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História de adolescente venezuelano mostra como o Paraná acolhe seus novos imigrantes
| Foto: Divulgação / Acervo pessoal

Quando o venezuelano Aaron Gonzalez chegou à Curitiba, em 2017, as únicas referências que tinha da cidade eram algumas informações de uma amiga da família, que já havia migrado para a capital paranaense. Então, com 15 anos, o jovem teve de fugir sozinho de Caracas para escapar das perseguições impostas pelo governo venezuelano após uma série de manifestações naquele país. “A situação social e política estava muito ruim. Estavam prendendo todo mundo. Mesmo quem não participava dos protestos, como eu”, lembra o rapaz, que chegou a testemunhar a prisão de um vizinho. “Eu tinha muito medo e compartilhei com os meus pais a vontade de ir embora”.

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As dificuldades de adaptação por estar numa cidade estranha e sem a família só foram amenizadas com a chegada da mãe, pouco tempo depois, e o auxílio encontrado no Centro de Referência da Assistência Social (Cras) Matriz de Curitiba, uma unidade de apoio que presta assistência às famílias em situação de vulnerabilidade social, incluindo imigrantes.

No local, Aaron e a família, recomposta com a chegada do pai e da irmã no ano seguinte, tiveram acesso a informações importantes que contribuíram para a preparação dos documentos de regularização, encaminhamento para matrícula em um curso de português e até mesmo uma formação profissionalizante de mecânico de aeronaves, oferecida pelo Liceu de Ofícios em parceria com o Aeroclube do Paraná. Atualmente com 18 anos, o rapaz não pensa em se mudar da cidade num curto prazo e também não tem esperanças de que a situação em seu país de origem vá se revolver em breve. “Gosto daqui. Pretendo ficar o tempo que for necessário”, conta. O pai, então engenheiro de telecomunicações na Venezuela, e a mãe, também já se adaptaram e estão empregados.

Segundo o último Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), levantamento realizado pelo Ministério da Justiça em 2019, o Brasil recebeu, de 2010 a 2018, um total de 774,2 mil imigrantes e refugiados. Haitianos e venezuelanos são as principais nacionalidades registradas no país.

Como muitos deles abandonam às pressas seus países de origem, seja por razões políticas, econômicas ou climáticas, muitos não possuem passaportes. No entanto, para morar e trabalhar regularmente no Brasil, o refugiado não precisa obrigatoriamente deste documento. O Protocolo Provisório ou o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) é um comprovante de identidade suficiente e todos os órgãos públicos e empresas estão obrigados, por lei, a aceitá-lo como documento de identificação do refugiado no Brasil. Por meio dele é possível providenciar outros registros como Carteira de Trabalho e CPF.

Direitos assegurados

De acordo com a Claudia Estorilio, da Superintendência de Gestão da Fundação de Ação Social de Curitiba, os imigrantes que chegam à cidade têm acesso a todos os direitos e benefícios que um cidadão do Brasil. Muitos desses estrangeiros que chegam sem um local para morar são acolhidos temporariamente em uma das unidades da FAS.

Atualmente o número de estrangeiros atendidos chega a 4.830 em Curitiba, sendo a grande maioria de haitianos, venezuelanos e cubanos. Nos últimos anos houve também um aumento significativo de argentinos que migraram para a cidade.

Genesis Centero, imigrante venezuelana atendida pelo Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Paraná (CEIM)
Genesis Centero, imigrante venezuelana atendida pelo Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Paraná (CEIM)| Edu Aguiar / Sejuf

Para dar assistência a esses grupos, recentemente foram abertas duas centrais de cadastro único na Praça Rui Barbosa e na Rua da Cidadania do Pinheirinho que atendem brasileiros e imigrantes em busca de informações para acesso aos benefícios sociais oferecidos pelo poder público, assim como iniciar a entrada em documentações de regularização no país.

Em Curitiba, a prefeitura oferece também cursos de capacitação profissional e encaminhamento para vagas de emprego abertas por empresas locais. “Os imigrantes são incluídos nesses cursos para se capacitarem profissionalmente e são encaminhados para trabalho em várias empresas da capital”, reforça a supervisora.

Diferente do que muitos pensam, não são apenas imigrantes oriundos de países economicamente instáveis ou que se encontram em situação de conflito que buscam o serviço público de assistência. Desde o ano passado já passaram pela FAS imigrantes da Alemanha, Canadá, Austrália, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Japão e até do Vaticano. “Essas pessoas são atendidas independente da nacionalidade, como se fossem cidadãos brasileiros”, explica a superintendente. Eles também têm acesso a toda rede pública de serviços, como posto de saúde, escolas públicas, culturais, dentre outros.

A FAS oferece também um auxílio logístico para quem pretende regressar para casa. Por meio da Casa da Acolhida e do Regresso, os estrangeiros recebem um apoio para retornar aos seus países de origem. Eles são encaminhados para as embaixadas de seus respectivos países dentro do território nacional, mesmo aquelas localizadas em outros estados, que então ficam responsáveis pela repatriação.

Jovem imigrante haitiana Clerna Prince, de 28 anos
Jovem imigrante haitiana Clerna Prince, de 28 anos| Divulgação

O governo estadual também possui um grupo específico para apoio aos imigrantes que chegam ao Paraná. Por meio da coordenação de políticas públicas para imigrantes, que é coordenada pela Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho, são organizadas ações pontuais e permanentes na prestação de serviços aos estrangeiros. “O maior serviço que se pode prestar a um imigrante é a informação” afirma João Guilherme de Mello Simão, coordenador da Política para Migrantes e Refugiados da Secretaria de Justiça, Família e Trabalho.

De acordo com a legislação brasileira e com a constituição, todo imigrante que ingressa em nosso território nacional tem os mesmos direitos e deveres dos brasileiros, mas a grande maioria não sabe disso. “Eles podem ter acesso a inúmeros serviços iguais aos brasileiros. O detalhe é que eles não sabem”, diz. Dentro dessa articulação o grupo trabalha junto ao próprio funcionalismo público para que ele entenda que os migrantes têm acesso também a esses direitos e deveres e como tratá-los da melhor forma possível.

Apoio ao recomeço

Um dos locais de apoio mais procurados pelos estrangeiros que chegam a Curitiba é o Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Paraná - CEIM - Rua Desembargador Westephalen, nº15, 13º andar. Nesse espaço os estrangeiros contam com inúmeros serviços de informação, começando com as orientações necessárias para regularizar sua situação migratória no país. Por lá também é possível ter acesso a uma unidade descentralizada da Agência do Trabalhador, que realiza o cadastramento dos imigrantes que já estejam legalizados no país e buscam oportunidade de emprego. “Fazemos um serviço especial naquele local para que os imigrantes se sintam bem e tenham acesso a informação na língua deles”, explica Simão. Além disso, também são repassadas orientações para quem pretende iniciar, continuar, ou revalidar o diploma conquistado no país de origem. No ano passado foram realizados 7.655 atendimentos.

Imigrantes e refugiados encontram orientação e apoio em unidade da FAS, em julho de 2019
Imigrantes e refugiados encontram orientação e apoio em unidade da FAS, em julho de 2019| Ricardo Marajó / FAS

Outra frente importante de trabalho é a criação do Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas, conhecido como (CERMA). O grupo é formado por representantes dos órgãos públicos e entidades da sociedade civil organizada para discutir a implementação e fiscalização de políticas públicas de apoio aos imigrantes no estado. “Nesse conselho fazemos um amplo debate e discussões de como é possível melhorar esses serviços de orientação prestados e também receber qualquer espécie de denúncia contra crimes realizados contra os imigrantes”, afirma o coordenador.

A estimativa é de que o Paraná tenha aproximadamente 300 mil imigrantes em seu território, e os maiores grupos, atualmente, são de haitianos e venezuelanos. Aproximadamente 35 mil deles recebem algum benefício social.

A acolhida a esses grupos torna a convivência e a adaptação ao Brasil menos hostil, se comparado a regiões com um histórico massivo de fluxo imigratório. Aqui não há uma política de repressão aos imigrantes ilegais, como acontece na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo. “O nosso país possui um período mínimo considerado favorável para que a pessoa busque se regularizar. Um tempo razoável para que ela possa chegar e se reestabelecer sem ser reprimida”, diz Simão.

Pandemia e informalidade

Na atual situação de emergência em razão da pandemia da Covid-19, o Paraná tem realizado uma consulta com sua rede de apoio aos imigrantes para verificar quais são as famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social. João Guilherme lembra que em uma situação de crise como a que estamos vivendo atualmente, os imigrantes são um dos primeiros grupos a sentir o impacto. Numa situação econômica instável, a tendência dos empregadores é dispensar primeiramente os trabalhadores estrangeiros. “Infelizmente os imigrantes são empurrados para a informalidade ou para o desemprego. A Secretaria de Estado da Justiça está organizando todos esses auxílios que estão sendo prestados para a população paranaense e trabalhando para que eles também cheguem aos imigrantes. Muitos não recebem porque não tem o conhecimento e a informação sobre esses direitos”, diz.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) apresentados no ano passado, dos 3.876 municípios com presença de imigrantes no país, apenas 215 oferecem algum serviço de gestão migratória, o que representa 5,5% desse total. Quando se consideram todos os 5.570 municípios do país, inclusive aqueles sem registro de imigrantes, esse número aumenta para 232, mas a proporção diminui para 4,1%.

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