Cotidiano de Antigamente

Paulo José da Costa

Cartões-postais com histórias: relembre este costume

Paulo José da Costa
14/07/2021 10:02
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Continuando nossa viagem através dos cartões postais de antigamente, quero de início mostrar um do Arthur Wischral que, com muita felicidade captou um momento numa festa de reencontro familiar, no ano de 1942. Usando a imaginação, pode-se facilmente ouvir o gaiteiro e sua polca animada, o bulício das vozes, as risadas, enquanto os casais lá no fundo dançam animados, todo o quadro envolvido numa moldura poética de casa e arvoredo. As crianças que, com certeza, eram muitas, estavam a brincar em outro canto da propriedade, exceto uma, debruçada sobre a mesa. Wischral era um mestre e cada fotografia sua revela algo curioso de um mundo de que hoje estamos saudosos. Nas suas andanças pelo interior do Paraná e Santa Catarina foi registrando imagens com sensibilidade, como um cronista dos costumes e do cotidiano.
Homenagem a Aloísio Wischral, 1942.
Homenagem a Aloísio Wischral, 1942.
A fotografia seguinte nos apresenta o que parece ser um orgulhoso negociante com sua carroça e os seus utensílios. Essa imagem, conforme anotação no verso, foi registrada em Agudos do Sul, em 1911, sendo das primeiras do fotógrafo, ainda antes dele viajar para a Alemanha para se aprimorar.
Um negociante carroceiro, 1911.
Um negociante carroceiro, 1911.
Outra fotografia sensacional é a dos índios guaranis que recebeu o número 298 do catálogo de numeradas do Wischral, num total de 600. Faltam-me no acervo apenas 78 dessas, as quais continuo garimpando. Essa foto dos índios guaranis é um primor de documentação antropológica: as lindas cabaças, as flechas, os trajes do homem branco e...o cachorrinho, lógico, eterno companheiro do homem das Américas desde muito antes da chegada dos europeus.
Índios guaranis, início século 20.
Índios guaranis, início século 20.
Com esses fotógrafos viajantes podemos descobrir o Paraná primitivo, um tempo de desbravamentos, explorações e dificuldades. Foi uma época de abertura de estradas e os engenheiros batiam suas fotografias e as enviavam para os parentes, noivas, amigos. São raras porque as tiragens eram pequenas e poucas chegaram aos nossos dias. A imagem mostra o acampamento do empreiteiro Alexandre Gutierrez, que estava a serviço da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, em Jaguariaíva, isso no ano de 1907. Uma imagem a percorrer com olhos atentos e curiosos, no túnel do tempo.
Rio do Bugre, Jaguariahyva,<br>1907.
Rio do Bugre, Jaguariahyva,<br>1907.
Outro mestre das lentes que Curitiba teve a sorte e a felicidade de possuir foi Domingos Foggiatto. Um misto de empresário do cinema, teatro, circo e artista da tipografia e da fotografia, ele registrava as atividades culturais, esportivas, militares. Praticamente tudo o que aconteceu na cidade nessa época, dentro desses campos, nos anos 30 a 60, ele fotografou. Fui encontrar uma parte do acervo dele em Minas Gerais, adquirido por um negociante em São Paulo dos herdeiros de Loris Foggiatto. Por pura sorte esse material caiu em minhas mãos. Ilustro com 2 postais a arte de Foggiatto, ambos do tempo do Estado Novo, anos 1940. Na praça Santos Andrade, uma cerimônia dentre tantas que enchiam de bandeiras e alunos aquele logradouro. Aparecem ao fundo um grupo de alunas do Colégio N.S. de Lourdes. O outro instantâneo nos mostra um grupo de calouros com uma charge política, onde pelo visto nada mudava e ... continua não mudando...
Trote estudantil, anos 1940.
Trote estudantil, anos 1940.
Cerimônia na Praça Santos Andrade, anos 1940.
Cerimônia na Praça Santos Andrade, anos 1940.
Para terminar a nossa viagem de hoje, um pequeno pedaço retangular de papel mostra que a história do Coritiba F.C começou um pouco antes do que relatam fontes oficiais... O cartão foi enviado para Emma Hauer, em Wiesbaden, Alemanha, por seu irmão Arthur Hauer, um dos fundadores do time do Coritiba. Na foto (nr.7) além de Arthur estão quase todos os outros pioneiros, como João Viana Seiler, Leopoldo Obladen, Carlos Schlenker, Arthur Iwersen, Walter Dietrich, Roberto Iksch, Rodolpho Kastrup, José Júlio Franco.... A data registrada no texto é 23.06.1909 e é tudo o que importa.
O primeiro time do Coritiba,<br>junho 1909.
O primeiro time do Coritiba,<br>junho 1909.
O sítio oficial do time coxa-branca na internet, no capítulo “história” relata: “1909 - (Novembro, Dezembro) Grupo curitibano se organiza com o intuito de fundar o primeiro clube de futebol do Paraná. 1910 - (Janeiro, 30) Aprovada ata de fundação do Coritibano Foot Ball Club.”
Texto do verso do cartão de<br>1909.
Texto do verso do cartão de<br>1909.
Nosso postal, entretanto, nos mostra que já em 23.06.1909 o clube estava “recém-fundado” (neugegründet). O texto diz claramente “Dies Bild stellt die Gruppe unseres neu gregündeten Fussballklubs”, ou seja, “a imagem mostra o grupo de nosso novo recém fundado clube de futebol.”. Evidente ainda que entre o momento do registro da fotografia e a sua transformação em cartão postal e a data de sua remessa pelo correio, mais algum tempo decorreu. Quanto tempo antes? A confecção de um cartão postal não era instantânea e eu acredito que pensar em um mês não será exagero, o que significa que a foto pode ter sido registrada em maio de 1909, pelo menos. Como se percebe na imagem, o grupo já tinha uma formação, estava em um campo, pronto para um “match”, como se dizia, com goleiro, um rudimento de uniforme, chuteiras e também...uma bola! Sim, claro, a ata da fundação oficial é de 30 de janeiro, e esse cartão já é conhecido, mas nunca havia sido datado. Este, com seu escrito no verso nos prova efetivamente que em junho de 1909, se não antes, já havia um grupo jogando futebol em campo com bola e tudo. Papéis como esse são fontes primárias de história e, neste caso, irrefutáveis. Até a próxima edição!
  • Paulo José da Costa nasceu em 1950 em Ponta Grossa, é comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.