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Ricardo Marcelo Fonseca, reitor e candidato à reeleição na UFPR.
Ricardo Marcelo Fonseca, reitor e candidato à reeleição na UFPR.| Foto: Samira Chami Neves/Divulgação

Estudantes, professores e demais funcionários devem participar, nos dias 1 e 2 de setembro, do processo de consulta pública para apontar a vontade da comunidade acadêmica em relação aos rumos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Das quase 47 mil pessoas aptas a votar, 19,2 mil cadastraram senhas eletrônicas na primeira eleição eletrônica para a escolha de reitor. O número é um pouco superior ao que foi registrado na votação de quatro anos atrás (16,2 mil).

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A Gazeta do Povo entrevistou os dois candidatos a reitor, Ricardo Marcelo Fonseca e Horácio Tertuliano Filho, abordando tanto assuntos sobre as bases da educação superior e aspectos de gestão, quanto questões que foram alvo de trocas de acusações mútuas em redes sociais e nos debates realizados entre os adversários. O objetivo foi dar espaço semelhante a ambos os concorrentes. A entrevista com o professor Ricardo Marcelo acabou ficando um pouco menor, em função do acordo feito com a assessoria para que a conversa tivesse cerca de 45 minutos.

O conteúdo está disponível em vídeo, como forma de permitir que os candidatos aprofundassem seus pontos de vista, e é aqui transcrito, com ajustes próprios da transição da linguagem oral para a textual. Ricardo Marcelo concorre à reeleição – pela Chapa 2, a UFPR de Todos Nós – tendo a professora Graciela Ines Bolzón de Muniz como vice. Confira a entrevista.

Em quais aspectos acredita que diverge do seu adversário na disputa pelo cargo de reitor?
Acho que eu divirjo bastante, até onde eu compreendo, porque olhando os dois sites de propostas, você vai ver na nossa chapa 2 um plano de universidade, uma ideia de universidade, propostas em 15 eixos completos. Se você vai na chapa adversária, você tem a maior parte dos itens em branco ou incompletos. De fato, eu não consigo comparar completamente as propostas, mas uma coisa, de saída, é que nós divergimos quanto a leitura da democracia interna da universidade. Eu tenho me comprometido desde o primeiro momento e tenho cobrado isso da chapa adversária a respeito do resultado desse processo eleitoral. A consulta é feita desde os anos 80 e, como na maioria das universidades federais brasileiras, é uma etapa no processo de escolha de reitor para que, nas etapas seguintes, seja julgada relevante. Eu estou dizendo que, para mim, é importante a vontade da comunidade. Quando eu pergunto isso para a chapa adversária, eu não tenho resposta. Então, na nossa ideia sobre democracia universitária, sobre o critério democrático que deve presidir a escolha de reitor, há uma grande divergência de saída. Eu acho que há uma série de outras divergências, sobretudo do ponto de vista operacional. A outra chapa fala muito em resolver questões de burocracia e solidificar fontes externas à universidade. Aqui nós falamos a mesma coisa: mas existem divergências no diagnóstico e talvez no prognóstico. Nós somos parte da administração pública, nós temos autonomia universitária, mas somos submetidos a leis, somos submetidos à Constituição, somos submetidos aos órgãos de controle e isso não pode ser ignorado. De modo que tudo que a gente fizer, sobretudo na relação externa com a universidade, na captação de recursos, tem que ser feito com total transparência. Por isso, a gente pode diminuir, mas não pode eliminar a burocracia. Não adiantam bravatas, sem dizer como vai fazer. E a captação de recursos externos, que é uma meta importante, sobretudo nestes tempos em que a universidade tem sofrido cortes orçamentários, é uma coisa que nós temos que fazer, mas não no regime de balcão. Eu tenho visto muitas vezes se dizer assim: “nós vamos a Brasília, vamos sentar ali na antessala e vamos esperar”. Não é assim que se consegue dinheiro em Brasília. A relação com o MEC é a partir de projetos, existe uma matriz de distribuição de recursos entre as universidades. Para ter relação boa com essas lideranças precisa ter legitimidade com a nossa bancada para que a gente consiga emendas parlamentares.

A UFPR forma milhares de profissionais que contribuem para a sociedade. De que forma a Universidade pode colaborar ainda mais com o desenvolvimento em todas as áreas?
Colabora muito e sempre pode mais. Acho que a gente tem que estar comprometido em articular melhor as nossas ações com a sociedade, em todos os ângulos. Por exemplo, a gente tem um papel protagonista na formação de professores, nas licenciaturas. Para aqueles que dividem muito a educação superior dos outros níveis de ensino, geralmente para atacar a educação superior, dizendo que ela tem muito dinheiro. Pois bem, lembrem que sem a educação superior, inclusive nas universidades federais, a gente não tem a formação de professores nos outros níveis de ensino. Nós temos essa dimensão da educação profissional e sobretudo de estudantes que fazem cursos noturnos. Nossa universidade é muito grande e tem dimensões profissionais e científicas praticamente de todas as áreas. Então nós temos um compromisso de formar profissionais competentes, preparados para o mercado. Na medida que a gente aperfeiçoa tudo isso, certamente a gente está cumprindo também a nossa função social. Me parece que hoje está muito evidente que uma das funções principais da universidade é a produção de conhecimento de ponta. A UFPR tem a liderança no Paraná em pesquisas e é uma das protagonistas do Brasil, também com projeção internacional. Um exemplo é que nós estamos participando da fase 3 da produção da vacina para o Instituto Butantan, que é uma das mais promissoras que existem para a Covid-19. Um professor nosso inventou um teste de R$ 10, que nós estamos agora falando com o governo do estado para ter produção massiva. São formas que a pesquisa de ponta – que só é capaz acontecer na universidade pública, no caso brasileiro – traz tantos benefícios. Se essa ciência de ponta tivesse sido fomentada ao longo da última década a gente estaria mais preparado para essa pandemia. Preciso acrescentar ainda uma outra dimensão muito importante da nossa universidade que é o desenvolvimento regional. Hoje nós somos uma universidade multicampi, a gente está no Litoral, no Oeste, no Norte do Paraná. Aonde a universidade entra, ela transforma a realidade. Ela costuma se relacionar muito bem com a comunidade local e muda a realidade, não apenas no nível cultural e civilizacional, nos índices de desenvolvimento humano, mas inclusive do ponto de vista econômico. Ciência e tecnologia é que que faz a indústria se renovar, que faz o agronegócio ser mais produtivo. Um exemplo é um projeto em que estão envolvidas basicamente universidades federais para desenvolvimento genético da cana-de-açúcar, chamado Ridesa. Hoje mais de 70% das plantações de cana-de-açúcar decorrem dessa atividade científica, então a Universidade Federal do Paraná, inclusive, está bastante envolvida. Tem mais uma dimensão que me parece crucial, da universidade como motor da soberania nacional. Se a gente não produz conhecimento autônomo, a gente produz dependência. Se não apostar nas universidades, a gente não garante soberania nacional. Portanto, a universidade precisa ser reconhecida, precisa ser valorizada porque ela pode contribuir efetivamente com a sociedade muito, mas para isso ela precisa ser valorizada. Se cortam os nossos meios, evidentemente a gente não consegue cumprir a função para a qual nós existimos.

É premente a cobrança social sobre a inovação partir do ambiente universitário. Quais iniciativas destacaria nesse setor?
No ranking universitário da Folha, nós somos a quarta universidade brasileira em inovação. Então, quer dizer que temos feito bastante. Mas a gente tem que fazer mais. Não é só uma questão de vontade, porque isso não falta. Mas a gente precisa ajustar muito as duas partes envolvidas em um processo como esse: tanto os nossos cientistas, que precisam, às vezes, sair da sua própria lógica do laboratório, olhar para a sociedade e ver as necessidades concretas da sociedade, mas, às vezes, também dos nossos parceiros interlocutores. Embora nós tenhamos muitos convênios e contratos com empresas privadas e públicas, desenvolvendo produtos, eu posso fazer um diagnóstico, em termos nacionais, que o empresariado brasileiro precisa também aprender a se relacionar melhor, de uma maneira de duas vias, com a academia, como acontece em outros países. Um exemplo concreto é uma pesquisa dessas aplicadas e que tem uma função crucial para o agronegócio. Pesquisa feita há tanto tempo e pesquisa básica, feita lá no nosso departamento de Bioquímica, que é um dos orgulhos da nossa universidade, nota máxima na avaliação da pós-graduação do MEC. Uma bactéria chamada Azospirillum é responsável pela fixação do nitrogênio vegetal, cumprindo a função substitutiva de vários fertilizantes nitrogenados. Depois de todo esse ciclo da pesquisa básica em laboratório, quando passa a ser aplicada, ela economiza milhões de dólares. Estamos nesse salto, passando da dimensão da inovação para a transferência de tecnologia, para pesquisa aplicada, com a universidade como ator principal, porque não se consegue um salto desses sem a inovação que é produzida dentro da universidade. Um outro exemplo é o grafeno, que está muito presente na retórica do presidente da República. Nós aqui na universidade federal do paraná temos um protagonismo tremendo na pesquisa sobre o grafeno, como a UFMG e a USP também. Grandes cientistas que estão fazendo isso hoje lá na Universidade Mackenzie são formados aqui na nossa universidade, na pós-graduação. O grafeno é uma pesquisa que está precisamente nessa transição da parte básica para a parte aplicada, mas ainda não chegou lá. Às vezes demora ou não dá certo, mas ciência é assim, tentativa e erro. Mas por isso que o financiamento público da ciência é tão necessário, inclusive do ponto de vista do desenvolvimento econômico.

A discussão científica, a partir da percepção da relevância da pesquisa e da extensão, ganhou novos contornos com a pandemia do novo coronavírus. Como a UFPR contribuiu nesse momento?
Essa pandemia é uma desgraça, um drama humano, todos estamos passando por isso, mas pelo menos para as universidades ela trouxe algo bom. Havia uma retórica violenta e injusta contra as universidades, mas quando a gente chegou na pandemia, todo mundo prestou atenção em como a ciência é importante, como os cientistas precisam ser ouvidos. E ciência e cientistas estão, sobretudo, dentro da universidade pública brasileira. No nosso caso, a universidade deu um show. Aqui eu abro parênteses para lamentar: o meu adversário foi Instituto de Engenharia do Paraná por esses dias e repetiu todos os estereótipos negativos que a gente ouve por aí contra a universidade pública e amesquinhou a participação da universidade no combate à Covid-19, dizendo que só fizemos máscara, álcool em gel e conserto de equipamentos. Fizemos isso, que era importante e salvou vidas. Mas fizemos muito mais. Lembremos que o maior hospital público do Paraná é o nosso Hospital de Clínicas, que o é hospital-escola da Universidade. Ali a gente disponibilizou centenas de leitos. E os casos mais complicados são internados ali. A gente está no front. Já teve servidor da área de saúde que morreu. Então, amesquinhar essa participação da universidade é, de fato, triste. Mas o nosso show não fica só na descoberta de um teste novo para a detecção, feito por um professor lá do litoral, mas também na área de georreferenciamento, do nosso pessoal das Ciências da Terra, e também nas ações matemáticas, na estatística, também na parte da Psicologia e das Humanidades, porque a gente precisa entender o mundo da pandemia e do pós-pandemia. Tanto é que nós fizemos editais com recursos próprios para atender aquilo que nós chamamos de desaceleração da pandemia, voltados não só para a área biomédica, naturalmente a grande protagonista neste momento, mas também para atender a todas as áreas do conhecimento para pensar esse mundo da pós-pandemia. Eu tenho muito orgulho de tudo aquilo que a Universidade Federal do Paraná tem feito.

A UFPR  não ofereceu aulas virtuais para os alunos durante o maior tempo da pandemia. Quais as bases dessa decisão?
Não é que a gente optou por não fazer. É que a universidade pública funciona de modo diferente das instituições privadas. Eu respeito muito a estratégia, com um retorno muito rápido, mas isso obedece a própria lógica deles, inclusive de manter o cliente. A universidade pública tinha desafios, como por exemplo, o treinamento do nosso pessoal. Embora a universidade tenha investido muito em um projeto que nós chamamos de UFPR Híbrida ao longo dos últimos anos, a grande realidade é que boa parte dos nossos professores e técnicos não estava ambientada com as plataformas digitais. Houve ainda um grande debate interno. Muita gente estava contra, lá em março e abril, ao ensino remoto, pois confundiam com educação a distância, por temer comprometer a qualidade que é própria da universidade pública. Também não é segredo para ninguém que desde a lei 12711/2012, a lei das cotas, nós temos um contingente imenso de estudantes com grande vulnerabilidade socioeconômica. Significa que gente não poderia fazer assim, num estalar de dedos, a inserção de um ensino remoto que fosse excludente. Nós fizemos uma ampla pesquisa para entender exatamente o número e quem eram os nossos estudantes que tinham dificuldade de inclusão digital, que não tinham equipamento ou plano de internet. Nós terminamos essa pesquisa lá pelo mês de junho e implementamos um plano de inclusão digital que virou modelo no Brasil. Nós fomos os pioneiros. Todas as grandes universidades federais brasileiras nos seguiram nesse ponto. Nós fizemos concomitantemente um debate interno. A democracia dá trabalho e nós enfrentamos esse trabalho. Nós aprovamos, em um primeiro momento, a entrada no sistema remoto da pós-graduação, e depois uma série de atividades não obrigatórias de graduação. Até que, com a inclusão digital e com o diálogo, inclusive convencendo aquelas pessoas que tinham resistências, aprovamos uma resolução por unanimidade no nosso conselho e implementamos de maneira pioneira. Nós não demoramos, fomos a nona universidade federal brasileira, de um total de 69, que implementou o ensino remoto emergencial. As outras grandes universidades federais entraram muito depois. Portanto, olhando o contexto, que quase metade das universidades federais ainda não entrou no ensino remoto, nós puxamos a fila e demos o exemplo de modelo inclusão digital para as demais.

O Ministério da Educação apresentou a proposta de adesão ao projeto Future-se, que acabou rejeitada pelo Conselho Universitário da UFPR. O que pensa sobre essa iniciativa?
A gente colocou no Conselho Universitário. Não foi uma decisão do reitor. Foi um processo de discussão interna e foi muito rápido porque o governo deu pouco tempo para a gente.  Apresentou o projeto sem que nenhuma universidade tivesse tido acesso antes a essa minuta e abriu para mandar sugestões em mais ou menos um mês. Nós discutimos de maneira institucional, não fizemos de maneira político-ideológica. A Universidade Federal do Paraná produziu um documento de 46 páginas, que foi considerado o mais consistente entre todas as universidades brasileiras, analisando o projeto. Então a gente não falou assim “não, não queremos”. A gente analisou sob o ponto de vista de inconstitucionalidade, de eventuais ofensas à autonomia universitária e do problema de nos submetermos à lógica das organizações sociais, discutimos que estava exclusivamente privilegiando a chamada ciência aplicada, deixando de lado as ciências básicas, que são fundamentais, e também deixava de lado as Humanidades, e os servidores técnico-administrativos não apareciam naquela primeira versão do Future-se, como também a extensão. Então, fizemos uma análise e aprovamos um documento sóbrio, que fundamentou a decisão unânime dos sessenta e tantos membros do nosso conselho universitário. Fizemos uma discussão madura e institucional e acho que contribuímos, inclusive, com o governo naquela época, até para que o projeto pudesse evoluir, acolhendo muitas das coisas que nós colocamos no nosso documento.

O senhor experimentou a situação de estar à frente da Universidade em momentos de contingenciamento de gastos. E agora há a perspectiva de corte na faixa de R$ 50 milhões no orçamento da UFPR para o ano que vem. Como pretende lidar com isso?
De fato, tivemos um grande bloqueio ou contingenciamento no ano passado, mas tivemos outro em 2017 e também lá em 2015. Ou seja, é algo que vem acontecendo há bastante tempo. São muitas reduções orçamentárias num momento em que a gente quase já não tem mais gordura para queimar. Acho que a gente tem que esperar, ganhar essa eleição, tomar posse e ver qual será o critério de distribuição e dos cortes. É difícil fazer uma previsão. Temos que apostar na captação de recursos externos, mas só isso não resolve o nosso problema. Da maneira como a universidade hoje é estruturada nós dependemos muito do orçamento público. A minha experiência, que está lastreada nesses quatro anos muito difíceis, me diz que a situação exige legitimidade do gestor, para poder conversar com todo mundo. A gente precisa ter aquele pacto interno, com cada um diminuindo aqui e ali. Se não há a capacidade de diálogo interno, dá briga. Eu estou enfatizando isso para mostrar que a legitimidade de uma liderança na universidade não é acessória, não é um assunto político ou ideológico. É algo que compromete o próprio andamento da instituição.

Foram identificados desvios de bolsas de pesquisa, situação anterior ao seu mandato, mas que acabou envolvendo sua vice, que depois foi absolvida pela Justiça. De que forma isso afetou a sua gestão?
Eu tinha dois meses de reitoria quando aconteceu aquela operação policial. Quero lembrar que era um contexto em que estavam acontecendo operações em outras grandes universidades. Em alguns lugares, como por exemplo no caso da UFMG, toda a rumorosa operação policial que inclusive conduziu coercitivamente na época o reitor e a vice-reitora acabou em nada. No nosso caso tinha sim um desvio de verba, que foi apurado e os responsáveis eram duas ou três pessoas, que estão presas. Um problema lamentável, mas que qualquer instituição pública ou privada poderia estar sujeita, sobretudo uma instituição gigante como a nossa universidade. Não estou diminuindo a gravidade do problema, mas eu estou diminuindo a gravidade daquilo que na época foi falado. Levaram mais de vinte pessoas em condução coercitiva. Fizeram aqui um grande escândalo. Com o passar do tempo, com as decisões judiciais, nós vimos que era muito menor do que aparentava inicialmente. A professora Graciela, que é um orgulho para essa universidade, pesquisadora do topo da pirâmide dos cientistas brasileiros, tinha sido coordenadora de pesquisa na gestão anterior e foi colocada no bolo. Mas as decisões judiciais a inocentaram completamente.  Isso nos afetou porque a gente não pode tolerar desvio nenhum dentro da universidade. Mas sobretudo nos afetou porque a gente teve que investir no controle e na transparência. Hoje aquele tipo de fraude seria absolutamente impossível. Portanto, nos afetou para que a gente aprendesse e pudesse evoluir. Hoje a universidade tem uma governança interna muito mais competente e vigilante com o dinheiro público para que essas coisas jamais voltem a se repetir.

O presidente Jair Bolsonaro nem sempre nomeia o mais votado na eleição universitária. Recentemente aconteceu na Universidade Federal do Semiárido. Acredita que isso possa acontecer aqui?
Eu não acredito. Nós somos muito diferentes, tanto lá no Semiárido quanto de uma série de outras universidades em que isso de fato aconteceu. Eu acho que nós temos aqui circunstâncias diferentes. Primeiro que a Universidade Federal Rural do Semiárido é muito pequena e muito nova. Ela não tem uma identidade estadual, está em vários estados lá do Nordeste e, portanto, ela não tem o peso que a nossa Universidade Federal do Paraná tem, como a mais antiga do Brasil. Nós vamos fazer 108 anos, nós somos a alma mater da sociedade paranaense, nós estamos no colo da sociedade paranaense e isso já faz toda a diferença. Do ponto de vista político, me parece que hoje os estados em que está inserida a Universidade do Semiárido são de oposição ao governo federal e esse não é o caso do Paraná. Nosso governador Ratinho Junior tem uma interlocução positiva com o Executivo federal e isso também conta. Sei porque ouvi do próprio governador Ratinho Junior que ele obviamente se compromete em valorizar a vontade da Universidade Federal do Paraná. A vontade não do candidato A ou B que venha a ganhar essa consulta, mas a vontade da universidade. Eu não esperaria outra coisa do nosso governador. Ele será, portanto, um porta-voz da vontade da UFPR. Nós temos uma excelente relação com a nossa bancada. Eu quero relembrar que, no ano passado, quando estava acontecendo aqueles bloqueios orçamentários severos, nós, pela primeira vez na história da Universidade Federal do Paraná, trouxemos os parlamentares na sala dos conselhos superiores. Estavam presentes os três senadores da República, que nunca tinham estado juntos na universidade ao mesmo tempo. Nós trouxemos boa parte da nossa bancada federal, inclusive de centro-direita, com quem a gente tem uma interlocução excelente, porque somos reconhecidos como interlocutores abertos e plurais, como tem que ser o interlocutor que comanda a Universidade Federal do Paraná. E eu tenho convicção que os representantes do povo paranaense, os deputados, como representantes do estado, os nossos senadores, patrocinarão a vontade da Universidade dos paranaenses, não o nome A ou nome B, em respeito a essa imensa comunidade de 40 mil pessoas, que nesse momento está se debruçando para uma escolha interna, e que seria muito traumático, não só para a Universidade, mas para o Paraná inteiro, essa vontade não fosse observada. Então, exatamente por isso, dadas as peculiaridades e as circunstâncias internas aqui, muito diferentes de outros casos, que eu confio que haverá, da parte do Executivo, a nomeação do mais votado.

A chapa adversária questiona o fato de o senhor ser funcionário cedido pelo governo federal, sem uma carreira exclusiva de professor. O que pensa sobre isso?
Primeiro, está errado. Isso é uma mistificação. Eu sou professor de carreira, fiz concurso público, primeiro como substituto, depois como professor assistente, em 1998.  Dizer que eu, reitor da Universidade, pesquisador nível 1B do CNPq, que dediquei minha vida à pesquisa e à universidade não sou professor só pode ser uma coisa surreal nesse momento de campanha. Hoje estou no topo da carreira e sou professor titular. Inclusive a chapa adversária foi punida pela comissão de ética aqui da nossa eleição por disseminar esse tipo de confusão. O que acontece é que eu nunca fui professor com dedicação exclusiva, o que não é nenhum problema. Quem vai questionar a minha dedicação à Universidade, mesmo não sendo professor com dedicação exclusiva? Eu quero lembrar que o professor Moreira, que foi reitor em dois mandatos, não tinha dedicação exclusiva. Quero lembrar que o professor Luiz Edson Fachin, que na época era diretor da Faculdade de Direito, que concorreu com o Moreira em 2001, não era de dedicação exclusiva. Quero lembrar que o nosso ex-vice-reitor nos dois últimos mandatos, Rogério Molinari, médico, também não era de dedicação exclusiva. Não é um requisito legal e bobagem esse tipo de alegação. É cortina de fumaça. Seria tão melhor que se focasse nas propostas nesse momento de campanha, fosse na bola e não fosse na canela. Eu sou professor titular dessa Universidade, como atestam as homenagens em formaturas, as dezenas de orientandos de mestrado e doutorado, o fato de eu ter sido presidente da minha associação científica, de eu ser pesquisador do CNPq. A minha vida é a Universidade, todo mundo sabe disso. Estou terminando o primeiro mandato com essa gana de fazer um segundo.

Também é alvo de questionamento pela chapa adversária uma medida judicial que teria sido impetrada pelo senhor para receber vencimentos acima do teto constitucional. O que houve?
Em 2017, no Supremo Tribunal Federal, teve uma decisão em repercussão geral que dizia que para quem tem dois cargos públicos de maneira lícita, como é o meu caso, que tenho um outro cargo público do qual estou afastado há 12 anos, que não era possível somar as duas remunerações, mas fazer o cálculo do teto considerando as situações separadamente. Eu falei “ora, eu tenho direito” e entrei com ação. Passou uma semana e meia e eu desisti da ação. A gente estava discutindo na época as possibilidades de convênios e contratos dentro da Universidade e uma das resoluções que a gente estava aprovando falava que os pesquisadores em convênios e contratos tinham que receber no máximo até o teto funcional. Eu pensei “acho que não é adequado agora que eu misture aqui, alguém pode invocar isso de uma maneira distorcida” e eu desisti da ação. Então, nesse momento de campanha, questionarem o fato de eu ter entrado com uma ação, que é amparada numa decisão com repercussão geral do Supremo Tribunal Federal para tentar politizar o salário das pessoas? Eu tenho percebido que talvez a campanha adversária está excessivamente preocupada com o que externamente vão dizer mais do que dizem internamente. Então eu daria esse conselho para a chapa adversária, com essa obsessão de ficar discutindo o meu salário e falando que eles ganham salário de professor, eu acho que lá fora vão começar a achar que eles são comunistas e isso vai começar a pesar para eles.

Seu adversário aponta que o senhor teria tentado evitar a inscrição de chapas concorrentes. O que poderia dizer sobre isso?
Isso é cortina de fumaça. Espero que isso não esteja sendo colocado agora como justificativa para desrespeitar o processo depois. A abertura desse processo foi decidida pelo Conselho Universitário com uma maioria esmagadora, algo como 55 a 8. E quem hoje em dia coloca críticas são alguns desses oito que nem sequer queriam que o processo estivesse acontecendo. Quero dizer que as assembleias dos professores, dos servidores técnicos, dos estudantes decidiram, com uma maioria ainda mais esmagadora, decidiram isso. A Universidade, portanto, pelos seus meios democráticos e amplamente majoritários, tomou a decisão. A eleição ser feita de modo digital não é novidade para ninguém. Nós temos cerca de 17 universidades federais que nesse exato momento estão fazendo eleições no formato digital. Está dando certo em todas elas. Aqui, o nível de participação da comunidade está sendo maior do que nas eleições presenciais. Tem universidades, como a Federal de Goiás ou da Unifesp, que já usavam esse sistema eletrônico de votação antes da pandemia. Então, o que eu vejo são justificativas esfarrapadas de pessoas que não tiveram a capacidade de articulação política para ter a força nessa campanha que gostariam de ter, mas aí me desculpe, a culpa não é minha. Não me jogue culpa de que a comunidade hoje tem um grande reconhecimento por essa gestão universitária e fizeram listas de apoio, inclusive antes do processo eleitoral, listas de terceiros, listas espontâneas, manifestações democráticas dizendo “queremos que o Ricardo e a professora Graciela continuem”. Só que isso deixou algumas pessoas muito mordidas e acusaram isso de ser antidemocrático. Nunca vi isso: manifestação de apoio ser considerada como ofensa à democracia ao invés de manifestação da democracia. O fato de as pessoas não estarem encontrando espaço na sua campanha ou nas suas propostas não é culpa da democracia nem culpa do processo. O resultado final das urnas vai demonstrar bem a legitimidade desse processo e o nosso envolvimento da comunidade. Repito que eu espero que todos aceitem o resultado democraticamente porque isso é uma medida de respeito à nossa comunidade;

E quais seriam as suas considerações finais?
As pessoas dentro da Universidade querem um debate em alto nível, querem um debate de propostas, mas agradeço a oportunidade inclusive de falar o quão irrelevantes são as questões, as aleivosias que eventualmente sejam levantadas. Mas eu queria, nessa mensagem final, falar para a comunidade externa, queria dizer para a sociedade paranaense o quanto ela deve se orgulhar da Universidade Federal do Paraná, a mais antiga do Brasil, que está no berço da nossa sociedade. Lembre que o prédio histórico na praça Santos Andrade, que abriga a faculdade de Direito, o curso de Psicologia e algumas pró-reitorias, é o símbolo da cidade de Curitiba. Se vocês forem a Palotina, a Toledo, a Jandaia, a Pontal, a Matinhos, vocês vão ver a importância central naquelas comunidades da Universidade Federal do Paraná, que é motivo de orgulho para todos e agora na pandemia isso está ficando mais claro. Então, quero dizer que a Universidade tem que ser embalada, ela tem que ser protegida de fake news. A Universidade foi muito injustamente detratada nos últimos tempos. Eu não estou dizendo que a Universidade é perfeita, que sempre caminha do jeito certo, como qualquer instituição, qualquer órgão público e privado. É preciso olhar para frente, corrigir rumos, mas mesmo sendo assim é motivo de orgulho para cada paranaense. Formamos as gerações de quem está aqui hoje, dos pais de quem está aqui hoje, dos avôs e avós. A gente está formando gerações de paranaenses, hoje com mais pluralidade, mais colorido, mais inclusão, mas a Universidade sempre teve essa função de produção de conhecimento, de formação dos professores dos outros níveis. É um tesouro da nossa comunidade. Que todos sempre olhem com carinho para a Universidade de todos os paranaenses.

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