328 anos

No aniversário de Curitiba, Greca fala sobre a identidade curitibana

Monique Portela, especial para a Pinó
29/03/2021 12:44
Thumbnail
Para celebrar o aniversário da cidade, fizemos uma entrevista por videoconferência com o prefeito Rafael Greca de Macedo para comentar alguns resultados de nossa pesquisa. Além de o único a ser eleito três vezes ao cargo em Curitiba, Greca é conhecido por ser um grande estudioso dos símbolos e da história da cidade. Confira abaixo um trecho da entrevista:
O que é a identidade curitibana para o senhor? Do que ela é feita?
Ela é feita de um grande amor pela terra e de uma grande força das raízes da nossa gente. Porque o nome Curitiba quer dizer “muito pinhão”. O símbolo é a Araucária, e o brasão da cidade, desde 1900, vem marcado por uma legenda em latim escolhida pelo Alfredo Romário Martins, que diz o seguinte: “semper ad excelsa”. Cada vez mais para o alto. Essa é uma cidade de muito respeito pelas raízes, portanto, uma cidade muito familiar, que busca sempre o bem. E pelo trabalho, debaixo do sol de cada dia, procura crescer. Sempre mais para o alto.
Curitiba é solar. Abençoada por Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, que eu tenho em réplica aqui no meu gabinete, aquela mesma Nossa Senhora que eu mandei fazer para os 300 anos da cidade, dos 100 anos da Catedral. O nome da cidade, Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, cria um compromisso com as araucárias e um compromisso com a luz. Cria um compromisso de energia limpa, de energia boa, de energia positiva. Ser curitibano é ter essa energia que todas as manhãs as ramas altas dos pinheiros espalham pelo nosso chão quando nasce o sol.
Em nossa pesquisa, perguntamos qual era o símbolo que mais representaria Curitiba. Claro que a araucária apareceu, mas em segundo lugar. Quem tomou a dianteira foi o ônibus expresso, com 28,5% dos votos. Como que o senhor vê a importância desses símbolos para a cidade e dessa renovação do imaginário, que agora traz outros símbolos para representar Curitiba?
O povo gosta do transporte coletivo, apesar de malhá-lo todos os dias, inclusive na minha rede social. O povo acostumou a ser respeitado por esse sistema de transporte de DRT, que foi copiado por 250 cidades do mundo inteiro. Isso reforça a importância, e mérito seja dado a ele, do meu antecessor, o prefeito Jaime Lerner. Também reforça a importância, e mérito seja dado a ele, do meu antecessor, o prefeito Cândido de Abreu, que abriu as grandes ruas retas de Curitiba por onde passam os expressos, definindo o nosso arruamento.
E também passa, e mérito seja dado a ele, ao nosso prefeito João Moreira Garcez, que abriu também as grandes avenidas de Curitiba, e fez o nosso primeiro arranha-céu. Curitiba teve a sorte de ter grandes prefeitos, inclusive o prefeito Saul Raiz, que foi um prefeito muito dedicado às creches e ao lado social. E antagonista político do Saul Raiz, do Jaime Lerner e por muito tempo meu antagonista, e depois meu amigo, o prefeito Roberto Requião, que também fez uma ampla estrutura social para Curitiba. Então Curitiba é o conjunto de todos os seus prefeitos, que com expressão de amor, governaram a cidade, buscando levá-la cada vez mais para o alto. Então, vamos embarcar no ônibus expresso, mas não se esqueçam de dar uma olhadinha pela janela e ver a beleza das araucárias.
Quando perguntamos se as pessoas acreditavam que o curitibano era inovador, 69% responderam que sim. Como o senhor enxerga essa questão?
Com a alegria de ter suscitado o Vale do Pinhão, as noites iluminadas do Paiol da Inovação. Com o orgulho de termos dois unicórnios em Curitiba, empresas que valem mais do que 1 bilhão de dólares, o MadeiraMadeira e o Ebanx. Com a alegria de ver tantos piás e tantas meninas trabalhando nas startups, que já são mais de 500 e fazem o meu orgulho. Com a alegria de perceber que a cidade é inteligente. Inclusive, inteligente pelas facilidades que oferece para o seu povo, o Curitiba Mobile, o 156 por aplicativo, o E-Saúde com a marcação de consultas por aplicativo, o Clique Economia, que também é muito importante. E tudo isso nasceu dentro dos três worktibas que a cidade tem. [...] Quanto mais eu puder, mais eu vou fazer pela cultura da inovação.
Tanto que eu estou preparando os curitibinhas nos Faróis do Saber, agora transformados em Faróis do Saber e da Inovação, para a cultura do “Do It Yourself”, faça você mesmo; a cultura do MIT, a cultura da produtopia, a cultura da robótica. Não podemos nos esquecer que em Biblos, no Líbano, há 2 anos, quando o mundo ainda podia se reunir, meninas e piás da Escola Municipal Coronel Durival de Brito e Silva, no Cajuru ganharam o prêmio mundial de robótica. Eu mandei as crianças todas para lá. Deu o maior trabalho, mas como a María Silvia Bacila é Bacila e fala árabe, eu coloquei a professora no avião, embarquei com as crianças, embrulhei para presente, e disse: “vamos buscar o prêmio”. E deu certo.
Além da inovação, um ponto que não poderíamos deixar de comentar foram os expressivos votos quando perguntamos qual seria a característica mais marcante do curitibano. Com mais de 50% dos votos, o pessoal falou que o curitibano é reservado. Já simpático ficou em última posição, com 1,3%. O senhor concorda? O curitibano é mesmo tímido, reservado?
Veja, quem fala isso é porque ainda não conhece um coração curitibano. Se 50% fala isso, é porque não se integrou totalmente nessa cidade adorável. É preciso comer pinhão na chapa, é preciso passar banha no pão, colocar em cima do fogão de lenha, é preciso tomar chimarrão de mão em mão — depois da pandemia, senão vai me dar contágio — é preciso ter o gosto de entrar na casa de uma mãe ou de uma avó curitibana, comer polenta frita, comer pierogi. Se a vó for italiana, polenta frita; se a vó for polonesa, pierogi bem feitos; se a vó for ucraniana, saborear um goulash ou olhar a delicadeza dos bordados e dos ovos de Páscoa pintados à mão.
É preciso, se a avó for cabocla, ter a força da terra nas mãos e comer um bento ruivo, que é um ovo frito misturado com farinha de mandioca e pinhão, ou comer um bom barreado. Ou, ainda, saber valorizar um café passado na hora com broa de centeio no aconchego de um lar curitibano. Quantos perfumes, quantas memórias, quantas lembranças me trazem à minha alma curitibana. E quantas pessoas gostam disso!
Uma coisa que ficou clara na fala do senhor é a relação do curitibano com a casa. Quando questionamos o curitibano sobre o que ele mais gosta de fazer aos finais de semana, tivemos duas respostas campeãs. A primeira foi: ficar em casa. A segunda: ir aos parques. O senhor concorda que são duas coisas que fazem parte do comportamento do morador da cidade?
O parque é a nossa praia. E a casa é o nosso berço. O nosso aconchego. “Quem me dará pão e sal às portas da minha casa polaca?”, perguntou o Papa João Paulo II quando recebido às portas de uma humilde casa de troncos polonesa, recordou a grandeza de Curitiba de recordar-lhe a casa de seus avós, lá na sua Polônia natal. O Papa se encheu de ternura e, santo que era, sempre soube agradecer. Margarita e eu fomos vê-lo 18 vezes por conta de uma bandeja de pão e sal oferecida às portas de uma casa polaca, para aquele que era o peregrino que nos vinha abençoar. Hoje santo, hoje o nosso santo, o único santo que visitou Curitiba. Você me desculpe, mas eu estou muito emocionado, porque o tempo é muito difícil. E até com as minhas lágrimas, e dizendo que gostam tanto de ficar em casa, se puderem ficar em casa, se puderem, por Deus, sábados e domingos, fiquem em casa.
Fiquem em casa até o dia em que a gente tenha muita vacina, daí eu vou fazer uma grande “festa do abraço”, uma procissão de Nossa Senhora da Luz, uma marcha para Jesus, da prefeitura até a Praça Tiradentes. Os sinos da Catedral vão repicar e nós vamos nos declarar imunes, livres desse flagelo. Eu passei o domingo passado morrendo de medo que alguém morresse longe de um leito, fora de uma cama, sem ser assistido. Nós abrimos 135 camas de UTI em 20 dias. Nós estamos transformando as UPAs em hospitais. Nós temos nove hospitais. Às vezes, um idiota me diz: “e cadê o hospital de campanha?”. Tá na conta de quem fez errado no resto do Brasil. Todos os curitibanos merecem hospital de verdade, com rede de oxigênio, com cama boa, com lençol limpo, com oito enfermeiros para cada cama, porque precisa de oito pessoas para cada cama de doente de Covid, que na hora da intubação, uma pessoa só não dá conta. Então, por isso que nós estamos vivendo esse momento tão difícil de redesenho do sistema de saúde.
Em nossa pesquisa, demos oportunidade dos respondentes escolherem qual presente eles gostariam de dar para a nossa cidade nesse aniversário. A resposta que mais apareceu, é claro, foi em relação à vacina e ao fim da pandemia.
É o mesmo presente que eu quero para o meu aniversário, para o aniversário de Curitiba, para o seu aniversário, para todos os aniversários. No dia em que a cidade fizer 328 anos, segunda-feira, 29 de março, Margarita e eu inauguraremos, na rua Cruz Machado com Visconde de Nácar, grandes painéis de árvores de araucárias cobertas de gralhas azuis voando em direção ao céu. Será uma reurbanização de um cantinho da cidade que estava virando mocó, acumulando lixo, e eu vou colocar lá as pinturas do grande pintor brasileiro Antonio Maia. O original está aqui na prefeitura, eu mandei fazer em grandes painéis de azulejo. E ali nós vamos lembrar não só os nossos mortos, que já são mais 3 mil, como os nossos recuperados, que já são quase 150 mil. Então nós vamos fazer um único ato no aniversário da cidade, que é um momento profundo de oração. Agora, se antes disso acontecer um milagre e alguém me vender vacinas, daí nós vamos fazer uma grande vacinação e vai ser a “festa do espeto”. Vamos espetar todo mundo!