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Hospital de Clínicas da UFPR em Curitiba.
Hospital de Clínicas da UFPR em Curitiba.| Foto: Cassiano Rosario/Gazeta do Povo/ Arquivo

O Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba começa em abril uma nova etapa de pesquisa do medicamento Molnupiravir, antiviral desenvolvido pelo laboratório Merck para tratamento de Covid-19.

Após participar da fase 2 do estudo mundial em 2020, quando foram testadas a dose e a segurança da droga em 13 pacientes de Curitiba, no próximo mês o hospital da Universidade Federal do Paraná (UFPR) entra na fase 3 da pesquisa, em que será avaliada a eficácia de fato do remédio com mais pacientes voluntários. A previsão é de que a pesquisa completa de todos países seja concluída em 26 de dezembro, com divulgação em janeiro de 2022.

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Para isso, o HC vai selecionar mais 50 pacientes infectados para tomarem o remédio por cinco dias, de 12 em 12 horas. A quantidade de pacientes, porém, pode ser reduzida se a pandemia estiver em estado mais grave na região dos outros quatro centro clínicos brasileiros que participam da pesquisa: Minas Gerais, Distrito Federal e dois em São Paulo. A coordenadora da pesquisa, a médica e professora de Infectologia do curso de Medicina da UFPR Mônica Gomes, explica que o estudo tem resultado melhor onde há mais infecções.

A pesquisa tenta comprovar a eficácia do medicamento para barrar a replicância do coronavírus no organismo. Ou seja, como todo antiviral, como foi o caso do Tamiflu no tratamento do H1N1 na epidemia de gripe suína em 2009, a intenção é fazer com que o Molnupiravir impeça que o vírus saia de uma célula e invada outra.

“Estamos tentando provar se o Molnupiravir promove um mecanismo chamado de catástrofe viral, em que o vírus não consegue mais ficar ativo. E com o vírus inativo, a infecção não prossegue”, explica a pesquisadora Mônica Gomes. Confira a entrevista:

Como a pesquisa chegou ao HC?

É um estudo de ensaio clínico internacional, que é quando a indústria farmacêutica desenvolve um novo medicamento e convida alguns pesquisadores do mundo para participarem. Procuraram o nosso grupo, que foi validado entre outros centros do Brasil. No país são cinco centros. Nós, no Paraná, um em Minas Gerais, dois em São Paulo e outro Distrito Federal. O estudo é do laboratório Merck.

Quando começaram os testes no HC?

O estudo no Brasil começou em novembro do ano passado. No mundo começou um pouco antes. A gente passou pela fase 2B de pesquisa, que fechamos a coleta de dados em janeiro para a pesquisa mundial. E vamos reabrir para a fase 3 no início de abril, após resultado favorável na fase anterior.

Quantos pacientes voluntários estão envolvidos no HC?

Já tomaram o medicamento 13 pacientes. E temos estimativa de que possam ser incluídas até 50 pessoas na fase 3, em abril. Mas depende muito de como vai estar o número de casos, como vai estar a epidemia, a epidemiologia da doença.

Como foi o resultado com os 13 primeiros pacientes?

O estudo é randomizado, ou seja, feito com o medicamento e placebo, uma substância sem efeito. A gente não tem como saber quem tomou placebo e quem tomou o remédio porque é um estudo cego. Na fase 2B foi avaliada a segurança e definida a dose para prosseguir o estudo na fase 3, que é o de eficácia propriamente dita. Temos dados de segurança de que o medicamento foi bem tolerado. Do ponto de vista de tolerância, não teve efeito colateral em nenhum paciente no HC.

O que houve de novidade nos últimos dias é que foi apresentado agora em março em um congresso de infectologia dados desse mesmo medicamento em um estudo nos Estados Unidos em que avaliaram a cultura de vírus em pacientes que receberam o medicamento. Nesse estudo americano, dos pacientes que tomaram placebo, 24% tinham cultura ainda positiva na narina para o vírus da Covid-19 após cinco dias de medicação. E dos pacientes que tomaram Molnupiravir, nenhum tinha o vírus. Então esse foi o primeiro resultado de exame clínico do medicamento. A fase três de estudo clínico no HC começa em abril.

Serão 50 pacientes voluntários na fase 3?

A expectativa é de até 50 pacientes no HC. Mas se São Paulo ou outro centro no Brasil acabar incluindo muitas pessoas, acabam utilizando essas vagas antes da gente, no que se chama de estudo competitivo. Mas é muito importante a participação de gente do mundo todo para avaliar como pessoas de diferentes genéticas reagem ao medicamento.

Como é a ação do Molnupiravir no organismo?

Assim como Remdesivir, que foi aprovado recentemente pela Anvisa, o Molnupiravir é um antiviral. Ou seja, ele impede a replicação do vírus. No momento em que o vírus está fazendo seu ciclo de replicação, criando seu código genético para replicar, o medicamento se liga nesse sítio e impede a formação de um novo vírus. Ele promove um mecanismo que chamamos de catástrofe viral, em que o vírus não consegue mais ficar ativo. E com o vírus inativo a infecção não prossegue. Vírus é um parasita intracelular obrigatório. Então se o vírus é morto, ele não sai mais de uma célula e para invadir a próxima célula, acaba com a vida replicativa desse vírus.

O exemplo que costumo usar com os pacientes é como se tivesse uma vasilha com leite e sucrilhos. O vírus tem que viver dentro do sucrilhos e faz um monte de filhinhos e joga lá no leite para achar o próximo sucrilhos. O remédio impede essa travessia, impede que o vírus chegue ao próximo sucrilhos para replicar mais vezes.

O efeito desse antiviral na Covid-19 seria similar ao do Tamiflu na H1N1?

O modelo é mais ou menos o mesmo. O Tamiflu e o Tamivir a gente já conhecia para o tratamento do vírus influenza antes da epidemia da gripe suína em 2009, mas usava pouco até então. Esses medicamentos tinham um custo maior, então nem sempre os pacientes se dispunham a gastar o que custava o medicamento na época. Depois se ampliou o uso do medicamento e a tecnologia foi transferida para outras empresas e quando chegou no momento de muitos casos de influenza, foi um medicamento importante, porque se iniciava o tratamento o mais cedo possível para diminuir são só o número de dias de sintomas mas, o mais importante, para diminuir a transmissão.

O Tamiflu foi utilizado para evitar a transmissão entre pessoas de alto risco. Por isso o antiviral faz sentido começar a aplicação o mais rápido possível. Prevemos que haja um estudo do medicamento para prevenção também, de paciente que tenha alto risco de evoluir de forma desfavorável para Covid.

Ter menos vírus vivo na cultura de narina, que é o exame que estamos usando na pesquisa, não é uma resposta de benefício individual apenas. Menos vírus vivo na via aérea mostra que há menos transmissão, então é um grande benefício. Afinal, a principal forma de transmissão é a via respiratória, por isso falamos tanto da máscara. Portanto, se conseguimos diminuir o vírus na via respiratória, diminui a transmissão.

Esse exame de cultura nasal é semelhante ao PCR?

O exame também é coletado pelo cotonete, mas não é PCR, que só investiga se há o ácido nucleico do vírus, é para ver se tem um pedacinho do corpo do vírus lá, mas não diz se esse pedacinho está vivo ou morto. A cultura nasal é um exame feito com cultivo em célula. Então, se for positivo, prova que o vírus está vivo. É um exame muito mais difícil e caro de ser feito. Tem que ter um laboratório com nível de segurança muito alto. Por isso não é feito comercialmente, só em nível de pesquisa.

Qual a previsão de concluir o estudo no mundo?

A pesquisa está indo mais rápido do que normalmente iria pela demanda de tratamentos e prevenção da Covid-19. A data estimada de conclusão é 26 de dezembro de 2021. Esperamos que tudo vá no ritmo esperado para termos notícias em janeiro O tempo depende da velocidade que os pacientes são incluídos na pesquisa, da epidemiologia de cada local. Se você inclui um país com poucos casos de Covid, vai demorar mais para sair o resultado. Se for um país com muitos casos, sai mais rápido. E depende também do prazo necessário para se avaliar todos os dados de forma fidedigna para trazer um resultado com mais segurança.

Então essa situação triste no Brasil de tantos casos acaba ajudando na pesquisa.

Sim. A gente torce para ter poucos pacientes e demore a inclusão de Curitiba, porque tenho certeza que isso refletiria num cenário de muito mais saúde na cidade. Mas, infelizmente, quando há muitos casos, há possibilidade de mais pessoas se beneficiarem com o uso do medicamento na pesquisa. Ainda que seja 50% de chance de receber o medicamento e 50% de receber o placebo.

Os pacientes foram solícitos em participar da pesquisa no HC?

A grande maioria sim. Não tivemos muita dificuldade. As pessoas entendem que neste momento não existe uma estratégia alternativa. Quando falo em tratamento antiviral para início da Covid ainda não há alternativa no Brasil e nem no mundo. O Remdesivir, que está aprovado pela Anvisa, por exemplo, não é para tratamento precoce. Ele está autorizado para ser usado no tratamento mais tardio, é um medicamento intravenoso que tem que ser feito no hospital. Então o Molnupiravir não substituiria nesse momento nenhuma outra estratégia porque não há o que fazer do ponto de vista de tratamento nos primeiros dias. Trato os sintomas e acompanho o paciente para ver como ele vai evoluir. Depois, conforme a evolução, aí há estratégias de cuidados.

O paciente é acompanhado sete meses após a medicação?

A gente acompanha o paciente mais próximo por 28 dias. Mas ele fica em contato com o grupo por sete meses por segurança. Sempre que a gente testa um medicamento é importante coletar dados da evolução de saúde da pessoa. Ter esse tempo a mais me traz mais subsídios para a longo prazo, ou ao mesmo a médio prazo, para conferir se o medicamento foi seguro.

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