Agricultores cadastrados no programa Tarifa Rural Noturna (TRN) foram comunicados, por mensagem de celular, nesta quarta-feira (25) que o benefício foi suspenso. São cerca de 12 mil propriedades que contavam com redução de 60% na conta da energia elétrica consumida entre 21h30 e 6 horas. Segundo o secretário estadual de Agricultura e Abastecimento, Norberto Ortigara, o subsídio de R$ 54 milhões por ano está sendo dado sem considerar o perfil dos produtores, beneficiando quem precisa de ajuda, mas também grandes agropecuaristas.
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A decisão de suspender o programa foi tomada administrativamente, mas um projeto de lei deve ser encaminhado para a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). A tarifa especial está hoje amparada por legislação estadual. O governo paranaense afirma que a interrupção do programa vinha sendo avaliada há bastante tempo e, portanto, não teria relação direta com o rearranjo financeiro necessário diante das despesas com o novo coronavírus. Contudo, para os produtores, a suspensão do benefício acontece em um momento de incertezas econômicas e de perspectivas de mais dificuldades.
O fim da TRN deve afetar as atividades que precisam de energia elétrica 24 horas por dia, como é o caso de aviários, de granjas de suínos, de tanques de peixes e de sistemas de irrigação. Muitos desses produtores trabalham com a chamada integração, quando cooperativas ou empresas pagam um preço pré-combinado pelo trabalho. Assim, eles dizem que vão ficar no prejuízo até conseguirem renegociar os valores, o que pode levar muito tempo e inclusive inviabilizar algumas propriedades em função do peso da conta de energia elétrica. Embora possibilidade de acabar com a tarifa noturna rural esteja sendo aventada há muito tempo, não foi apresentado um cronograma, que permitisse que os produtores se preparassem para esse momento, negociando a alteração na planilha de custos.
Edmilson Zabott preside uma associação de piscicultores e afirma que atividade será muito afetada. Ele explica que o sol ajuda na oxigenação da água, mas que, durante a noite, é necessário fazer a aeração mecânica para garantir boas condições nos tanques. Sem esse recurso noturno, a engorda do peixe é menor e os produtores precisam deixar menos peixes no tanque.
Zabott discorda do argumento de que apenas os pequenos produtores devem ser beneficiados. Ele alega que o Paraná só é o maior produtor de tilápia do Brasil por causa do incentivo e que os recursos investidos pelo governo retornam na forma de impostos e geração de renda. Além disso, o piscicultor afirma que é esse subsídio que alimenta a cadeia produtiva, tornando-a competitiva em relação aos outros estados.
A energia é o segundo maior custo na piscicultura, atrás apenas da ração. Zabott gasta, em média, R$ 14 mil por mês e calcula que a conta vai subir em R$ 5 mil, com o fim do subsídio. Além de área para a produção de 300 mil tilápias no Oeste do Paraná, ele também tem aviários. Segundo o representante dos piscicultores, quem cultiva em dois tanques pequenos, por exemplo, tem o desconto de cerca de R$ 60 por mês com o subsídio.
Segundo Zabott, os produtores foram surpreendidos e estão alvoroçados, temendo o colapso diante da conjuntura, com tantos fatores jogando contra. Há o temor que alguns não consigam continuar na atividade. Ele explica também que muitos fizeram financiamento ou receberam aporte de investidores, a partir das regras que estavam em vigor e agora mudaram. O piscicultor ainda acrescenta que os produtores perdem, frequentemente, frangos e peixes por causa de queda de energia e precisam lidar com a baixa qualidade, exigindo o acionamento de geradores, com gastos adicionais.
A produção de frangos também precisa muito de energia elétrica. No calor, para acionar os exaustores, no frio, para manter o aviário aquecido. A temperatura é fator fundamental na rentabilidade, já que a morte de animais ou o baixo peso interferem no valor a ser recebido. Para Carlos Bonfim, o fim da TRN será um desastre para o setor. “A gente já trabalha com um custo apertado. Muitos vão trabalhar no vermelho, porque dificilmente as empresas vão repassar”, comenta o presidente da comissão técnica de avicultura na Federação da Agricultura do Paraná (FAEP).
O valor varia bastante de acordo com o período do ano e a região do estado, por causa do clima. Segundo Bonfim, hoje a energia elétrica é o maior custo de produção, à frente inclusive da mão de obra. Os insumos, como ração, são fornecidos pela integradora, mas as despesas para manter o aviário ficam por conta do produtor.
O avicultor argumenta que, nos estados em que não há o subsídio na energia, o preço já está incorporado na planilha de custos, mas que aqui será necessário negociar a mudança de valores com grandes empresas, o que deve ser difícil e demorado, principalmente em função do momento econômico, com perdas generalizadas em várias áreas. Ele também comenta que a energia mais barata entrava no chamado custo Paraná, que fez o estado ser o maior produtor de frango no país.
A posição do governo
O secretário estadual de Agricultura, Norberto Ortigara, enfatizou que o benefício existe desde 2007 e que, portanto, ao longo de vários anos os agropecuaristas foram subsidiados. A Copel bancava a diferença, mas passou a contestar a conta até que, em 2018, o conselho de acionistas decidiu que não fazia sentido a empresa arcar com a política pública. E estabeleceu até o final daquele ano como limite. Foi quando a Assembleia Legislativa aprovou uma lei, determinando que o governo estadual pagasse a conta. Já era 2019 e a gestão Ratinho Junior tentou vetar a proposta, mas os deputados decidiram promulgar mesmo assim. O gasto foi então transferido para o governo estadual.
“Ficou insustentável”, declara Ortigara. Ele destaca que a situação está exigindo recursos vindos de impostos, com todos os paranaenses apoiando uma parcela dos agricultores para que usem energia em suas atividades durante a noite. Para o secretário, é uma injustiça social. “Será que esse agricultor precisa dessa ajuda?”, questiona. Hoje a regra é pela faixa de consumo de energia e, portanto, Ortigara informou que não sabe quantos dos 12 mil beneficiados são pequenos produtores nem se a medida afetará a competitividade dos produtos paranaenses.
O secretário também pondera que, atualmente, não há limite de quantidade de beneficiados. Basta ser enquadrado como consumidor B2 na Copel para ter direito. Assim, a despesa tem o potencial de subir, caso mais dos 500 mil consumidores rurais de energia elétrica solicitem a migração. Segundo Ortigara, hoje há beneficiários que ganham desconto de R$ 50 por mês e outros que economizam mais de R$ 8 mil. A proposta da Secretaria é destinar os recursos da tarifa noturna para incentivar a geração de energias de fontes renováveis no meio rural, como solar e biomassa.
A lei em vigor, aprovada pela Assembleia, foi proposta pelo então deputado Marcio Nunes, hoje secretário de Desenvolvimento Sustentável no governo Ratinho Junior. Nunes foi procurado para comentar o caso, mas não foi localizado. Ortigara afirma que o fim da TRN foi negociado com a Casa Civil e com o próprio governador. A Ocepar, que representa as cooperativas do Paraná, informou por meio de nota, que o benefício é considerado importante para o setor, mas que entende que a solução não depende só do estado e que é necessária uma mudança na legislação.
Também por nota, a FAEP informou que a medida trouxe surpresa para o setor rural do Paraná, destacando que a energia elétrica é um insumo importante na agropecuária paranaense, podendo chegar a mais de 20% da composição de custos em algumas atividades. Assim, a tarifa rural noturna é usada como forma de equilibrar os custos de produção e que a suspensão pode inviabilizar a continuidade de diversas atividades agropecuárias no Paraná, que trabalham com margens apertadas. Diante disso, a FAEP irá buscar, junto aos poderes executivo e legislativo, a continuidade do programa.
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