Transtorno do Espectro Autista

Em quadrinhos, psicóloga apresenta o autismo de forma descomplicada e divertida

Monique Portela, especial para a Pinó
25/06/2021 10:00
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A psicóloga Aline Provensi sempre achou mais fácil compreender o mundo a partir das imagens. E no dia a dia da profissão, trabalhando principalmente com pessoas neurodiversas, ela percebeu que seus pacientes também tinham mais facilidade com os desenhos. Assim, essa foi a linguagem escolhida para seu projeto de desmistificação do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Tirinhas da Sara.
A partir de histórias em quadrinhos desenhadas e roteirizadas por Aline, a psicóloga, que também é autista, apresenta o autismo de forma descomplicada e divertida. “Quanto mais a gente desmistificar e simplificar, mais todo mundo vai saber o que é, como agir, e assim vamos poder transformar a sociedade”.
Aline Provensi é a<br>psicóloga por trás do Tirinhas da Sara, página<br>do Instagram que logo mais vai virar um livro de<br>quadrinhos e teoria sobre o TEA.
Aline Provensi é a<br>psicóloga por trás do Tirinhas da Sara, página<br>do Instagram que logo mais vai virar um livro de<br>quadrinhos e teoria sobre o TEA.
Hoje, o @tirinhasdasara soma quase 10 mil seguidores no Instagram, que são dos mais diversos perfis. Há colegas da área da saúde, pedagogos, professores, pessoas autistas, pais, cuidadores, e até quem nunca teve contato com o tema, mas foi impactado pelo carisma da protagonista Sara, uma menina autista de 9 anos. “Eu tento deixar de um jeito acessível, que mesmo quem não conheça sobre o autismo, não conheça ninguém com autismo e não tenha interesse no tema, ache legal a reflexão.”
As histórias trazem desde explicações sobre o que é o autismo até questões mais específicas, como hiperfoco, rigidez cognitiva, percepção temporal e outros temas que fazem parte da vida de pessoas neurodiversas. A maior parte das situações retratadas derivam de experiências dos pacientes de Aline, que depois são incorporadas às histórias de Sara. O principal objetivo, além de informar, é combater uma série de estigmas e preconceitos que, infelizmente, ainda povoam o imaginário popular sobre a vivência autista.

Mitos sobre o autismo

Entre os principais preconceitos, Aline aponta para a suposta existência de características específicas que definiriam se uma pessoa é ou não autista. “Aquele famoso ‘cara de autista’, ‘comportamento de autista’. Na verdade, isso não existe, porque o autismo é uma combinação de muitos fatores e características, é um espectro”, afirma. “Aí o problema é que vêm muitos mitos juntos: ‘autista não fala’, ‘autista não olha no olho’, ‘autista não tem empatia’”. Esse tipo de percepção, afirma a especialista, acaba reproduzindo estereótipos que estigmatizam, invisibilizam e invalidam pessoas autistas que não se encaixam em características específicas.
Isso acaba dificultando o diagnóstico, principalmente em meninas. Nisto reside a principal crítica da psicóloga ao “abril azul”, uma campanha que, ao buscar promover conscientização sobre o tema, acaba perpetuando um estereótipo que resulta no subdiagnóstico de meninas. “A problemática do 'abril azul' é baseada em um mito muito intenso de que o autismo é muito comum em meninos, mas em meninas seria muito raro, e se acontecesse, teria deficiência intelectual associada”, aponta Aline. Ela enfatiza que, na realidade, os critérios diagnósticos usados para caracterizar o autismo geralmente têm homens e meninos como referência, o que acaba invisibilizando as características manifestadas pelas meninas. Por conta da diferença na socialização entre homens e mulheres, uma menina acaba apresentando características mais internalizantes do que externalizantes. Assim, as manifestações em meninas e mulheres precisam ser muito mais evidentes para serem diagnosticadas. Por isso, Sara não apenas é uma menina, como também é negra, em um esforço consciente para trazer visibilidade sobre populações subnotificadas.
Outro mito bastante comum é pensar que o autismo seja uma doença, o que cria um caminho lógico para pensar em formas de “cura” ou possibilidades de “sair do espectro”. O autismo, porém, é apenas uma estrutura cerebral diferente. Não é algo a ser mudado, e sim mais uma das centenas de diferenças que cada ser humano carrega consigo e precisa, portanto, ser respeitada. Nessa perspectiva, a terapia não serve, de forma alguma, para transformar pessoas neurodiversas em neurotípicas. O objetivo é “ensinar estratégias para que cada um possa lidar com as próprias características, diminuir suas dificuldades e expandir seu potencial”, conforme escreve Aline no texto de apoio de uma de suas tirinhas.
A personagem Sara é uma menina autista de 9 anos que fala sobre suas<br>vivências.
A personagem Sara é uma menina autista de 9 anos que fala sobre suas<br>vivências.

A importância do diagnóstico

Mesmo que tardio, o diagnóstico tem um papel fundamental, segundo a especialista. Na perspectiva jurídica, ele permite que as pessoas autistas tenham acesso aos seus direitos, como o aparato de leis que as protegem contra o preconceito; inclusão social, desconto em impostos, entre outros. Já na perspectiva social, o diagnóstico colabora para o senso de pertencimento e o desenvolvimento emocional. “Pessoas autistas geralmente crescem achando que são de outro planeta. Quando elas têm acesso ao diagnóstico, elas têm acesso a uma comunidade autista, a uma identidade”, aponta Aline.
Por fim, o diagnóstico também é muito importante para a autoaceitação. “É perceber que eu não faço isso porque sou preguiçoso, por exemplo, mas porque tenho características neurológicas diferentes. Ele ajuda você a entender e aceitar os seus próprios limites”, expõe a psicóloga. “Muitas pessoas autistas, eu inclusa, não conseguem respeitar seus limites, porque ouviram a vida toda que não tentaram o suficiente, são preguiçosos. E aí chegam as doenças psicossomáticas, como gastrite, o pacote completo. Ou, ainda, muitas pessoas autistas acabam desenvolvendo quadros depressivos, de ansiedade. O índice de suicídio em pessoas autistas é muito alto também, infelizmente”, completa.

Livro a caminho

Com o sucesso das tirinhas na internet, Aline juntou-se à colega Kamylla Borges, também psicóloga e autista, para desenvolver um livro que trará não apenas as tirinhas — muitas delas, reelaboradas —, mas também conteúdo teórico e experiências pessoais. “É mais um tira-dúvidas. Algo que vai guiar tanto profissionais quanto pessoas que não conhecem sobre autismo, pessoas autistas, cuidadores, pais e mães”, explica. O livro será lançado a partir de um financiamento coletivo, que irá ao ar nas próximas semanas. Para não perder, é só seguir o Instagram @tirinhasdasara!