Identidade esculpida

Memorial Paranista é uma ode à obra de João Turin, ícone do Movimento Paranista

Yuri Casari
13/06/2022 13:40
A cada olhar para as obras de arte espalhadas pelas ruas e museus de Curitiba, há a sensação de uma conexão entre elas. Mesmo peças de diferentes épocas parecem trazer um pertencimento a esta terra, de forma que saberíamos que foram produzidas na capital das Araucárias ainda que estivéssemos em qualquer outro lugar do planeta. É bem provável que essa impressão exista graças ao Movimento Paranista, uma proposta de identidade cultural que ganhou força nos anos 1920 e que, além de uma produção prolífica, deixou marcas expressivas que influenciam gerações.
Entre os expoentes do movimento, destacam-se o trio formado por João Ghelfi, Lange de Morretes e João Turin. Os dois primeiros se especializaram em pinturas de quadros e ilustrações, e contribuíram para a criação de símbolos que percorrem o imaginário popular, como a rosácea paranista. Turin, por sua vez, ainda que também tivesse grande talento para outras práticas artísticas, se tornou o mais célebre escultor do estado. Suas obras estão por todo lugar. Bustos, estátuas e painéis em baixo relevo assinados por Turin podem ser apreciados nas principais praças curitibanas. No entanto, faltava algo que conseguisse expressar a grandiosidade do legado do artista. Em maio de 2021, o Parque São Lourenço recebeu a inauguração do Memorial Paranista, um espaço com cerca de 8 mil m² que aproxima os curitibanos de obras marcantes de Turin.
No Jardim das Esculturas, a céu aberto, estão expostas reproduções em bronze de treze obras. A mais simbólica delas é “Marumbi”. Originalmente feita em argila, a obra de 42 centímetros foi reproduzida de forma ampliada e possui três metros de altura. São duas onças em combate que alegoricamente representam o pico da Serra do Mar.
Pietá, produzida em solo francês, teve o paradeiro desconhecido por décadas até ser reencontrada em 2013.
Pietá, produzida em solo francês, teve o paradeiro desconhecido por décadas até ser reencontrada em 2013.
Os motivos animalescos, aliás, possuem distinção no vasto repertório do artista, que reproduzia onças com assombroso realismo. Outro tema bastante explorado é a cultura índigena, com destaque para a estátua do cacique Guairacá.
No prédio avermelhado, localizado de frente para as duas onças, há uma galeria com 42 peças em baixo relevo, seguida por duas salas expositivas com mais obras de Turin, como o “Homem-Pinheiro”, que traz um homem com aparente inspiração no “Homem vitruviano” de Da Vinci, rodeado por pinheiros.
Em outra sala está a imponente “Pietá”. A obra original é uma detalhada escultura em pedra de Jesus nos braços de Maria exposta na parede de uma igreja na cidade de Condé-sur-Noireau, na região francesa da Normandia.
A peça é uma homenagem aos combatentes locais mortos na Primeira Guerra Mundial, e ela mesmo foi uma sobrevivente aos bombardeios da Segunda Guerra Mundial durante a reconquista da França pelos Aliados. Havia a suspeita de que tivesse sido destruída. Em 2013, após uma pesquisa do biógrafo de Turin, José Roberto Teixeira Leite, descobriu-se que a obra estava intacta. Sua reprodução em bronze foi feita a partir de um molde coordenado pelo escultor curitibano Elvo Betino Damo. O trabalho pode ser conferido em um curta metragem intitulado “A Pietá de João Turin”, disponível no YouTube.
O Memorial Paranista, além de ser uma exposição permanente do Paranismo e da obra de Turin, segue como um espaço vivo para a produção cultural, contando ainda com o Ateliê de Esculturas, a Fundição Turin, o Liceu de Artes e o Teatro Cleon Jacques.

O olhar do fotógrafo

O “Homem-Pinheiro” é uma das mais conhecidas obras da carreira de João Turin.
O “Homem-Pinheiro” é uma das mais conhecidas obras da carreira de João Turin.
Alcançamos a metade das doze capas colecionáveis da Pinó, que apresentam obras artísticas e icônicas que embelezam e nos levam à reflexão em Curitiba. O registro é sempre do fotógrafo Leo Flores, que desta vez teve a missão de trazer um resumo das produções expostas no Memorial Paranista e ficou impactado pelo realismo das obras de Turin. “O que me impressionou foi a perfeição dos detalhes, principalmente da anatomia das onças, que estão sempre em movimento. É uma escultura muito realista”, afirmou Leo. Para compor as imagens, o fotógrafo procurou realçar esse aspecto com o uso de uma lente 100mm, focando nos detalhes das peças. “Eu tentei ressaltar a leveza, a suavidade e o realismo das anatomias”, destacou.

O artista

A reprodução de homens e animais na obra de Turin chama atenção pelo realismo.
A reprodução de homens e animais na obra de Turin chama atenção pelo realismo.
João Zanin Turin nasceu em Morretes (21 de setembro de 1878) e ainda criança se mudou para Curitiba com a família. Na capital, o filho de imigrantes italianos desenvolveu o seu talento como artista, mesmo que tivesse que trabalhar em locais insalubres na função de marceneiro e ferreiro. Em 1905, foi agraciado com uma bolsa de estudos na Bélgica. O escultor também morou em Paris por cerca de uma década, antes de voltar ao Brasil no início dos anos 1920. Ao se juntar a Ghelfi e Lange, Turin se tornou uma liderança artística madura, com uma produção fértil e grande influência sobre toda a cena cultural da época. Ele manteve intensa rotina de produção até sua morte, em 9 de julho de 1949. Deixou, inclusive, obras inacabadas, como o baixo relevo “As quatro estações”, que contou com acabamento do amigo Erbo Stenzel, autor de um busto de Turin, também exposto no Memorial Paranista.