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Entrevista coletiva do MP sobre a denúncia contra Jorge Guaranho.
Entrevista coletiva do MP sobre a denúncia contra Jorge Guaranho.| Foto: Reprodução/Youtube

O Ministério Público do Paraná em Foz do Iguaçu ofereceu, nesta quarta-feira (20), denúncia contra Jorge Guaranho, o agente penal federal que matou o tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu Marcelo Arruda, no último dia 9 de julho. Diferente do relatório do inquérito policial, concluído pela Polícia Civil na semana passada, o entendimento dos promotores é que o homicídio foi cometido por motivo fútil, e não torpe.

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“O entendimento que se tem sobre o que está no Código Penal é que a motivação torpe prevê algum tipo de vantagem financeira, paga ou recompensa. Nosso entendimento é que o crime repugnante tem que ter, de alguma forma, essa vantagem. Já o motivo fútil é aquele flagrantemente desproporcional. A doutrina trata essa motivação como insignificante, no sentido de ser banal. Nós entendemos que em razão do antagonismo em relação à preferência político-partidária entre as partes, o crime foi cometido por motivo fútil”, apontou o promotor Tiago Lisboa Mendonça.

Denúncia foi oferecida mesmo com a ausência de laudos da investigação

A denúncia foi oferecida mesmo com a ausência de cinco laudos, que ainda precisam ser concluídos pela Polícia Civil, para evitar o que os promotores chamaram “fatos graves”, entre eles a possibilidade de revogação da ordem de prisão de Guaranho, que após ter tido alta da UTI segue internado em um hospital de Foz do Iguaçu.

A avaliação foi feita por Mendonça durante uma entrevista coletiva concedida na tarde desta quarta-feira (20). Na oportunidade, ele classificou tais laudos – exame de confronto balístico, análise de gravador de vídeo do sistema das câmeras de segurança, exame de extração de análise do celular de Jorge Guaranho, análise do veículo do agente penitenciário e exame do local de morte – como “importantíssimos, porém não imprescindíveis para a oferta da denúncia”. De acordo com o promotor, o Instituto de Criminalística do Paraná foi oficiado pela promotoria para concluir esses laudos em um prazo de dez dias.

“Nossa preocupação é com a espera demasiada por laudos complexos, que demandam tempo para serem confeccionados, porque consideramos que esses laudos não são por ora imprescindíveis para a oferta da denúncia. O Ministério Público entendeu, nesse juízo de análise que foi feito em cinco dias, que os laudos, apesar de importantíssimos e fundamentais, não são imprescindíveis ao oferecimento. O não oferecimento poderia gerar um fato grave que seria a soltura do réu ou mesmo a configuração de um constrangimento ilegal por parte das autoridades”, afirmou.

Mendonça confirmou que o Ministério Público pode fazer o chamado "aditamento da denúncia" caso a conclusão dos laudos pendentes traga fatos novos e relevantes à ação penal. "Com a chegada dessas informações pendentes, vamos revisar todo o material e podemos, por prerrogativa, fazer o aditamento. Se for constatado a partir dos laudos pendentes que será necessário refazer a denúncia para incluir uma circunstância fática ou terceiras pessoas na ação criminosa na qualidade de coautor ou partícipe, o MP pode e deverá fazê-lo", pontuou.

Promotores também divergiram do inquérito em outro ponto na denúncia

O promotor Luis Marcelo Mafra Bernardes da Silva apresentou detalhes da denúncia, mostrando a cronologia dos fatos ocorridos desde o momento em que Guaranho ficou sabendo da festa de Arruda até a troca de tiros na sede da Associação Recreativa Esportiva Segurança Física de Itaipu (Aresf). Segundo ele, o fato de a discussão ter se iniciado por uma "divergência político-partidária" explica a classificação do homicídio cometido por motivo fútil. Já a ação de Guaranho de disparar contra Arruda em um local onde havia outras pessoas justifica a adoção do risco a terceiros como segunda qualificadora do crime.

Esse momento em que o agente penitenciário retorna ao salão e atira contra o tesoureiro do PT marca um segundo ponto de divergência entre a denúncia e o inquérito. Para o Ministério Público, a razão do conflito entre Guaranho e Arruda se manteve a mesma, ao contrário do que apontou a investigação da Polícia Civil.

“Segundo o relatório, quando Guaranho retorna ao local dos fatos, ele teria se sentido humilhado em razão do acirramento da discussão. Nós entendemos, e a denúncia é clara nesse sentido, que esse retorno se deu em razão do mesmo motivo fútil que integra toda a conduta do agente. Não há como desmembrar em dois momentos, no primeiro por motivo fútil e no segundo por humilhação”, explicou Mendonça.

Silva reforçou a decisão tomada pelo Ministério Público: "uma das testemunhas que realizava uma ronda próxma ao local disse que no momento em que Guaranho retornava à sede da Aresf ele disse 'aqui é Bolsonaro'. Isso nos garante, enfim, que houve essa ligação entre o primeiro e o segundo momento. Não houve quebra, cisão, em relação à intima motivação dele para o cometimento do crime".

Promotores explicaram que não há crime de ódio por motivação política na legislação brasileira

Os promotores explicaram que não há na legislação brasileira a tipificação de crime de ódio por motivação política - a proteção legal é expressa contra a discriminação por raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. "Alguns autores", disse Mendonça, "tentam enquadrar grupo político como etnia, para se ampliar o conceito legal. Só que o entendimento que existe no Direito Penal é que não se pode fazer uma analogia para se acusar alguém".

Não há, também de acordo com o promotor, como enquadrar a conduta de Guaranho às figuras típicas descritas na lei de crimes contra o Estado Democrático de Direito. Mesmo assim, aponta Mendonça, "essa questão deve ser repreendida quando da análise das circunstâncias judiciais".

"A despeito da ausência de um crime específico de ódio, de preconceito em relação à manifestação política, isso não quer dizer que essa questão tenha que ficar em um limbo, ou que o judiciário não vá poder reconhecer essa conduta de ódio em relação à postura político partidária de seu adversário. Essa conduta, imputada na denúncia ao Jorge Guaranho, pode e deve ser repreendida. Nós optamos por qualificar o homicídio praticado por Guaranho por motivo fútil decorrente, por óbvio, dessa divergência no campo político partidário. Mas essa questão deve ser reanalisada pelo Juízo", comentou.

Para MP, caso deve servir como "freio de arrumação"

O promotor Luis Marcelo Mafra Bernardes da Silva classificou o caso como emblemático, e disse "torcer ardentemente" para que a morte do tesoureiro do PT sirva como um "freio de arrumação".

"Esperamos que esse caso emblemático do Marcelo Arruda sirva de freio de arrumação para essa escalada da violência que o nosso país tem vivenciado no espectro político-partidário. Nó precisamos parar com isso. Esperamos que esse seja o ponto terminal de tudo isso, por que, enquanto Ministério Público, não toleraremos práticas nessa natureza", afirmou.

Para ele, “a denúncia está lastreada de maneira bastante detalhada em elementos de convicção bastante meticulosos que foram carreados aos autos pela investigação. Esse conjunto de indícios possibilitou ao MP o oferecimento da denúncia, e a partir daqui nós estamos deflagrando a percepção penal, e para isso o denunciado será citado para apresentar sua defesa. Teremos a inquirição das testemunhas já ouvidas pela polícia, e esperamos desde já a pronúncia do denunciado a fim de que ele seja submetido a julgamento pelo tribunal do júri dessa comarca pelo crime de homicídio duplamente qualificado”.

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