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O ex-governador do Paraná, Haroldo Leon Peres
O ex-governador do Paraná, Haroldo Leon Peres| Foto: Acervo Pessoal / Jair Elias dos Santos Junior

O nome de Haroldo Leon Peres passou para a história paranaense como o do primeiro “governador biônico” – nome dado aos governantes “eleitos” sem voto popular no período do governo militar – do estado. Mas, mesmo tendo sido escolhido de forma direta pelo então presidente do Brasil, Emílio Garrastazu Médici, Peres ficou pouco tempo à frente do governo do estado. Empossado em 15 de março de 1971, acabou renunciando em 23 de novembro do mesmo ano após denúncias de corrupção, algo inédito até então.

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E é justamente sobre os fatos que culminaram na renúncia de Peres que o jornalista Jean Luiz Féder e o historiador Jair Elias dos Santos Junior jogam luz no livro “1971 – Conspiração, Conflitos e Corrupção: a queda de Haroldo Leon Peres”. A obra quebra algumas das narrativas tidas como verdadeiras, como a de que o estopim para a saída de Peres do governo foi uma gravação feita por um empresário na qual o governador foi flagrado pedindo propina para liberar a construção da Ferrovia Central do Paraná, entre Apucarana e Ponta Grossa.

Em entrevistas por telefone à Gazeta do Povo, Féder e Santos Junior são enfáticos ao afirmarem que nunca houve um pedido direto de propina por parte do então governador, e que tal flagrante nunca existiu, uma vez que o encontro de Peres e do empresário Cecílio do Rego Almeida, presente na maioria dos registros históricos sobre o período, não foi gravado. Mas, segundo os autores do livro, Peres sabia, sim, da negociação, feita pelo seu irmão, Murillo Leon Peres, e pelo seu chefe de gabinete, Jerônimo Thomé da Silva.

“O que temos realmente é que ele pessoalmente não pediu propina. Mas analisando todos os documentos, vemos toda uma movimentação por parte de intermediários e é impossível afirmar que ele não sabia da propina. Nós descrevemos uma conversa que ele teve com o Cecílio no palácio que dá toda a indicação de que ele sabia. Lembra muito aquela situação que havia há alguns anos, de o pessoal da Receita Federal acompanhar as colunas sociais e ver lá notícia de que alguém tinha comprado um barco, por exemplo. Os agentes iam atrás e acabavam pegando essa pessoa por sonegação fiscal e rendimentos ilícitos. Foi mais ou menos assim com o Haroldo”, descreve Féder.

Governo conturbado irritou militares

A breve passagem de Peres à frente do Palácio Iguaçu tem início ainda em 1969, quando Peres foi incumbido de percorrer os estados e formar listas de potenciais candidatos da Arena, partido alinhado aos militares no poder, aos governos dos estados. Sob indicação de Médici, o próprio nome de Peres deveria figurar na lista. Deputado de pouca expressão política, ele teria sido alçado ao posto político mais importante do Paraná por outros fatores além de sua atuação na Câmara, em Brasília.

“Uma das histórias que se conta da época é que o Médici morava em um apartamento funcional no mesmo prédio do Haroldo em Brasília. E a esposa do Haroldo jogava baralho com a esposa do Médici. Esse teria sido o currículo, o fator decisivo para a indicação dele ao governo”, revelou Féder. “O Haroldo defendia a ‘revolução’ na Câmara dos Deputados, mas não era um deputado com muita expressão política. Tanto que na hora que o presidente foi comunicar ao Paulo Pimentel quem seria o sucessor ele errou o nome do Haroldo. Ele falou em ‘Leopoldo Peres’, que era um deputado do estado do Amazonas”, complementou.

Empossado, Peres começou a colecionar brigas tanto com o Tribunal de Justiça do Paraná, ao tentar manter reformas na constituição do estado que já haviam sido anuladas pelo judiciário, e com desafetos políticos, como o empresário Paulo Pimentel, então o último governador eleito pelo voto popular e antecessor de Peres no Palácio Iguaçu. “O conflito aberto [entre Peres e Pimentel] estourou durante a campanha eleitoral no ano passado e atingiu um ponto alto em abril deste ano, quando Peres autorizou a polícia a entrar em uma estação de TV de Pimentel e apreender os scripts de uma transmissão que o atacava”, conta o livro.

“Frente aos militares, isso foi uma mancha. O Médici, durante um encontro com o secretário de Agricultura do Paraná, chegou a advertir o Peres para que essas brigas parassem. A ‘revolução’ não queria esse clima de briga, de suspeição nos estados. Isso foi gerando um desconforto que culminou com a saída do Haroldo. A questão da propina foi só a gota d’água. Ali, o governo dele já estava praticamente acabado”, afirma Santos Junior.

“Operação Erva Mate” investigou pedido de propina milionária

Os documentos que embasam a análise do historiador foram obtidos junto ao Arquivo Nacional, e fazem parte de dossiês montados pelo Serviço Nacional de Informação, órgão oficial de espionagem do governo militar, durante a chamada “Operação Erva Mate”. A operação foi criada quando os agentes foram acionados pelo empresário Cecílio do Rego Almeida. Ele tinha sido alvo de pedidos de propina feitos pelo irmão e pelo chefe de gabinete de Peres. Para Féder, a atitude de Murillo, irmão do governador e titular do Escritório de Representação do Paraná na Guanabara, irritou o empresário.

“Um trecho dos documentos do SNI fala que os agentes estranharam o fato de o Cecílio não ter aceitado o pedido de propina do Haroldo. Mas é porque ele achou o valor da propina, um milhão de dólares [cerca de R$ 37 milhões em valores atuais, corrigidos pela inflação], muito alto. ‘Vocês estão loucos, não tem como pagar isso para vocês’, ele teria dito ao irmão e ao chefe de gabinete do Haroldo, que efetivamente fizeram o pedido da propina”, contou o jornalista.

Depois da segunda investida, feita pelo chefe de gabinete, o empresário procurou o SNI para relatar o ocorrido. Os agentes, segundo os autores, teriam oferecido uma espécie de “apoio” a Cecílio, desde que a denúncia fosse formalizada por escrito. O pedido foi atendido, e o governador passou a ser acompanhado de perto pelos investigadores do governo federal. O fatídico encontro de Peres e Cecílio, nas areias da praia de Copacabana, não foi gravado nem em áudio nem em vídeo, mas sim descrito por um dos agentes do SNI, que na época acompanhou o fato de perto, disfarçado.

“É um período em que precisa ser jogada muita luz. É um período muito conturbado, muitas pessoas que participaram do governo certamente não souberam, nem mesmo na época, o que aconteceu. Boa parte desses dossiês estão publicados no livro, desses documentos que foram liberados pelo Arquivo Nacional. Não foi o Cecílio que derrubou o Haroldo, os militares é que já estavam sem paciência com ele. A corrupção, da forma como foi explicitada, era uma novidade, tanto para o governo quanto para a população. E em boa parte isso aconteceu por culpa do próprio Haroldo”, concluiu Santos Junior.

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