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Tribunal de Justiça vai avaliar mudança de relatoria no caso dos Diários Secretos.
Tribunal de Justiça vai avaliar mudança de relatoria no caso dos Diários Secretos.| Foto: Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo

Está na pauta do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) desta quinta-feira (5) o julgamento de um recurso que pode mudar os rumos dos processos criminais relacionados aos Diários Secretos, esquema de desvio de recursos da Assembleia Legislativa, revelado pela Gazeta do Povo e pela RPC. A 1ª Câmara Criminal irá analisar o pedido de um dos réus do caso, que quer que a relatoria das ações penais no TJ-PR mude de mãos. O relator é escolhido por distribuição aleatória e fica encarregado de analisar com profundidade o caso e redigir votos, que servem de diretriz para a decisão de outros magistrados.

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Os processos penais e recursos relacionados aos Diários Secretos tramitam na 2ª Câmara Criminal do TJ-PR, que tem a atribuição de julgar crimes praticados por servidores públicos. Quando há alguma divergência, a revisão é feita pela 1ª Câmara Criminal. O recurso caiu para o desembargador Clayton Camargo, escolhido relator para revisar a decisão anterior. Com base no voto, dois outros magistrados irão se posicionar sobre a procedência do pedido.

A discussão envolve aspectos técnicos. Por ter recebido, por distribuição, o primeiro recurso que chegou ao TJ-PR, ainda em 2010, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida acabou sendo o relator do caso. É o chamado princípio do juiz natural, conceito jurídico que envolve a prevenção de que as partes saberão quem julgará a situação. Ele acabou sendo vencido, ou seja, em alguns julgamentos da 2ª Câmara Criminal o voto de outro desembargador prevaleceu na decisão.

Com base nessa divergência, um recurso foi impetrado alegando que o Regimento Interno do TJ-PR prevê a troca de relator em caso de voto vencido. Também o ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa, Abib Miguel, que está preso no Complexo Médio Penal, ajuizou um mandado de segurança para que a mudança de relatoria seja estendida para os pedidos feitos pela defesa.

A questão que será analisada agora é da Operação Argonautas, um desdobramento dos Diários Secretos, que apura lavagem de dinheiro a partir de bens bloqueados pela Justiça. Abib Miguel, conhecido como Bibinho, está preso em consequência da Argonautas, em uma medida preventiva que considerou que ele estava descumprindo ordens judiciais e reincidindo em crimes, enquanto estava solto.

Contestação

O Ministério Público do Paraná acredita que a mudança de relatoria em caso de voto vencido fere o princípio do juiz natural. Em vários pareceres e recursos de procuradores e promotores, o entendimento é de que a substituição conflita com o Código de Processo Civil (CPC), na edição de 2015, especialmente no artigo 930. Por isso, o MP-PR estuda ajuizar uma ação de inconstitucionalidade para a troca de relatoria.

Quem também se manifesta sobre o caso é o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Leonir Batisti. “O prejuízo mais básico que eu vejo é o descumprimento da Constituição, com a violação a um princípio fundamental que é o direito de ser julgado por um juiz a quem foi distribuído o caso aleatoriamente”, comenta. Ele acrescenta que o TJ do Distrito Federal tinha um entendimento semelhante ao do Paraná e mudou seu regimento, recentemente.

Um dos principais especialistas em Código de Processo Civil, o advogado e professor Luiz Guilherme Marinoni, não vê inconstitucionalidade na regra adotada no regimento do TJ-PR, mas, ao analisar a situação em tese, argumenta que a regra pode não ser a mais adequada, principalmente porque pode tirar o magistrado do colegiado encarregado de julgar os casos antes atribuídos a ele. Para Marinoni, a troca pode trazer insegurança jurídica, uma vez que o princípio do juiz natural serve para dar previsibilidade sobre quem vai analisar o caso. “É justamente passar o bastão a outro, como se tivesse num caso com vários relatores, sem ter a certeza de quem vai atuar nos recursos subsequentes”, diz.

Segundo o presidente do TJ-PR, Adalberto Xisto Pereira, o assunto foi debatido na comissão de regimento, que se posicionou pela regularidade da norma adotada no judiciário paranaense. Ele afirma ainda que cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF), têm a mesma regra – de mudança de relatoria em caso de voto vencido. Ele mencionou inclusive que o ministro Félix Fisher, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) herdou a relatoria da Operação Lava Jato em função do voto vencido do relator anterior.

Xisto Pereira ainda argumentou que a substituição é praxe no TJ-PR, tanto nos processos cíveis como criminais, e que as mudanças de relatoria são automáticas em caso de voto vencido, com a exceção de eventuais problemas técnicos ou de insistência do relator que não teve o voto acatado na decisão. Nos últimos anos, outras operações importantes, de grande repercussão, já mudaram de mãos. Foi o caso da Quadro Negro e da Publicano, ambas herdadas pelo desembargador Francisco Pinto Rabello Filho.

Há ainda dúvidas sobre quem assumiria a relatoria dos Diários Secretos, caso a 1ª Câmara Criminal entenda pela admissibilidade do recurso. É que, no passado, um dos votos divergentes que prevaleceu foi do desembargador Laertes Gomes. Mais recentemente, posições adotadas pelo Rabello é que restaram vencedoras.

Retrospecto

A 1ª Câmara Criminal reavaliou recentemente duas decisões da 2ª Câmara relacionadas aos Diários Secretos, anulando sentenças condenatórias por considerar ilegal uma das operações que apreendeu documentos na Assembleia Legislativa. Também na 1ª Câmara, o desembargador Miguel Kfouri, em outro pedido semelhante, encaminhou o entendimento do colegiado pela perda de relatoria em caso de voto vencido.

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