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Alimentos - frutas, legumes e verduras
Boa alimentação é fundamental para a saúde. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo| Foto:

Uma em cada cinco mortes em todo o mundo é causada pela má alimentação. Assustadora, a estatística consta de um estudo publicado recentemente pela revista científica The Lancet, que analisou os hábitos alimentares das populações de 195 países. De acordo com a pesquisa, anualmente 11 milhões de pessoas morrem em decorrência de doenças causadas por dietas consideradas de baixa qualidade. Isso significa uma alimentação em que há excesso de sal, açúcar e alimentos processados, em detrimento de frutas, legumes, verduras e grãos.

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No Brasil não é diferente. Levantamento realizado em 2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que os hábitos alimentares de 90% da população estão fora dos padrões recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os responsáveis por isso são principalmente alimentos calóricos e de baixo teor nutritivo presentes na nossa dieta.

Mas desde 2006 existe um esforço do poder público para tentar mudar esse quadro. Naquele ano foi instituído o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), uma cadeia que possibilita a articulação entre os três níveis de governo – federal, estadual e municipal – para implantar políticas voltadas para a alimentação saudável.

Como parte desse processo está a elaboração de planos municipais e estaduais de segurança alimentar, que nada mais são do que um conjunto de diretrizes e ações definidas pelo poder público e sociedade civil para um período de quatro anos. Como os planos atuais se encerram ao final de 2019, já começaram os trabalhos para elaboração dos próximos, voltados para o período 2020-2023.

Em Curitiba, o grupo intersetorial formado por representantes de diferentes secretarias municipais já começou a trabalhar na elaboração do novo plano. Segundo Luiz Antônio Bitencourt, diretor de Segurança Alimentar da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento, será adotada uma sistemática diferente da usada para elaborar o plano atual. “Esse primeiro plano foi mais um apanhado de ações institucionais relacionadas à segurança alimentar. Agora teremos uma nova abordagem, mais participativa”, afirma.

Para isso, serão realizadas até o fim de julho diversas reuniões para consulta pública, nas quais serão ouvidos representantes da sociedade civil organizada sobre as demandas relacionadas à alimentação. “Temos diagnósticos com boas informações, mas que nem sempre traduzem a realidade. Às vezes a sociedade quer algo diferente. Quando há uma participação mais ampla torna-se um plano mais perene, independentemente de mudar a gestão, existirá um norte para ser seguido”, ressalta Bitencourt.

Como parte do plano em vigor, alguns programas desenvolvidos pelo município vêm procurando incentivar alimentação com qualidade e sustentabilidade. É o caso do incentivo às hortas urbanas e o programa Horta do Chef, através do qual produtores vendem parte da colheita orgânica a restaurantes renomados. As feiras urbanas, sacolões e Armazéns da Família, que vendem produtos a preços mais acessíveis, também estão nessa leva.

Da produção aos resíduos

Em âmbito estadual, a Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional está marcada para os dias 5 e 6 de agosto. Além de avaliar o plano vigente, composto por 10 desafios, 92 metas e 231 ações, o encontro com representantes dos municípios paranaenses também visa fazer propostas e ajustes para elaboração do próximo plano, que entra em vigor no ano que vem.

Segundo a diretora do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional (Desan) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Márcia Stolarski, grande parte do que estava previsto no plano atual foi cumprido, mas ainda há ações que precisam ser aprimoradas. “Quando se fala em segurança alimentar, muita gente faz vinculação apenas com a higiene dos alimentos. Claro que isso faz parte, mas é um processo bem mais amplo, que vai desde a produção em condições adequadas, usando técnicas de preservação do solo e da água por métodos mais sustentáveis, até a destinação de resíduos após o consumo”, enfatiza.

De acordo com Márcia, dez secretarias estaduais estão envolvidas no debate, que inclui questões como a qualidade da alimentação servida em escolas e no sistema penitenciário, o monitoramento do uso de agrotóxicos nas lavouras e a redução no desperdício de produtos nas Centrais de Abastecimento (Ceasa). Com aporte de R$ 1 milhão do governo federal, a Secretaria de Agricultura está desenvolvendo um projeto para, em dois anos, reduzir em 50% o desperdício de alimentos no estado. “Para isso serve o plano, para mostrar onde estão os principais gargalos e fazer com que tenhamos cada vez mais alimentação com qualidade e sustentabilidade”, frisa.

A inclusão da agricultura familiar nesse processo é outro foco das discussões. “Estamos com uma forte parceria, participando dos conselhos, discutindo a regulamentação da produção orgânica, e vemos nisso uma oportunidade cada vez maior de colocar comida de fato na mesa do nosso consumidor, seja na alimentação escolar ou no dia a dia de todos os paranaenses. Produzir alimentos é produzir vida”, diz o presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), Ivori Fernandes.

Medida controversa

Enquanto municípios e estados seguem no trabalho de discussão e elaboração de seus planos de segurança alimentar, uma medida adotada pelo governo federal no início do ano provocou reações no setor. Através de uma medida provisória, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) retirou do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) a atribuição de propor ao governo federal as “diretrizes e prioridades” da política e do plano nacional de segurança alimentar. Na prática, o conselho, formado por representantes da sociedade civil organizada, deixou de existir, e suas atribuições foram transferidas ao Ministério da Cidadania.

Para Jean Pierre Tertuliano Câmara, que em 2017 assumiu a coordenação da Comissão de Presidentes de Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional, a medida foi prejudicial porque tirou a representação popular das discussões sobre o tema. “Quem sofre diretamente com isso é a população, a quem vai ser imposto um sistema baseado em ações como o uso de agrotóxicos e a agricultura não sustentável”, diz.

Para tentar reverter a decisão, entidades estão organizando uma petição e reivindicando junto a deputados e senadores que atuem nesse sentido. Jean Pierre lembra que a mudança não afeta a elaboração dos planos em estados e municípios, que têm seus marcos jurídicos próprios. Em razão disso, ele sustenta que a participação popular é fundamental nesse processo. “Através dos planos os governos conseguem mapear áreas de vulnerabilidade social e, a partir disso, traçar estratégias para a melhoria na qualidade da alimentação. É a ferramenta para o gestor público visualizar os processos e a sociedade civil fazer o monitoramento.”

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