Cotidiano de Antigamente

Memória coletiva: fotógrafos amadores ajudaram a registrar a história de Curitiba

Paulo José da Costa
12/04/2021 12:36
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Foi no distante ano de 1854 que um francês criou a “carte-de-visite”, ou uma imagem que podia ser reproduzida ad infinitum e, ao contrário dos daguerreótipos e ambrótipos que lhe precederam, ser levada no bolso e entregue como recordação a mais de uma pessoa que fosse visitada. Daí para o primeiro álbum de família foi um passo. Os álbuns dessa época tinham em seu bojo lugares específicos onde se encaixavam as cartes de visite (6x9,5 cm) e também as fotografias cabinet, que eram maiores. Essas fotos desses primórdios eram carregadas de austeridade, severidade, rostos sem sorriso, pois a ocasião era séria e ninguém desejava ser visto nos álbuns de seus parentes dando risadas. Além disso, as fotos dessa época pioneira eram quase um suplício para serem registradas, tinha que se ficar imóvel por um certo tempo a fim de registrar o material fotográfico. Mexer-se ou... sorrir, era o desastre.
Mas no final do século XIX, um raio de luz surgiu com os fotógrafos amadores. De repente as máquinas começaram a ser vendidas para todo mundo a preços “commodos”. A Kodak tinha a Brownie que custava uma pechincha. Eles tinham um slogan que era “aperte o botão e nós faremos o resto”. Isso no final do século XIX! Em poucos anos, na chamada belle époque, junto ao gramofone, o que mais se via em piqueniques eram aquelas caixinhas mágicas que registravam os momentos que mais tarde seriam reunidos em álbuns. E virou uma febre, os fotógrafos amadores - e os profissionais - começaram a registrar todos os acontecimentos. Casamentos, festas de aniversário, reuniões no campo e em clubes, carnavais, esportes, aviação, cruzeiros, tudo era motivo para alguém com uma câmera a tiracolo sair fotografando.
Agostinho Bernardo da Veiga e sua noiva Rosa Pimpão, em 1923.
Agostinho Bernardo da Veiga e sua noiva Rosa Pimpão, em 1923.
E um desses entusiasmados amadores foi Agostinho Bernardo da Veiga. Num momento da mais pura alegria recebi a doação de 7 álbuns recheados com suas fotografias, centenas, registradas por décadas, desde os anos 1910, todas com rigorosas anotações à lápis sobre os eventos e personagens. De certa maneira faz-me lembrar da prof. Julia Wanderley, que uma ou duas décadas antes também formou seus álbuns preciosos, eivados de anotações históricas.
Curityba em 1923.<br>Possivelmente Agostinho contratou um fotógrafo<br>para essa foto, uma das primeiras aéreas da cidade.
Curityba em 1923.<br>Possivelmente Agostinho contratou um fotógrafo<br>para essa foto, uma das primeiras aéreas da cidade.
São documentos que testemunham o que foi aquele tempo na velha Curityba, mas não só isso: há cenas de Castro, Ponta Grossa, Paranaguá, Ilha do Mel, Araucária, S. J. dos Pinhais... Há de tudo, o “rink” de patinação do antigo Internacional, jogos de basket-ball entre moças, os primeiros alunos da antiga Escola Agronômica do Paraná, motocicletas, as comemorações do centenário da independência, em 1922, os estádios do Corityba, do Internacional e, depois de 1924, do Athletico, bailes e mais bailes, num delicioso registro da vida social dos clubes Thalia, Selecto, Curitibano... Agostinho foi um dos homens mais interessantes de seu tempo, de memória prodigiosa (confira o artigo sobre ele no Boletim do Inst. Histórico nr. 48, aquele dos 300 anos da cidade), diz-se que costumava dormir às quatro horas da manhã… Professor catedrático, agrônomo, dentista (seu gabinete ficava na rua XV, em cima da Confeitaria Schaffer), com larga vida social e esportiva, incentivou e participou da fusão entre os times do Internacional e América, que gerou o Athletico Paranaense, em 1924. Articulou com Joaquim Américo a doação do terreno para o clube, do qual foi também ativo presidente. Foi o responsável pela construção da sede do Clube Thalia, ali na Comendador Araújo, inaugurada durante sua gestão como presidente, em 1942. Além de tudo, pessoa agradável, afável, de prosa rica e interessante.
A primeira turma de alunos da Escola Agronômica do Paraná em 1920.
A primeira turma de alunos da Escola Agronômica do Paraná em 1920.
Os álbuns de Agostinho Bernardo da Veiga são perene fonte de informação visual da história da cidade e do Paraná. Estou feliz por tê-los recebido e poder divulgá-los como merecem. Nesta matéria convido para uma viagem onde destaco para o leitor algumas imagens de interesse do primeiro álbum, com fotos dos anos 10 e 20 do século passado.
A pandemia obriga-nos ao recolhimento entre quatro paredes, aos afazeres domésticos, televisão, internet , um bom livro... Nessa busca pelo que fazer, fatalmente iremos nos debruçar nos guardados em armários, nos jogos de mesa, nos pacotes de cartas, nos álbuns de fotografias... Tremo ao pensar que muitos estejam a vasculhar guarda-roupas e sótãos, e que possam num gesto de futuro arrependimento, colocar em sacolas de lixo-que-não-é- -lixo as fotografias que alguém guardou com amor e que, aos olhos de um insensível e apressado não têm significado algum... Fotos e outros papéis de memória são documentos importantes para a história. Fotografias dos antigos não pertencem apenas aos seus familiares mas à coletividade, pertencem à memória coletiva da cidade. Meditem sobre isso.
Paulo José da Costa nasceu em 1950 em Ponta Grossa, é comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.