Enquanto aguarda a conclusão de estudos do consórcio espanhol TPF Getinsa Eurostudios/Sener Setepla sobre a ampliação e potencial de demanda de sua malha férrea, a Ferroeste afina o discurso de privatização para não cometer erros do passado. No ano que vem, a empresa paranaense de capital misto – cujo principal acionista é o governo do Paraná – deve realizar a concessão à iniciativa privada de sua ferrovia entre Cascavel e Guarapuava, além de potencialmente negociar a extensão da linha até o Mato Grosso do Sul.
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O processo não é de todo novo. A Ferroeste já foi privatizada no passado. Uma experiência, no entanto, que não acabou bem. A concessão se deu em 1996, em um processo controverso liderado pelo governador Jaime Lerner (então no PDT). Como justificativa, o Executivo alegava a necessidade de investimentos na ferrovia que o poder público não conseguiria arcar. Dessa forma, a estrutura foi posta para concessão no fim daquele ano, em um contrato que deveria durar 30 anos.
Desde o início o processo foi contestado e chegou a ser barrado na Justiça. Curiosamente, com a participação de um personagem que viria a ser mais conhecido quase duas décadas depois. Em 4 de dezembro, o então juiz federal Sergio Moro, recém-iniciado na magistratura, concedeu liminar ao PT barrando a privatização. Em seu pedido, o partido opositor ao governo Lerner sustentou que o estado sairia perdendo, já que havia investido R$ 300 milhões na ferrovia mas pretendia concedê-la por R$ 25 milhões (mais uma série de exigências contratuais, obviamente).
Não teve jeito nem para Moro. Uma semana depois, desembargadores da quarta região derrubaram a decisão e permitiram a venda da linha férrea, arrematada pelo consórcio Ferrovia Paraná S/A (Ferropar). No acordo de arremate, a empresa se comprometia a fazer investimentos da ordem de R$ 100 milhões nos primeiros anos, pagar locação da linha férrea e comprar 732 vagões e pelo menos 60 locomotivas.
A Ferropar não cumpriu o acordado e, em 2003, o então governador Roberto Requião (PMDB, hoje MDB) começou uma batalha para reestatizar a operação na linha férrea. A disputa judicial se estendeu até 2006, quando a Ferroeste finalmente retornou para as mãos do estado. O consórcio Ferropar faliu, deixando uma dívida de mais de R$ 100 milhões para o estado. A empresa passou longe de cumprir o acordo. Foram comprados apenas 60 vagões e 13 locomotivas no período, relatou à época o então presidente da Ferroeste, Samuel Gomes, à Agência Estadual de Notícias. A carga transportada ficou muito aquém do que se esperava, para desespero do setor produtivo do Oeste paranaense.
Empresa alega "novo momento"
De olho no fiasco do passado, o diretor-presidente da Ferroeste, André Luis Gonçalves, aponta que o contexto deste processo é diferente. Para ele, fatores como o alinhamento político e econômico do governo estadual com o federal e o crescente protagonismo paranaense na produção agropecuária tornam o negócio mais viável do que no passado. “Tecnicamente, o governo federal tem feito experiências com ferrovias, como a renovação da malha paulista. Ele está buscando trazer contratos de concessão que sejam mais atrativos para o investidor, que deem mais flexibilidade para que o comprador possa ter melhor rentabilidade na operação. Isso faz com que a gente ofereça para o mercado uma opção que seja atrativa”, destaca.
Também segundo o diretor-presidente, a integração até o Litoral paranaense dá uma nova perspectiva aos interessados. “Se você olhar para a história, a Ferropar tinha uma característica comercial um pouco diferente da nossa. Ela não tinha um bom relacionamento com a empresa que fazia Guarapuava ao Litoral. Então, o que os caras faziam: travavam e não transportavam para eles. Nós, hoje, não temos problema nenhum com a Rumo [empresa que opera a linha férrea de Guarapuava ao Litoral do estado]. Temos uma parceria muito boa com eles. Tanto que, por meio de um novo acordo, nesse ano tivemos um volume maior [transportado] do que no ano passado”, diz.
De fato, as características do negócio são diferentes daquelas nos anos 1990. Os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul firmaram em agosto um acordo para estudar e, caso haja viabilidade, estender a linha férrea até o estado vizinho. Hoje, a Ferroeste é um trecho de apenas 248 quilômetros de extensão entre Cascavel e Guarapuava. Para escoar a produção até o Porto de Paranaguá, é preciso necessariamente fechar acordo com a Rumo. Caso o projeto saia do papel, a malha ferroviária terá 1.371 quilômetros de extensão, ligando Maracaju (MS) a Paranaguá (PR). Bom para os produtores sul-mato-grossenses e paranaenses. E, obviamente, um grande negócio para o operador logístico.
“Um especialista nos disse que estamos com todos os astros favoráveis para essa privatização”, destaca André Gonçalves. “Poucas ferrovias conseguem pegar a produção na porteira da fazenda ou na boca da indústria e entregar no navio. Se você pegar a Norte-Sul [ferrovia que vai do Maranhão a São Paulo, porém com trechos inoperantes], Ferrogrão [que liga o Mato Grosso ao Pará]... São ferrovias que unem um ponto ‘a’ a um ponto ‘b’, mas não chegam a um porto”, sustenta o diretor-presidente.
Próximas etapas da privatização
Em junho, o trecho ferroviário foi incluído no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). Com isso, o governo federal ajudará o estado a elaborar o projeto técnico de privatização.
Atualmente, a Ferroeste aguarda a conclusão de uma série de estudos do consórcio espanhol contratado para uma avaliação de negócio. Em novembro, o grupo de trabalho entregará o estudo de demanda de carga. De acordo com o diretor-presidente da companhia, está sob análise todo o possível trajeto da nova Ferroeste (uma extensão de 1.370 quilômetros) e o potencial da demanda – toda a produção agrícola e industrial que pode ser escoada – desse traçado. O estudo do percurso propriamente dito será entregue em dezembro.
Em 2021, mais dois estudos serão entregues até que, no segundo semestre, governo estadual e federal iniciarão as etapas finais: estudos de impacto ambiental e modelagem de concessão A expectativa é realizar a oferta até o fim de 2021.
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