentes, estão com medo. Então, a primeira providência num momento como esse é acolher as pessoas, amparar as pessoas, para que elas possam pelo menos se manter de pé. Com todas as dificuldades extraordinárias que elas estão vivendo, de recursos materiais, como eu disse, até a falta total de horizontes, de perspectiva.

Havendo ainda alguma capacidade de investimento pós-pandemia, onde pretende concentrar os recursos da cidade nos próximos anos e por quê?

A cidade já faz um trabalho belíssimo de infraestrutura, não é? Só que faz esse trabalho numa área muito pequena. A cidade cresceu muito. Mais do que isso, a cidade deixou de ser o conceito que nós tínhamos de cidade. Se você andar ali pelo centro da cidade, vai ver zonas mortas, uma atrás da outra, sempre com uma placa de aluga-se ou completamente abandonada. Esse é o destino das cidades. Ocorreu nos EUA, está ocorrendo na Europa e vai ocorrer aqui. As cidades precisam ser repensadas. Portanto o primeiro grande investimento da cidade é investimento em informação. A cidade vai ter que se automatizar de alguma maneira, vai ter que se pensar de novo. Então, o pouco dinheiro que se tem para garantir o que já tem e pensar esse futuro. Como vai se reorganizar? O centro da cidade tem que ser reocupado. Provavelmente, os espaços onde eram lojas podem abrigar famílias. O que vamos fazer com os imóveis fechados? Deixá-los fechados, degradando e degradando toda a paisagem urbana? Um grande projeto para esta cidade é pensar como ela vai ser depois dessa pandemia, que, naturalmente, expôs inúmeros conflitos que a gente já tinha, só que amplificou e todo mundo está vendo isso agora. Só não vê quem não quer.

Em sua dissertação de mestrado na UFPR, em 2014, constou também o nome de batismo, Geraldo Eustáquio de Souza. Na urna, vai aparecer o nome Letícia Lanz ou Geraldo Eustáquio de Souza?

Eu ainda não havia sido autorizada pelo Supremo Tribunal Federal à mudança do nome, isso só aconteceu depois. Mas hoje eu fiz toda a mudança, conforme aprovado pelo STF. Então, meu nome é Letícia Lanz de Souza.

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