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O tenente Airton (nome fictício) tem a identidade tão preservada que chega a ser revistado por outros PMs quando está infiltrado | Albari Rosa/Gazeta do Povo
O tenente Airton (nome fictício) tem a identidade tão preservada que chega a ser revistado por outros PMs quando está infiltrado| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Desde que assumiu o posto que ocupa, Airton (nome fictício) perdeu a conta de quantas vezes foi alvo de batidas policiais. Ter de colocar as mãos na parede e ser revistado virou rotina. Situação completamente inversa de três anos atrás, quando era Airton quem revistava os suspeitos.

Ao contrário do que se possa imaginar, Airton não é mais um policial que mudou de lado. Ele não passou para o mundo do crime. Pelo contrário. Por ter a reputação ilibada, entre suas funções está justamente a de investigar denúncias de desvio de conduta de integrantes da corporação. E não só. Ele também se infiltra entre criminosos em busca de informações que os levem à prisão.

Por isso, nem mesmo os próprios colegas de profissão sabem que Airton é policial – o que o leva a passar por situações como a citada acima, de ser confundido com a bandidagem. Tudo porque Airton, ou, melhor, o tenente Airton não pode ser reconhecido. Afinal, ele integra a Polícia Militar que ninguém vê: o Serviço de Inteligência (P2).

Também conhecido como Serviço Reservado ou Velado, os policiais da P2 têm basicamente duas funções. Uma é levantar em campo informações para que o comando planeje ações policiais, como a prisão de criminosos, apreensão de drogas ou desocupação de uma área. Dessa forma, policiais à paisana sempre vão antes ao local para colher dados. A partir do relatório da P2, o comando planeja quantos policiais participarão da operação, qual o melhor horário para empreendê-la, quais equipamentos serão utilizados, entre outras decisões que farão com que a ocorrência seja executada com o mínimo de imprevistos.

Para colher informações, o policial do Serviço Reservado usa dos mais variados subterfúgios. Os disfarces vão de morador de rua viciado a frequentador de festas da alta sociedade. "Se o policial fosse fazer esse levantamento fardado, não conseguiria êxito. Em uma área comandada pelo tráfico, por exemplo, o cidadão não vai passar informações à polícia porque pode ficar visado e sofrer retaliações dos criminosos. Já se o policial vai descaracterizado, a possibilidade de se colher informações é muito maior, muitas vezes só ouvindo o que os moradores comentam, sem nem precisar se identificar", explica o comandante da P2, que por motivos de segurança também não pode ter o nome revelado.

A outra função da P2 é averiguar a veracidade de denúncias contra PMs. Nos dois últimos anos, 99 policiais militares do Paraná foram expulsos da corporação – na maioria dos casos, resultado do trabalho da P2. E aí o anonimato vale o dobro. "Já tive companheiros que tiveram que se mudar de casa por conta de ameaças após investigações de desvio de conduta de membros da corporação", exemplifica o tenente.

Para preservar a identidade, somente em último caso os integrantes da P2 participam da captura dos criminosos, deixando este serviço a maioria das vezes para os policiais fardados. "Mas se na hora percebemos que não haverá outra chance de pegar o criminoso, somos obrigados a agir. Só que para isso o policial tem que ter certeza total, não pode falhar", enfatiza o tenente.

Risco

Quando entrou para a P2, há três anos, Airton sabia de todos os riscos. E o segredo para amenizá-los, aponta, está na atenção constante. "Não se pode ter a autoconfiança de pensar que nunca vai ser descoberto", afirma o tenente, que assim como todos os integrantes da P2, teve a vida pregressa na PM investigada antes de entrar para o Serviço Reservado. "Ao menor indício de algo errado, o candidato é descartado", enfatiza o comandante da P2.

No dia-a-dia do Serviço de Inteligência, Airton afirma que a adrenalina é muito mais intensa do que no trabalho ostensivo. Como quando participou da prisão de um traficante. Durante a investigação, faltava descobrir o endereço do suspeito. Airton e um companheiro começaram a circular pelo bairro em busca de informações, quando se envolveram em um acidente de trânsito. Para surpresa do tenente, o próprio alvo das investigações prestou atendimento às vítimas. "No primeiro momento, ficamos apreensivos, porque estávamos com armas no carro e o disfarce seria facilmente desmascarado. Mas na sequência ele mesmo se dispôs a nos levar até sua casa para tomarmos água. Era o que precisávamos." No dia seguinte, a PM prendeu o traficante com 14 quilos de cocaína.

O tenente lembra também da prisão de um policial. Outro traficante preso reclamou ter tido um objeto de valor extraviado durante a ação policial. Ao levantar informações, a P2 descobriu que o objeto fora extraviado por um dos PMs que participou da ação. "Aprofundamos a investigação e dois dias depois prendemos o policial."

Sobre a sensação de auxiliar na exclusão de policiais que cometem crimes, o tenente diz ser a mesma de quando descobre que uma denúncia contra um colega de trabalho é infundada: justiça. "Nesse caso, nossa função não é apenas ajudar a tirar da corporação o mau policial, mas também comprovar que o bom policial, acusado injustamente, não fez nada de errado."

Serviço

Denúncias contra policiais militares podem ser feitas nos respectivos batalhões em que o suspeito está lotado, pelos telefones 181 (narcodenúncia) ou 0800-6437090, na Agência de Inteligência no quartel geral da PM ou pelo site da Ouvidoria-Geral do Estado (www.ouvidoria.pr.gov.br )

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