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O secretário nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura, Marcello da Costa Vieira.
O secretário nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura, Marcello da Costa Vieira.| Foto: Divulgação/Ricardo Botelho

Um dos temas mais importantes para o desenvolvimento do Paraná será “desenrolado” nos próximos meses. É que está em construção a modelagem que vai dar forma as novas concessões de rodovias, a serem licitadas em 2021. O trabalho está sob a gestão do governo federal, acompanhado de perto pela administração estadual. Uma estatal da União, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), está elaborando o projeto, auxiliado por um órgão do Banco Mundial, a International Finance Corporation (IFC).

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Algumas propostas já foram reveladas: seriam oito lotes, somando 3,8 mil quilômetros, 1,3 mil a mais do que hoje existe no chamado Anel de Integração a partir da inclusão de várias rodovias estaduais que hoje não são pedagiadas, com 2,4 mil quilômetros de duplicações e a promessa de tarifas menores do que as atualmente praticadas, embora os valores ainda não estejam definidos. Mas tudo ainda será reavaliado pelo Ministério da Infraestrutura e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) antes de ir a consulta popular, em audiências públicas.

Para entender quais diretrizes norteiam o projeto, a Gazeta do Povo entrevistou Marcello da Costa Vieira, que é secretário nacional de Transportes Terrestres do Ministério de Infraestrutura desde novembro de 2019. Ele é especialista em Gerenciamento de Projetos, doutor em Transportes com ênfase em Logística pela Universidade de Brasília (UnB) e está coordenando as expectativas federais.

Paraná representa 25% das rodovias a serem licitadas pelo governo federal

Costa Vieira faz questão de destacar que o pacote de concessões em território paranaense não é apenas mais um dentro do Ministério. “Temos 16 mil quilômetros em estudo para licitações e o Paraná representa um quarto disso”, explica. Ele salienta que, como o governo federal não dispõe de recursos para fazer os investimentos necessários na infraestrutura rodoviária, o que seria uma obrigação, a saída preferencial é a cessão para a iniciativa privada.

O secretário também diz que algumas características tornam único o projeto Paraná. Será a primeira vez que o governo federal licitará uma grande quantidade de rodovias concentradas dentro de um estado, interligadas, formando corredores. “Isso, somado com a relação muito afinada como governo estadual, faz com que essa seja uma concessão-modelo, que poderemos tentar replicar em outros lugares”, afirma.

Para estudar as necessidades e estabelecer as premissas, foi composto um grupo de trabalho que tem como mote "aprender com falhas cometidas no passado". “Errar é humano, mas temos uma dívida com a população. Precisamos apresentar algo completamente novo, sair com uma redução significativa de tarifa, mas sem encolher a quantidade de obras”, diz. A partir dessas premissas o projeto começou a ser desenhado.

Modelo híbrido deve prevalecer sobre o de menor preço

EPL e IFC receberam a missão de, entre outros aspectos, estudar os modelos de licitação, partindo dos três previstos na legislação: menor preço (espécie de leilão invertido, em que leva quem topar a menor tarifa), maior outorga (quando a concorrência é vencida pela empresa, habilitada, que apresentar o maior valor a ser depositado diretamente para o governo) e a versão híbrida, em que se estabelece qual o menor desconto pode ser dado na tarifa e a, partir daí, a licitação é decidida por maior outorga.

No Paraná não faltam defensores para o modelo de menor preço. Casos próximos sedimentaram a impressão de que esta é a saída mais vantajosa. Em 2007, quando três trechos rodoviários que cortam o estado foram licitados por menor tarifa, com um substancial desconto, o custo para o usuário ficou muito menor do que os demais praticados no Paraná. Em fevereiro, um pedaço da BR-101 em Santa Catarina também foi concedido, por menor tarifa, com deságio significativo (62%), o que novamente reacendeu a discussão.

Mas o governo federal não parece disposto a abrir mão do modelo híbrido. Costa Vieira afirma que o menor preço aparenta ser mais vantajoso, no primeiro momento, mas pode comprometer o contrato ao longo do tempo. Ele cita casos recentes, da chamada terceira etapa de concessões federais, em que uma empresa devolveu as rodovias e as demais estão com obras atrasadas, inviabilizadas, por terem dado um desconto muito grande e não terem conseguido se capitalizar, também motivadas por outros fatores. “O menor preço é uma aposta, feita pela vencedora, de que as condições vão melhorar”, explica.

Tecnicamente, quando uma tarifa suficiente para custear as despesas é colocada numa planilha, o fluxo de caixa fica garantido, sem grandes surpresas na execução do contrato. Para o secretário, com tantas obras previstas no Paraná, essa segurança teria mais valor. Ele ainda salienta que, se as contas forem bem-feitas, o valor proposto da tarifa já chegará à licitação “sem gorduras” a serem queimadas. Então, calcula que nem seria possível um deságio muito alto.

Costa Vieira ainda afirma que o valor de outorga, em tese, não entra no preço da tarifa, que é calculada em uma planilha com base em parâmetros pré-estabelecidos e índices. A outorga é como se fosse um ingresso, que depois precisará ser compensado com a rentabilidade do negócio. Ele ainda garante que “não é interesse do governo federal ganhar dinheiro com outorga”. Seria uma garantia a mais, já que há um desembolso pela empresa no dia seguinte à licitação. “Ou seja, ela se descapitaliza, ela precisa pensar mais”, diz, destacando que, para a concorrente, seria um risco monetizado pela outorga: “A gente está comprando essa briga. A solução mais fácil seria arriscar de novo”.

O secretário inclusive acredita que os valores a serem pagos de outorgas serão baixos, considerando que já haverá o desconto dado na tarifa. Sobre a possibilidade de devolver o dinheiro para o Paraná, mesmo que por meio de obras, Costa Vieira diz que não há previsão legal para isso e que é importante considerar que o governo estadual passará se ser desobrigado de investir (em obras e manutenção) em centenas de quilômetros de PRs e que, com esse recurso disponível, será possível destinar esforços em outros lugares e áreas. “Vai ser possível focar no resto da malha, lembrando que as concessões ainda gerarão empregos, rendas e tributos”, enfatiza.

Projeto prevê inovações nas estradas paranaenses

Costa Vieira afirma que a EPL e o IFC foram orientados a incluir inovações, tanto no modelo de gestão como nos serviços a serem prestados pelas concessionárias. Uma das mais importantes seria a adoção do método iRap, sistema internacional de classificação de segurança das rodovias. Os trechos passariam a ser periodicamente avaliados e, caso as condições da pista não estejam dentro dos padrões fixados, a empresa poderia ser punida. Ele acrescenta que todas as rodovias devem ser iluminadas com lâmpadas led, o que também traria mais segurança.

Um ranking de performance deve ser instituído para avaliar o desempenho das concessionárias no quesito gestão, estabelecendo “descontos” para aquelas que forem menos econômicas. O ministério também pretende exigir que apenas empresas acreditadas sejam contratadas para a elaboração de projetos executivos de obras, como forma de garantir mais agilidade e qualidade nos serviços prestados. Os contratos deverão ser reavaliados a cada cinco anos, com a possibilidade de se retirar ou adicionar obras pontuais.

Como forma de proteção para quem entrar na empreitada, os contratos devem ter um mecanismo de controle cambial. Assim, parte do valor arrecadado com as tarifas será reservada para compensar eventuais variações cambiais drásticas. Caso o dinheiro não seja aplicado nisso, o recurso pode ser destinado para obras. As rodovias do Paraná também deverão adotar o sistema de free flow, portais que cobram uma tarifa proporcional à quilometragem percorrida. Como os trechos têm muitas opções de escapes (entradas e saídas), a possibilidade é que a tecnologia seja usada em apenas alguns pontos. “O ideal seria usar mais, porque o sistema promove a justiça tarifária”, diz o secretário. Também estão em estudo a utilização mais inteligente da faixa de domínio e a instalação de wi-fi em todo o trecho.

Estado queria incluir trechos de rodovias que ficaram de fora do projeto

O governo do Paraná queria ceder mais rodovias estaduais para a União. E havia a expectativa de que o pacote de concessões ficasse com, no mínimo, 4,1 mil quilômetros. Mas acabou com 3,8 mil. Alguns trechos não foram considerados viáveis. Foi o caso da PR-466, na região central do estado. Mas também algumas BRs ficaram de fora, como a Estrada da Ribeira, na ligação entre Curitiba e Adrianópolis, na divisa com São Paulo.

“Os trechos que saíram pesavam demais nos lotes, pois tinham baixo fluxo, com grande necessidade de obras”, diz Costa Vieira. O secretário ainda destacou que, dentro dos estudos, tão ou mais importante que o valor diário médio (VDM) são as projeções de crescimento da região em uma determinada área de influência. Ele afirma que as decisões foram tomadas em conjunto, com o governo estadual.

Já a exclusão no pacote da chamada Rodovia do Frango nada tem a ver com baixo fluxo. O trecho no extremo sul do estado está em avaliação para ser pedagiado há bastante tempo (o processo de concessão chegou a ser anunciado, mas o governo federal decidiu retroceder). Atualmente, a rodovia está em estudo por uma empresa, por meio de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), passando por ajustes no projeto. Caso a proposta em parceria com a iniciativa privada não avance, o corredor entre Chapecó (SC) e a região portuária será alvo de uma licitação em separado.

Tarifa pode chegar a metade da cobrada hoje em alguns trechos

Costa Vieira não partilha do mesmo otimismo de quem acha que os valores praticados pelo novo modelo serão a metade dos cobrados hoje, como o governo estadual chegou a declarar. Ele avalia que, em alguns lotes, será possível chegar a 50%, a partir da combinação de fatores: valor menor apresentado antes da licitação, deságio na concorrência, desconto para usuários frequentes e para uso de tag (cobrança automática). “Mas depende do lote, do apetite das empresas”, especula. “A conta vai ser feita o mais justo possível. Não tem mágica. Para reduzir teria de tirar investimentos, que são considerados importantes. Estamos tentando equilibrar pratos”, compara.

Uma estratégia que está sendo avaliada é a diferenciação de tarifas, com preços mais baixos em pistas simples e cheios em pistas duplas. Está sendo pensado um gatilho, que seria acionado quando o fluxo e os demais itens do nível de serviço da rodovia exigirem a duplicação. Assim, somente depois da obra pronta é que a concessionária poderia cobrar a tarifa completa. Todos esses detalhes serão debatidos nos próximos meses, até que a proposta final, avaliada em audiências públicas e pelo Tribunal de Contas da União, possa ir à licitação no ano que vem.

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