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Líria correu 71 quilômetros em um mesmo dia, quando completou 71 anos.
Líria correu 71 quilômetros em um mesmo dia, quando completou 71 anos.| Foto: Paulo Sergio Viana

Líria Toyomoto mantém planos em segredo. Foi assim que ela conseguiu correr 71 quilômetros em um mesmo dia, sem que seu personal trainer, Leonardo Pontarolli, a tentasse dissuadir. A ultramaratona particular foi seu modo de comemorar os 71 anos, completos naquele dia. “Comecei umas 5h e terminei no fim da tarde. Mas logo no início da manhã, depois de eu já ter corrido um pouco, avisei o meu treinador. Aí ele foi acompanhar a minha corrida”, diverte-se relembrando.

Qualquer prova realizada por um atleta que ultrapasse os 42 quilômetros de uma maratona é o suficiente para conceder o título de ultramaratonista, mas é preciso estar em uma competição oficial. Assim, a corrida de aniversário de Líria não acrescentou uma medalha ou troféu aos 81 prêmios que ela já tem, mas lhe deu o que ela mais queria: satisfação pessoal.

Septuagenária Líria Toyomoto
Nos nove anos em que se dedica à corrida, Líria encontrou seu tipo preferido: as trilhas em meio à natureza. | Foco Radical/Divulgação

A corrida entrou por acaso na vida de Líria. Aposentada, em 2013 sua vida era a de uma pessoa com hábitos saudáveis, sem uma dedicação especial à atividade física. “Eu fazia muitas coisas a pé e me alimento bem. Mas nunca fui de praticar esportes”, diz. Sua filha, Izis Kist, é maratonista e treina desde o final da década de 1990, e resolveu inscrever a mãe em uma corrida noturna naquele ano. “Fomos eu, ela e minha neta correr cinco quilômetros nas ruas do Tarumã”, conta. Sem preparo especializado, Líria deu conta da distância alternando corrida e caminhada. “Eu nem sabia o que era pace”, comenta, rindo. “Mas sempre que começo algo, eu quero terminar”.

Nestes nove anos entre esta primeira corrida e a meia maratona que percorreu em duas horas e meia em 2022, Líria encontrou seu tipo preferido: as trilhas em meio à natureza. Nessa categoria, os obstáculos naturais do caminho – pedras, raízes, desníveis, folhas, poças e barro – exigem mais preparo físico e fortalecimento muscular para subir e descer morros preservando os ligamentos do joelho, músculos e articulações. “Tem horas que a gente tem que apoiar as mãos no chão para continuar. Andar em vez de correr. Não é um pecado dar uma caminhadinha e respeitar os limites do seu corpo”, ensina.

E é assim que ela tem vencido as distâncias: às vezes devagar, mas sempre de olhos na linha de chegada. Sua primeira maratona foi em 2019, com 69 anos. Antes disso, seu recorde pessoal era em número de provas: já disputou 33 corridas em um mesmo ano, para o desespero do treinador. “Ele me colocou de castigo por isso”, graceja. “Eu tenho feito um pouco menos de provas por ano agora porque para se preparar para maratona e corridas mais longas, tem que se preservar para dar tudo de si no dia da prova”, completa.

Determinação, disciplina e repetição são amigos de longa data de Líria. Formada em Música em Presidente Prudente-SP, sua cidade natal, e em Letras em Curitiba, Líria sempre teve método e regularidade como seus moduladores naturais. Fez inúmeros concertos em órgão eletrônico e piano, tocando em espetáculos e para eventos da Associação de Deficientes Visuais, em orquestras e atuando como regente de corais por um período e deu aula de música em diferentes escolas da capital paranaense. De ritmo ela entende.

Líria já recebeu 81 prêmios, entre troféus e medalhas, além de destaque na mídia. Ela mantém todas as lembranças e itens organizados em uma sala especial de sua casa.
Líria já recebeu 81 prêmios, entre troféus e medalhas, além de destaque na mídia. Ela mantém todas as lembranças e itens organizados em uma sala especial de sua casa. | Líria Toyomoto/Arquivo Pessoal

Líria treina pelo menos três vezes por semana no Parque Barigui, começando o dia junto com o Sol. Sua rotina está organizada em torno da corrida: é ela quem prepara todas as refeições e mantém sua casa limpa e organizada. Quando não está treinando ou se preparando para alguma prova, dedica-se ao trabalho voluntário uma vez por semana, ver as amigas e a visitar a filha em Porto União, com quem treina e se inscreve em competições quando as agendas batem. “Tem muitas famílias que praticam corrida juntos. É bonito ver pai e filho, mãe e filha, casais correndo juntos. É outro tipo de vínculo que se estabelece entre as pessoas”, analisa Líria.

Mas a maior parte do círculo social de Líria está mesmo entre os corredores, seus colegas de treino e provas. “Quando você passa muito tempo fora da cidade, você tem de recomeçar seu círculo social”, diz. Entre 1992 e 2004, ela morou no Japão. Voltou e assumiu uma vaga de professora de japonês no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná, onde ficou até se aposentar, e como professora de japonês técnico para engenheiros de uma multinacional.

Foi no exercício físico, no entanto, que encontrou o ambiente para fazer amigos e se conectar com pessoas que têm os mesmos interesses. “A única coisa que eu recomendo a todos é que não se deixem acomodar, principalmente quem entrou na terceira idade. É sempre bom buscar alguma atividade, ir a eventos, procurar um grupo. Vale a pena”, aconselha.

Outra recomendação de Líria é manter-se discreta quanto aos objetivos. “Eu gosto de planejar e fazer as coisas no meu tempo e do meu jeito. Depois eu comunico os demais”, explica. Por enquanto, correr uma ultramaratona está no horizonte de Líria, que espera as inscrições abrirem. Mas ela ainda não sabe o que fará para comemorar seus 72 anos. “Só depois que o que eu tiver planejado estiver concluído”, confidencia.

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