Roger Pereira

De Ébano Pereira à República de Curitiba

Roger Pereira*
24/03/2021 13:22
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A data historicamente associada à fundação de Curitiba, 29 de março de 1693, é o dia em que foi registrada a criação da Câmara Municipal da Vila de Nossa Senhora da Luz, por iniciativa do capitão povoador Matheus Martins Leme. Quase quarenta anos antes, no entanto, Eliodoro Ébano Pereira havia comunicado à coroa portuguesa a fundação das vilas de Curitiba e Iguape. E, desde então, até se transformar na metrópole de hoje, passou por diversas transformações políticas e teve momentos de protagonismo na história do país.
Uma das primeiras grandes transformações políticas vividas na cidade ocorreu em 1853. Foi por uma mobilização de anos dos vereadores da Câmara Municipal que, naquele ano, o Paraná conseguiu a emancipação política da província de São Paulo e Curitiba tornou-se a capital da nova província.
O primeiro prefeito da cidade havia sido nomeado duas décadas antes, mas a função executiva não teve sucesso na sua primeira experiência. José Borges de Macedo governou Curitiba entre 1835 e 1838 e, na sequência, o cargo de prefeito foi extinto, com toda a liderança política sendo exercida pela Câmara. Apenas em 1892, já sob o regime da República, a capital do Paraná voltou a ter um prefeito, Cândido de Abreu.
Em 1894, devido à Revolução Federalista, movimento contra o governo militar de Marechal Floriano Peixoto, as tropas revolucionárias invadiram e dominaram Curitiba. O governador Vicente Machado deixou a cidade e transferiu a sede do governo para o município de Castro, onde ficou por três meses. Com a cidade desguarnecida e os maragatos prontos para atacá- -la, o Barão do Serro Azul, na condição de presidente da Associação Comercial, conduziu uma exitosa negociação política com os federalistas, organizando sua entrada na cidade e, na sequência, encaminhando sua retirada da capital paranaense, sem o derramamento de sangue.
Curitiba também esteve na rota da Revolução em 1930. Após a derrota de Getúlio Vargas para Júlio Prestes na eleição presidencial, surgiu, no Rio Grande do Sul, uma revolta contra o resultado da eleição. O Paraná tinha uma importância geopolítica grande, no caminho das tropas do Sul ao Sudeste do país. Getúlio Vargas, em 11 de outubro, sob aclamação popular, partiu de trem de Porto Alegre em direção ao Rio de Janeiro. A preocupação era a atitude a ser tomada em relação ao Estado de São Paulo, onde o governo federal concentrava suas tropas. Vargas assumiu o comando das tropas que o aguardavam em Ponta Grossa, no dia 17 de outubro e, no dia 20, desembarcou em uma Curitiba já em poder dos revolucionários. As tropas federais aguardavam os revolucionários em Itararé-SP na divisa com o Paraná, para a “batalha que nunca houve”. No dia 24, o presidente Washington Luiz foi deposto, os soldados do governo e em 3 de novembro Getúlio Vargas assumiu a presidência.

Capital do País, Diretas Já, "Cidade Modelo e Lava Jato"

Curitiba também já foi capital da República, mesmo que por apenas três dias. O fato ocorreu entre 24 e 26 de março de 1969. Era o início da fase mais repressora da ditadura, instaurada em 1964 com o golpe militar. Poucos meses antes, em dezembro de 1968, havia sido decretado o AI-5 (Ato Institucional nº 5), que suspendia garantias individuais. A esposa do então presidente, o general Costa e Silva, era curitibana – o que contribuiu para a decisão da transferência da capital para Curitiba. O fator determinante, porém, foi o apoio paranaense ao regime, tanto o prefeito da capital, Omar Sabbag, quanto o governador à época, Paulo Pimentel, eram simpáticos ao regime. Com a medida, o objetivo era fazer com que a ditadura se aproximasse de regiões importantes do país e, além disso, demonstrar poder diante de focos de opositores. Apesar de relâmpago, a experiência como capital federal trouxe benefícios para a cidade. Com o apoio à ditadura, Curitiba recebeu recursos para a execução de obras de desenvolvimento urbano.
Se foi simpática à ditadura no auge do regime, a capital paranaense também teve grande importância para sua queda. Curitiba foi palco, em 12 de janeiro de 1984, do primeiro grande comício em todo o país da campanha Diretas Já. No final de dezembro de 1983, o deputado federal Ulisses Guimarães, presidente nacional do PMDB, convocou para reunião em Brasília, todos os presidentes regionais da agremiação. Álvaro Dias era presidente do PMDB no Paraná. Ulisses Guimarães chamou Curitiba de cidade teste. E a partir daqui seria possível organizar manifestações em todo o Brasil. Cerca de 30 mil pessoas lotaram a Boca Maldita, no centro da cidade, para exigir o direito de votar para a escolha de seus governantes. Apresentador do comício de Curitiba, o locutor Osmar Santos também se tornou porta-voz oficial do movimento, que engajou artistas, atletas e outros formadores de opinião. A emenda constitucional que propunha eleições diretas acabou derrotada no Congresso por 22 votos, em abril, mas um ano depois do comício de Curitiba, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves era eleito presidente por um colégio eleitoral e a ditadura acabava. Em 1989, Fernando Collor foi eleito em eleição direta.
Jaime Lerner governou Curitiba por três mandatos, em três décadas diferentes (1971 a 1974, 1979 a 1983 e 1988 a 1992) e foi responsável por uma transformação urbanística que deu à capital paranaense destaque nacional e internacional. Com sua infraestrutura, parques e praças e, principalmente, um moderno (para aquela época, ao menos) sistema de transporte, Curitiba transformou-se na “cidade modelo”.
E a capital paranaense voltou a ser uma das mais importantes da política do país na última década. Em 2014, a Justiça Federal do Paraná autorizou uma operação da Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal, para investigar o uso de uma um posto de gasolina em Brasília para lavagem de dinheiro de um doleiro (Alberto Yousseff) que teria voltado a se envolver em operações ilegais após ter feito acordo de delação premiada no caso Banestado, julgado pela 13ª Vara Federal do Paraná.
A investigação sobre o doleiro paranaense descobriu o pagamento de propina através da entrega de um carro, por Yousseff a um diretor da Petrobras. E, a partir desta prova, deu-se início à maior operação de combate à corrupção da história do país. Uma força-tarefa foi montada pelo Ministério Público Federal em Curitiba e o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, passou a aceitar as denúncias, julgar e condenar diversos diretores da estatal, grandes empresários brasileiros, donos ou executivos das maiores empreiteiras do país e dezenas de políticos envolvidos no escândalo. Entre 2014 e 2018, as decisões de Curitiba passaram a ter tanto peso quanto as de Brasília na política nacional.
A “República de Curitiba”, termo utilizado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para criticar a atuação da Lava Jato, caiu no gosto dos milhões de apoiadores das decisões de Moro e do trabalho da força-tarefa e a expressão virou slogan da capital paranaense, associada, por alguns anos, à cidade que iniciou o combate à corrupção sistêmica existente em todas as esferas do Poder no país. Hoje, alguns dos métodos da Lava Jato estão sendo contestados e revistos. Até a competência da Justiça Federal do Paraná para ter julgado políticos sem nenhuma ligação com o estado por crimes que teriam ocorrido em uma estatal com sede no Rio de Janeiro está sendo contestada. Mas a operação, sem dúvidas, mudou os rumos da política no país.
Roger Pereira é colunista de política da Gazeta do Povo.