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Laboratório da Novozymes.
Laboratório da Novozymes.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Iniciativas promissoras que partem da academia ou de empresas públicas e privadas têm colocado o Paraná em evidência quando o assunto é biotecnologia. Mas esse potencial poderia ser mais bem explorado. Barreiras locais, ligadas principalmente à falta de articulação entre os atores da cadeia produtiva, ainda dificultam o fortalecimento da pesquisa na área, que utiliza conhecimentos da biologia para a solução de problemas em diferentes segmentos produtivos.

Um estudo organizado pelo Observatório do Sistema da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) deve começar a mudar esse cenário. Lançado nesta quarta-feira (15), a publicação traça em detalhes os caminhos que devem ser percorridos para a superação dos entraves e tem o objetivo de servir de base para uma agenda de ações a serem tomadas em curto, médio e longo prazos. Chamado de Rota Estratégica para o Futuro da Indústria do Paraná – Biotecnologia 2031, o documento mostra que, a partir de um conjunto de iniciativas, o estado pode se consolidar como polo nacional em soluções biotecnológicas.

Confira o estudo completo

Algumas potencialidades regionais são evidentes, como a vocação dos Campos Gerais para trabalhos de biotecnologia florestal, e das regiões da capital e do Oeste do Paraná à frente do desenvolvimento da biotecnologia voltada à saúde humana. O trabalho organizado pelo Observatório da Fiep, no entanto, não se debruça sobre especificidades locais, uma vez que os principais entraves encontrariam solução na superação de barreiras em nível estadual ou nacional.

Em termos gerais, a proposta é de um modelo de governança por segmento, que prevê investimento por parte da indústria, fortalecimento de políticas públicas e articulação com a academia em nível local na formação e retenção de recursos humanos. “Fazemos muitas parcerias com outros estados, em parte porque a participação da indústria local ainda é tímida, em parte porque editais de pesquisa, desenvolvimento e inovação em nível estadual são escassos”, explica Ariane Hinça Schneider, coordenadora do Observatório. “Potencial o Paraná tem”, afirma.

Esse potencial pode ser confirmado em termos do que já é produzido em um cenário ainda pouco favorável. Pesquisas em universidades e em empresas que investem em inovação têm alcançado resultados promissores nas mais diversas áreas, o que tem atraído o olhar de startups e de multinacionais para o estado. Mas, embora bastante relevantes, as iniciativas em biotecnologia ainda caminham relativamente isoladas entre si.

“Somente grandes empresas têm capacidade de sustentar um programa próprio de inovação”, diz o pesquisador Carlos Ricardo Soccol, idealizador do curso de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pioneiro no país. “As pequenas e médias dependem de uma interação maior com a universidade”, avalia. Para Soccol, com um contato maior entre academia e setor produtivo, tanto quanto as empresas, ganhariam os próprios acadêmicos. “Para formarmos bem, precisamos dessa interação, sob o risco de ficarmos alheios à realidade.”

Segundo a pesquisa ‘Biotecnologia no Brasil: uma atividade econômica baseada em empresa, academia e estado’, do pesquisador Carlos Eduardo Torres Freire, em 2014 o Paraná era apenas o quinto estado em número de empresas com atividades biotecnológicas, atrás de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Já em termos de comércio exterior, o estado ocupava a segunda colocação em 2016 no total de exportação de produtos biotecnológicos, de acordo com dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Parque tecnológico

O estudo da Fiep considera sempre a necessidade de incentivos compartilhados entre os setores público e privado. Um modelo promissor para a inclusão de pequenas empresas na rede de pesquisas biotecnológicas do estado é o de plantas piloto compartilhadas, que poderiam ser utilizadas por companhias menores que não dispõem de condições estruturais para executar testes de novos produtos em escala laboratorial.

Uma grande iniciativa nesse sentido começou a ser construída em 2017 em Toledo, no Oeste do estado, pelo casal de farmacêuticos Luiz e Carmen Donaduzzi, doutores em biotecnologia e fundadores da Prati-Donaduzzi, com sede na mesma cidade. Com parte dos recursos financiada pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), o Parque Científico e Tecnológico de Biociências (Biopark) é fruto de um investimento de R$ 100 milhões de recursos próprios do casal. “É um investimento em pessoas”, diz Luiz Donaduzzi.

Projeto do Parque Científico e Tecnológico de Biociências (Biopark)
Projeto do Parque Científico e Tecnológico de Biociências (Biopark)| Divulgação/Biopark

Com uma área total de 4 milhões de metros quadrados, o Biopark pretende transformar a região Oeste do Paraná em polo de pesquisa, desenvolvimento e inovação. No momento, além de um corpo funcional próprio, abriga nove empresas da área de tecnologia da informação, além do curso de Medicina da UFPR em Toledo. “É como preparar um solo: primeiro começamos com ervas e arbustos para depois plantar árvores maiores”, compara Donaduzzi. Em até 30 anos, ele prevê que o parque gere 30 mil empregos e um investimento de R$ 12 bilhões provenientes da iniciativa privada.

Entre as pesquisas em andamento no Biopark, o empresário destaca uma parceria com a Universidade Laval, do Canadá, a UFPR, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e o Hospital Erasto Gaertner, que desenvolve biomateriais voltados à regeneração de vasos sanguíneos e tecidos ósseos. Outro projeto visa a seleção de microrganismos e o desenvolvimento de processos para fermentação de leite voltada à fabricação de queijos finos. “Uma forma de agregar ainda mais valor à bacia leiteira do Paraná, que poderia competir com variedades que hoje são importadas da Europa”, diz o empresário.

Há ainda um laboratório para o desenvolvimento de medicamentos genéricos e inovadores. “Uma réplica de pequeno porte do que temos na Prati-Donaduzzi”, compara. O laboratório farmacêutico fundado pelo casal Donaduzzi em 1993, hoje maior produtor de medicamentos genéricos do Brasil, é pioneiro no mundo em pesquisas com canabidiol sintético.

Incentivo público

Entre outras ações previstas no levantamento do Observatório da Fiep estão políticas públicas de incentivo às atividades no setor de biotecnologia. Na visão do mercado, o município de Araucária se destaca nesse sentido, concentrando hoje grande parte das empresas de biotecnologia da região metropolitana de Curitiba. Na visão de futuro para 2040 a cidade propõe tornar-se “excelência em educação, inovação e biotecnologia”.

Planta industrial da empresa dinamarquesa Novozymes em Araucária
Planta industrial da empresa dinamarquesa Novozymes em Araucária| Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A principal representante do setor na cidade é a dinamarquesa Novozymes, líder mundial em soluções biológicas, que mantém uma planta em Araucária há 30 anos, quando integrava o grupo Novo Nordisk, do qual se separou em 2000. À época já houve incentivos fiscais para a implantação da unidade. “Essa política de futuro é construída pelo município junto com as empresas”, conta Ângela Fey, relações públicas da companhia para a América Latina.

Produtora de enzimas e microrganismos, a empresa está por trás de inovações nos setores mais diversos da economia do país. A maior parte dos produtos zero lactose vendidos no Brasil utilizam uma enzima produzida na planta de Araucária. “O etanol de segunda geração, produzido a partir do bagaço da cana, por exemplo, só é possível com uma enzima capaz de quebrar a molécula da celulose para a fermentação”, explica Ângela.

Fabricantes de bebidas alcoólicas fermentadas também utilizam enzimas produzidas pela filial brasileira da empresa dinamarquesa para otimizar espaço que era necessário para comportar a espuma resultante da fermentação. “Há uma enzima da Novozymes utilizada por marcas de detergente para roupas para remoção de manchas”, exemplifica a representante da companhia. Os exemplos seguem indefinidamente. A indústria de panificação compra enzimas que retardam o processo de cristalização de pães sem a necessidade de conservantes químicos. Já o setor têxtil pode se valer de enzimas para deixar tecidos mais maleáveis.

Entre outras as empresas instaladas em Araucária estão a Granotec, fornecedora de ingredientes e serviços biotecnológicos, e a filial da Forrest Innovations, companhia israelense que trabalha em uma solução para o controle de mosquitos transmissores de doenças tropicais.

Pesquisas de ponta

Em termos de qualificação, o Paraná é exportador de cérebros. O Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da UFPR é considerado o melhor entre 69 disponíveis no país na área, segundo a última avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Somente em nível de graduação, o estado dispõe de cursos de tecnologia, bacharelado ou engenharia em biotecnologia em Curitiba, Dois Vizinhos, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá, Palotina, Ponta Grossa e Toledo.

Para o professor e pesquisador da UFPR Carlos Ricardo Soccol, o desenvolvimento da indústria na área passa pela parceria com as universidades. “O setor produtivo depende do conhecimento gerado na academia para a geração de novos produtos e tecnologias e para o melhor aproveitamento dos nossos recursos naturais”, afirma Soccol. “Países como China, Índia, Coreia e Japão conseguem multiplicar por mil o valor de uma matéria-prima a partir de processos de melhoramento biotecnológicos.”

Além de escritório em Maringá, a norte-americana Alltech, uma das maiores companhias de nutrição e saúde animal do mundo, mantém desde 2007 a maior planta de biotecnologia para nutrição animal e vegetal do mundo no Noroeste do Paraná, na cidade de São Pedro do Ivaí. A empresa tem linhas de pesquisa desenvolvidas especificamente na unidade e mantém parceria com a academia, em especial com a Universidade Estadual de Maringá (UEM), principalmente para a cessão de produtos a serem testados.

Planta da Alltech em São Pedro do Ivaí
Planta da Alltech em São Pedro do Ivaí| Divulgação/Alltech

A principal linha de pesquisa da empresa envolve a seleção de leveduras que são utilizadas na criação de novos produtos ou na melhoria de processos. Minerais orgânicos como selênio, cobre, zinco e ferro obtidos a partir de leveduras, são muito mais facilmente absorvidos pelos animais do que os mesmos minerais em sua forma inorgânica. “Com a seleção da melhor levedura, reduzimos em 60% a quantidade de minerais para alimentação com a mesma absorção”, explica José Pocrifka, diretor de Operações para a América Latina da empresa. “Isso aumenta a produtividade e reduz a contaminação do meio ambiente porque há menos passagem desses minerais para as fezes dos animais.” Pocrifka destaca ainda que os pesquisadores trabalham apenas com a seleção de cepas de leveduras. “Não há modificação genética”, explica.

Na região dos Campos Gerais, mais especificamente em Telêmaco Borba, a Klabin, maior produtora de papéis do Brasil, inaugurou em 2017 um Centro de Tecnologia, que tem entre as principais linhas de pesquisa o melhoramento genético clássico e a micropropagação de pinus e eucaliptos para manutenção de características desejadas. Um dos trabalhos de ponta envolve a identificação de marcadores moleculares, ou seja, sequências de DNA, que oferecem informações sobre a performance que as plantas terão em campo.

Centro de Tecnologia da Klabin foi inaugurado em 2017, em Telêmaco Borba
Centro de Tecnologia da Klabin foi inaugurado em 2017, em Telêmaco Borba| Divulgação/Klabin

“Conseguimos saber precocemente se uma árvore vai ser produtiva ou não, se vai ter características que agregam na qualidade da madeira”, explica Caio Césio Salgado, pesquisador da Klabin. Em vez de esperar de sete a dez anos até a planta crescer, a genotipagem pode ser feita em dois meses, segundo ele. Para os próximos três anos, a empresa projeta um investimento em pesquisa e desenvolvimento na ordem de R$ 176 milhões, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O aporte será destinado a trabalhos nas áreas industrial e florestal e na construção de plantas piloto, segundo Carlos do Amaral Santos, gerente corporativo de P&D da Klabin.

Em Curitiba, o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), fruto de uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o governo do estado do Paraná, atua no desenvolvimento e produção industrial de insumos e kits diagnósticos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Com personalidade jurídica privada, o instituto deve lançar em breve no mercado o primeiro teste capaz de detectar zika vírus, chikungunya e os quatro sorotipos da dengue. Outro produto novo, porém ainda em fase de pesquisa, é uma solução diagnóstica para febre amarela, já em uso em 15 laboratórios do país.

Mais recentemente, o IBMP começou a trabalhar com moléculas bioterapêuticas, para formulação de medicamentos de alto custo baseados em biotecnologia, conta Lucas Rossetti Nascimento, gerente de desenvolvimento de negócios do instituto. “Outra tendência em que vamos entrar, em parceria com uma empresa alemã especializada em microfluídica, são os lab-on-a-chips, dispositivos portáteis capazes de desenvolver um diagnóstico molecular, multipropósito, com uma gota de sangue”, conta.

Cautela

Apesar de promissoras economicamente, pesquisas em biotecnologia trazem riscos associados, especialmente quando envolvem manipulação genética. Para a doutora em recursos genéticos vegetais Sarah Agapito, pesquisadora do Centro de Biossegurança GenØk, na Noruega, a questão merece mais discussão. Ela é crítica em relação à regulamentação brasileira sobre organismos geneticamente modificados.

“Quando o milho transgênico foi liberado, em 2008, havia uma normativa que previa a coexistência com o cultivo tradicional a uma distância de 100 metros”, conta. “Porém vimos que a contaminação acontece em taxas altíssimas; não há qualquer garantia.”

Embora em linhas gerais, a questão da biossegurança está contemplada entre as ações estratégicas delineadas pelo Observatório da Fiep para o futuro do setor no Paraná.

Construção da rota estratégica

A construção da rota estratégica para a biotecnologia no Paraná envolveu um grande esforço, conta a coordenadora do Observatório da Fiep. Tudo começou em 2005, quando a entidade mapeou setores portadores de futuro para a década seguinte. O estudo foi repetido em 2015, visando um horizonte que se encerra em 2025. Nos dois ciclos, a biotecnologia apareceu como segmento emergente da economia de todas as 10 mesorregiões do estado. “Isso significa que em todo o estado foram identificadas tendências, indicadores socioeconômicos e ativos instalados que convergem para essa potencialidade”, explica a coordenadora do Observatório da Fiep.

Nos últimos dois anos, foram organizados três painéis estratégicos que reuniram 136 especialistas, representantes da academia, do setor público e da iniciativa privada – de startups a multinacionais. As discussões levaram ao delineamento de 453 ações de futuro, baseadas em 62 tecnologias-chave, para alcançar um objetivo unificado: tornar o estado referência em soluções biotecnológicas integradas, inovadoras e sustentáveis em três grandes segmentos do setor produtivo – agronegócio, saúde e meio ambiente.

“O material é extenso porque é muito bem detalhado”, diz Ariane. “Não basta dizer que é necessário investir em pesquisa e desenvolvimento; é preciso dizer como e em quê especificamente.” A publicação traz ações agrupadas por segmento e algumas medidas consideradas transversais, que alavancariam a biotecnologia em todos os setores.

Antes do delineamento das rotas estratégicas para 2031 no setor de biotecnologia, o Observatório da Fiep trabalhou em duas iniciativas semelhantes para as áreas de energia, classificada como transversal na economia paranaense, e agroalimentar, considerada estrutural para o desenvolvimento do estado. Primeiro da série, lançado em 2017, a Rota Estratégica Energia 2031 dá resultados que ajudam a entender a relevância do trabalho.

Um dos grupos de trabalho formados a partir do projeto influenciou diretamente na adesão do governo estadual ao convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para isenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para micro e minigeração distribuídas.

Outra das ações previstas no relatório era um mapeamento das fontes de energia solar no estado, que ainda não existia. Em iniciativas distintas, a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e a Itaipu Binacional, em parceria com a UTFPR e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, fizeram esse trabalho. “Hoje servem como base para tomada de decisões sobre investimentos na área de geração”, ressalta Ariane.

A coordenadora do Observatório da Fiep cita ainda a criação de um cluster de empresas do setor elétrico para atendimento a demandas em modelo de consórcio; a instalação de uma rede de eletropostos para carga de veículos elétricos e a isenção de impostos para carros movidos a eletricidade como exemplos de ações esperadas pelos especialistas que construíram o documento.

Confira na íntegra o estudo para o setor de biotecnologia

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