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TJ-PR
Tribunal de Justiça do Paraná.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) deve retomar no início de julho uma inédita votação para decidir se abre Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra um de seus membros, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida.

Pinto de Almeida se notabilizou por ser o relator no TJ-PR do caso Diários Secretos, um esquema implantado nas entranhas da Assembleia Legislativa do Paraná que desviou mais de R$ 250 milhões em recursos públicos, revelado em uma série de reportagens da Gazeta do Povo e da RPC, em março de 2010. No centro do esquema estava a figura do ex-diretor-geral da casa, Abib Miguel, conhecido como Bibinho.

Agora, provocado por ações movidas por um dos advogados de Bibinho, Eurolino Sechinel dos Reis, e pelo juiz auxiliar Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, que também atuou em processos relacionados aos Diários Secretos, o Tribunal se vê pela primeira vez em 129 anos de história diante da possibilidade de punir disciplinarmente um de seus próprios membros.

Juiz rigoroso, Almeida foi afastado a pedido de Bibinho

Considerado “linha dura” por seus pares, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida foi relator dos processos dos Diários Secretos na segunda instância do Judiciário estadual até março. Membro da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal, onde são analisados os desdobramentos de processos penais envolvendo agentes públicos, Pinto de Almeida atuou em alguns dos processos que, somados, resultaram num total de 1.083 anos de prisão em condenações aplicadas pela Justiça.

Ele também participou em processos relacionados às operações Publicano e Quadro Negro, que investiga desvio de recursos do governo do estado na construção de escolas, tendo sido um dos desembargadores que votou contra a soltura do ex-governador Beto Richa, em abril de 2019, preso preventivamente no mês anterior.

Entre os processos relatados por Pinto de Almeida no âmbito dos Diários Secretos em segunda instância também estavam os relacionados à Operação Ectoplasma 2, do Ministério Público Estadual, que resultou em busca e apreensão de documentos em gabinetes da Assembleia Legislativa em maio de 2010. Em agosto de 2019, a 2.ª Câmara rejeitou recurso da defesa de Bibinho que pedia a anulação das provas obtidas pela operação a partir de voto de Pinto de Almeida.

Diferentes recursos movidos por réus em processos envolvendo provas colhidas na Operação Ectoplasma 2, entretanto, tiveram outro destino. Em setembro de 2017, analisando os recursos da condenação de primeira instância dos ex-diretores da Alep José Ary Nassif e Claudio Marques da Silva, a 2.ª Câmara Criminal do TJ-PR aumentou suas penas. O placar, contudo, não foi unânime, com dois votos pelo aumento (desembargadores Pinto de Almeida e José Carlos Dalacqua) a um, pela anulação, proferido pelo então juiz substituto Marcel Guimarães Rotoli de Macedo.

O juiz substituto considerou procedente o pedido da defesa de que a operação realizada na Assembleia precisaria ter sido autorizada pelo Tribunal de Justiça por causa do foro privilegiado dos deputados estaduais, que poderiam, eventualmente, ser atingidos em processos com as provas ali coletadas, o que abriu espaço para o recurso de embargos infringentes, sendo revista a decisão em outro julgamento, agora da 1.ª Câmara Criminal do TJ-PR, que anulou o processo sob o argumento de que as provas coletadas deveriam ser retiradas do processo. Com isso, as decisões que condenaram Nassif e Silva e Bibinho foram anuladas.

Ex-relator dos Diários Secretos vê proximidade entre juiz e réu do caso

A partir daí os desentendimentos entre Pinto de Almeida e Rotoli de Macedo iniciaram e foram com o tempo se agravando. Rotoli de Macedo passou a invariavelmente votar de modo a favorecer os réus, tendo Pinto de Almeida chegado a questionar a isenção do mesmo diante da proximidade entre as famílias do juiz substituto e a de um dos réus, José Ary Nassif. Uma prima de Marcel Rotoli de Macedo, Agatha Rotoli de Macedo Kalkmann, era funcionária da Alep, onde deveria estar trabalhando, mas estava “lotada” no gabinete de seu tio, o desembargador Lídio José Rotoli de Macedo, também tio de Marcel Rotoli de Macedo, no Tribunal de Justiça. Nos Diários Secretos, Lídio Rotoli de Macedo votara a favor de acusados na operação em seis habeas corpus, incluindo pedidos de Abib Miguel e José Nassif. Logo depois disso, pediu remoção para outra Câmara Criminal do TJ-PR.

No final de 2019, o Ministério Público abriu um inquérito cível para apurar a suposta parcialidade de Macedo em votações relacionadas aos Diários Secretos. A investigação tramita desde então e está em sigilo.

A situação entre Pinto de Almeida e Rotoli de Macedo foi se agravando com representações disciplinares e acusações mútuas até que o desembargador declarou, numa sessão em novembro de 2018, sua inimizade com o juiz substituto Marcel Rotoli de Macedo e pediu para que os processos, sob a sua relatoria, fossem adiados até que o titular da vaga na 2.ª Câmara, Francisco Pinto Rabello Filho, que estava em licença médica, retornasse para ocupar o lugar no julgamento.

Em março de 2020, a pedido da defesa de Bibinho, a mesma 1.ª Câmara Criminal do TJ-PR que anulou as provas colhidas na Operação Ectoplasma 2 decidiu que José Maurício Pinto de Almeida deveria deixar a relatoria dos Diários Secretos.

Juiz e advogado de Bibinho pedem punição

Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, hoje juiz auxiliar da Corregedoria do TJ-PR, e o advogado Eurolino Sechinel dos Reis alegaram que o desembargador José Maurício Pinto de Almeida cometeu falta funcional, passível de punição por meio do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), ao adiar a apreciação de processos, por discordar da participação do juiz substituto na composição do quórum de votação.

De acordo com o pedido de providências apresentado por Eurolino dos Reis à presidência do TJ, não há respaldo para um magistrado, em colegiado, deixar de agir por não gostar de um colega. Para Rotoli de Macedo, o desembargador Pinto de Almeida tornou sem efeito a designação dele feita pela presidência do Tribunal para a 2.ª Câmara Criminal e, com isso, usurpou a competência do chefe do Poder Judiciário. Ambos alegam que a atitude tomada por Pinto de Almeida teria causado prejuízos a pessoas que esperavam uma decisão judicial. Foram adiados 24 processos, alguns envolvendo réus sujeitos a prazos mais exíguos nos julgamentos.

Os pedidos de providências de Eurolino dos Reis e de Marcel Rotoli de Macedo foram analisados pelo desembargador Adalberto Xisto Pereira, presidente do TJ-PR. Ele poderia ter decidido monocraticamente, mas consultou a Corregedoria (órgão onde hoje atua Marcel Rotoli de Macedo) e, a partir de um parecer, decidiu levar o caso ao plenário, para a apreciação dos demais colegas do Órgão Especial. O caso começou a ser apreciado em sessão do TJ-PR no último dia 8 de junho.

Eurolino dos Reis, que não tinha nenhum processo pautado naquela sessão, argumentou que Pinto de Almeida agiu com a finalidade de alterar o quórum de votações, fora das previsões legais; acusou o desembargador de crimes, como prevaricação (quando funcionário público retarda ou deixa de praticar algum ato de ofício por interesse ou sentimento pessoal), além de afirmar que o magistrado se manifesta publicamente questionando decisões de colegas, o que é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Já o advogado de Rotoli de Macedo, Andrey Salmazo Poubel, também durante a sessão do dia 8 de junho, destacou que o juiz substituto votou, na maioria das vezes, em consonância com Pinto de Almeida, o que afastaria o argumento de uma discordância sistemática.

Em sustentação oral durante a mesma sessão de 8 de junho, o advogado Ophir Cavalcante Junior, que defende Pinto de Almeida, alegou que o magistrado atua há 36 anos sem máculas na ficha funcional e que a abertura do PAD não seria cabível. Disse ainda que o advogado que apresentou o pedido de providências, Eurolino dos Reis, teria interesse direto na intimidação do desembargador, em função da atuação dele nos processos dos Diários Secretos. Enfatizou que o adiamento da votação de ações em pauta é comum, sem a necessidade de apresentação de qualquer motivo. E que a prudência recomendava, diante da briga pessoal entre os julgadores, que não continuassem a compor o mesmo colegiado, pois as partes é que poderiam ser prejudicadas, já que seria esperado que um votasse contra o outro, não sendo feita justiça.

Nesse sentido, numa das peças do processo, existe uma manifestação do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Yves Gandra Martins Filho, para quem “rompida a harmonia da Corte, torna-se grande a possibilidade de o confronto desbordar para a esfera judicante, passando um ou outro julgador acompanhar o relator ou a divergência não tanto em face da força do argumento, mas em razão de sua origem, se provém de fulano ou beltrano”. Por fim, ressaltou, ainda, que o adiamento de processos não seria conduta punível pela Lei Orgânica da Magistratura, especialmente quando fora deferida pelo presidente da Turma e não causara nenhum prejuízo às partes. Ressaltou em sua manifestação, também, que não houve excedente de prazo, uma vez que a tramitação ficou dentro das metas do CNJ.

Relator do caso, Xisto Pereira considerou que havia indícios de falta disciplinar suficientes para justificar a abertura do PAD, para investigar a questão. Em plenário, ele foi acompanhado por outros 13 desembargadores: D’Artagnan Serpa Sá, Regina Afonso Portes, Clayton Camargo, Sonia Regina de Castro, Irajá Prestes Mattar, Robson Marques Cury, Maria José Teixeira, Arquelau Araujo Ribas, José Augusto Aniceto, Carlos Mansur Arida, Astrid Ruthes, Clayton Maranhão e Wellington Coimbra de Moura.

A votação foi interrompida pelo pedido de vista feito pelo desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, que afirmou que havia a necessidade de analisar alguns aspectos da situação, destacando a preocupação com o precedente que seria aberto. Outros 10 magistrados decidiram esperar o pedido de vista para se posicionarem: Ramon de Medeiros Nogueira, Rui Cunha Sobrinho, Jorge Massad, Hamilton Mussi Correa, Luiz Lopes, Luiz Panza, Paulo Vasconcellos, Paulo Cesar Bellio, Fernando Wolff e Fernando Antônio Prazeres. Caso não haja mudança de voto, o que ainda pode acontecer na retomada da discussão, já está formada a maioria para a abertura do PAD. Inicialmente, a votação seria retomada nesta segunda (22), mas Bengtsson informou que precisaria de mais prazo para finalizar seu pedido de vista.

Usualmente, as discussões sobre o trabalho de desembargadores são travadas no CNJ e não no próprio Tribunal. Isso porque no caso de avaliação da atividade funcional há a chamada competência concorrente, em que o proponente escolhe onde quer apresentar o pedido. O PAD é um processo interno, culminando com a aplicação de penas em caso de falta funcional confirmada. Como as penas de advertência e censura não se aplicam a desembargadores, Pinto de Almeida pode, se considerado culpado, sofrer sanções como remoção compulsória, ficar em disponibilidade com salário proporcional ao tempo de serviço ou ser aposentado.

Defesa diz que desembargador é perseguido

A defesa do desembargador José Maurício Pinto de Almeida, representada pelo advogado Ophir Cavalcante Junior, afirmou em nota que o magistrado está sendo vítima de perseguição por ter, com os seus julgamentos, desagradado pessoas influentes. Cavalcante Junior afirma que confia que os integrantes do Órgão Especial farão justiça, não permitindo a abertura do PAD por ausência de uma justa causa.

O advogado Eurolino Sechinel dos Reis afirma que, no mundo jurídico, a suspeição e o impedimento só podem ser avocados por relação do magistrado com as partes envolvidas ou com os advogados delas, mas nunca por desentendimento entre os próprios julgadores. Ele também nega que o pedido de providências tenha relação com os processos dos Diários Secretos. Embora nenhum dos 24 processos adiados seja de algum cliente seu, afirma que agiu como cidadão, ao ver o serviço público deixar de ser prestado.

Os advogados do juiz auxiliar Marcel Guimarães Rotoli de Macedo informaram que não têm interesse em se manifestar sobre o caso em julgamento e também que o magistrado não foi notificado sobre o inquérito cível aberto contra ele.

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