Perfil

Washington Takeuchi: de engenheiro a cozinheiro e fotógrafo não oficial da cidade

Paulo Semicek, especial para a Pinó
20/03/2021 13:21
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Washington já postou em seu blog Circulando por Curitiba mais de 10 mil registros da cidade.

Washington Takeuchi é homem de muitos talentos. Aos 54 anos, casado há 26 e com quatro filhos, fez a carreira como engenheiro de telecomunicações, mas só uma ocupação não era o suficiente. Para descobrir as belezas de Curitiba e os mistérios da gastronomia japonesa, Washington se divide entre a câmera fotográfica e a cozinha.
Washington já postou em seu blog Circulando<br>por Curitiba mais<br>de 10 mil registros<br>da cidade.
Washington já postou em seu blog Circulando<br>por Curitiba mais<br>de 10 mil registros<br>da cidade.
Washington é curitibano por adoção. Nascido em Mandaguari, no Norte do Estado, ele veio para a capital ainda menino, em 1978, mas mesmo antes da sua mudança, a cidade já lhe encantava. “Meus pais tinham um apartamento no Edifício Asa, onde minhas cinco irmãs vieram, uma a uma, para estudar e entrar na faculdade. Nas férias, eu vinha com meus pais para Curitiba e, desde a primeira visita, me apaixonei pela cidade e as novidades que deixaram aquele pequeno pé- -vermelho de queixo caído”, relembra o hoje aposentado.
O encantamento com a cidade se uniu a outro interesse do engenheiro: a fotografia. Depois de morar por dois anos no Japão na década de 1990, ele trouxe na bagagem uma câmera profissional, que passou a utilizar eventualmente. Mas foi em 2009 que a ideia de fotografar Curitiba se concretizou. “Estava pesquisando sobre Nova York e encontrei um blog que fazia parte de uma comunidade de autores, que publicavam diariamente uma foto das cidades onde moravam. Me tornei amigo da autora de Nova York e ela sugeriu que eu fizesse o mesmo, mas para Curitiba”.
Washington seguiu o conselho e deu início ao seu blog, o Circulando por Curitiba. Hoje com mais 4 mil postagens, 10 mil fotos publicadas e uma média de 800 visitas por dia, a iniciativa é uma constante na sua vida. “Uniu duas paixões minhas: Curitiba e fotografia. Desde então, praticamente todos os dias tenho publicado uma foto de minha autoria acompanhada de um texto, tendo a cidade como protagonista”, conta o engenheiro-fotógrafo.

O fotógrafo não oficial de Curitiba

Mas afinal, o que Washington tanto fotografa nas ruas da capital? Para ele, tudo em Curitiba pode valer uma foto, desde um bueiro do século passado até uma das casas de madeira que ainda existem na cidade. “Parques, praças, pessoas usufruindo dos lugares, qualquer coisa pode prender o meu olhar. Minha paixão por Curitiba é o que me inspira. Algumas vezes escolho o que fotografar, como bens tombados, coisas que leio em livros e jornais ou dicas de amigos. Mas muitas fotos vêm até mim inesperadamente, basta circular pela cidade e estar atento.”
Com um bom número de visitantes, o Circulando por Curitiba já registrou cerca de 5 mil comentários com diversas contribuições para o trabalho de Washington: histórias de locais fotografados, sugestões de lugares e até pedidos de uso das imagens em trabalhos de faculdade.
As andanças pela cidade renderam tantas fotos que apenas o blog não foi o suficiente para Washington. Os registros da cidade do coração se transformaram em dois livros: o “Circulando pela Arquitetura Modernista de Curitiba”, lançado em 2016 com fotos de casas e prédios de estilo modernista na capital, e o “Saudade do Ninho”, de 2018, que traz uma série de casinhas de madeira da cidade, que mostram uma ligação afetiva do engenheiro com esse tipo de construção. “Nasci e morei numa casinha de madeira no Norte do Paraná. Além disso, percebi que, toda vez que publicava uma no blog, as reações das pessoas eram imediatas, sempre nostálgicas”. Seu olhar atento à paisagem urbana também fez com que fosse chamado para colaborar com o livro "Prédios de Curitiba". O projeto foi idealizado pelo arquiteto Guilherme de Macedo com pesquisa de Fábio Domingos Batista.
“Parques, praças, pessoas usufruindo dos lugares, qualquer coisa pode prender o meu olhar. Minha paixão por Curitiba é o que me inspira.”

A Curitiba que Washington viu crescer

A cidade que o engenheiro aposentado enxerga através das suas lentes pode passar despercebida aos olhos de muitos curitibanos, mas para Washington, esses lugares, que estão no dia a dia das pessoas, podem dizer muitas coisas. “A cidade conta inúmeras histórias em cada fachada, em cada detalhe das casas, em cada árvore altiva, em cada pedra das calçadas. Com calma, atenção e amor, podemos escutar essas histórias que, somadas, fazem a cidade que vivemos”. Nem mesmo a pandemia, que ele diz ter afetado seu trabalho com o blog, o impediu de ver a beleza nos detalhes de Curitiba. “Passei a circular muito menos, mas nas poucas vezes que circulei, lugares por onde já havia passado me pareceram ainda mais especiais.”
A Curitiba pela qual o menino Washington se encantou na infância era diferente da metrópole onde o pai de família vive hoje. Em 1978, dados do IBGE estimavam a população da capital em 765 mil habitantes; hoje, Curitiba conta com aproximadamente 1,9 milhão de pessoas, segundo o mesmo instituto. “Curitiba cresceu muito, adensou muito e junto vieram os problemas da cidade grande: congestionamentos, insegurança, pessoas em situação em rua”, analisa o curitibano por adoção. Porém, apesar das complicações, ele ainda vê muito da cidade que conheceu há 43 anos. “De certa forma, ela continua a mesma. Acolhedora, acolhedora, nunca foi muito, mas é um lugar para se descobrir aos poucos”.
Ainda que Curitiba seja parte fundamental da sua vida, há espaço para outros lugares e outros interesses na vida do engenheiro e fotógrafo. Aquele tempo vivido no Japão, entre 1991 e 1992, não seria sua última vez do outro lado do mundo. Depois que se aposentou, ele voltou ao país para se aprofundar em uma nova paixão: a gastronomia, somando o título de cozinheiro ao seu conjunto de habilidades.

O cozinheiro que descobriu os segredos do Ramen

Engenheiro por quase 30 anos, Washington começou a pensar em outras carreiras quando a aposentadoria se aproximou. A fotografia era uma paixão, que ele manteve firme com o Circulando por Curitiba e os livros. Mas, segundo ele, há uma falta de viabilidade no Brasil para se trabalhar como fotos autorais e documentais, sua área preferida.
“Gastronomia sempre foi uma área do meu interesse”, começa Washington. Quando chegou o momento de deixar a engenharia, ele escolheu a cozinha já com um plano na cabeça e prato para se especializar: o ramen, que somente no Brasil é chamado de lamen. “Fiz um curso de ramen com um chef brasileiro, o que me ajudou a escolher a gastronomia. Defini então um plano: entraria em um curso de chef e imediatamente depois iria para o Japão para me especializar no ramen”, relembra. Começava ali uma jornada que levaria Washington de volta ao país oriental depois de 27 anos.
O ramen é um prato que combina massa, caldo, temperos e uma variação de ingredientes. Popular no Japão, ele é original da China, trazido por viajantes e adaptado de tantas formas que hoje é considerado um prato tipicamente japonês. A viagem de Washington, portanto, serviu para se aprofundar nos segredos do prato.
O ramen, tradicional prato de origem oriental,<br>combina massa, caldo, temperos e uma variação de ingredientes.
O ramen, tradicional prato de origem oriental,<br>combina massa, caldo, temperos e uma variação de ingredientes.
Ao todo, foram três semanas de viagem pelo Japão em agosto de 2019, duas delas na escola de ramen em Kanagawa, onde aprendeu os segredos e receitas possíveis do prato. “Por ser relativamente novo, ele é aberto às interpretações de cada chef, mas há elementos básicos que são sempre respeitados: caldo, tarê (molho), macarrão alcalino, óleo aromatizado e os toppings”, conta Washington.
Para completar sua aventura, ele aproveitou o restante da estadia experimentando diferentes receitas. “Fiquei mais uma semana em Tóquio, no bairro de Shinjuku, onde o meu objetivo era o de conhecer tantas casas de ramen quanto possível. Comi muitos e, claro, visitei vários pontos turísticos.”

A gastronomia trazida na bagagem

Quando voltou ao Brasil, Washington trouxe muitos aprendizados e ideias para preparar o ramen. “Aprendi a construir as receitas básicas, a respeitar cada elemento, mas com possibilidades de agregar meu repertório. E, assim como na primeira viagem ao Japão trouxe uma câmera, dessa vez também veio uma máquina na bagagem. "Do Japão, importei uma máquina específica para fazer a massa, que seria difícil de fazer manualmente com a qualidade necessária.”
O aperfeiçoamento no preparo do ramen é uma forma de Washington compartilhar seu interesse pela gastronomia com mais pessoas, a começar pelo filho mais novo. “O Guilherme é formado em Gastronomia e é o meu grande parceiro nessa história, muito por causa dele que eu estou nessa. Portanto, o Takeuchi Ramen é, primordialmente um projeto de pai e filho”, ressalta o cozinheiro se referindo ao projeto gastronômico que começou em 2019, quando Washington apresentou seus ramens a Curitiba no restaurante Oidē.
Junto com o filho Guilherme, Washington prepara o ramen.
Junto com o filho Guilherme, Washington prepara o ramen.
O Takeuchi Ramen, restaurante que Washington pretende abrir, ainda não é uma realidade por causa da pandemia, mas parcialmente ele já cumpre sua promessa: em agosto do ano passado, abriu o seu delivery de ramen, com reservas antecipadas e entrega às sextas e sábados.
“Nosso delivery tem o conceito ‘do it yourself’: o ramen é enviado ao cliente desconstruído: sopa em pote, toppings em outro e o macarrão em um pacotinho, tudo para ser finalizado na casa do cliente”, explica o cozinheiro. As receitas variam semanalmente e se baseiam no que ele aprendeu no Japão, com toques especiais da casa e opção vegetariana. “Cada um tem seus desafios e a atenção aos detalhes é indispensável”, afirma o cozinheiro. Desde que começou, o Takeuchi Ramen já entregou cerca de 1500 porções de ramen, cujas reservas se esgotam em minutos, segundo Washington.
Como cozinheiro, Washington Takeuchi acrescenta outro talento além da engenharia e da fotografia. Dessa forma, o menino de Mandaguari retribui o encantamento que sentiu por Curitiba, a cidade onde construiu sua história, faz suas fotografias e o seu ramen, este último com uma ajudinha da terra do sol nascente.