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Tradição - Lojas do Pedro continua no ramo

Curitiba – As Lojas do Pedro não mudarou de nome depois do escândalo político em que esteve envolvida no início dos anos 90. O ramo de trabalho também continua o mesmo: venda de utensílios domésticos e brinquedos. Em dois endereços em Curitiba – uma na Rua Voluntários da Pátria e outra na General Carneiro –, ela não tem o mesmo movimento da época do caso Alceni Guerra, talvez por conta da invasão das lojas de produtos importados que tomaram o centro da cidade.

O fundador da loja, o Pedro que dá nome aos estabelecimentos, morreu há dois anos. Depois disso, quem assumiu o negócio foi um dos filhos que evita contato com a imprensa e deseja esquecer de vez o caso Alceni.

Caroline Olinda

Estigma em duas rodas

As bicicletas marcaram a trajetória pessoal e política de Alceni Guerra. A denúncia que desencadeou toda a crise no Ministério da Saúde estava ligada à suposta compra superfaturada de 23 mil delas pela Fundação Nacional da Saúde. Dias depois da reportagem do Correio Braziliense que denunciava a possível irregularidade, ele sofreu o que considera ter sido o golpe mais duro ao ser flagrado por fotógrafos pedalando com o filho Guilherme, então com 11 anos, em um parque da capital. Por último, ao desviar de um ciclista embriagado, em 2005, sofreu um acidente de carro que o deixou sete meses internado.

"Só quem sofre uma ataque pessoal da maneira como aquele causado pelas fotos com o meu filho sabe a dor que isso causa. Por causa da gozação dos colegas, ele teve que trocar de colégio", recorda. A perseguição à família, entretanto, não parou por aí. Nas comemorações do primeiro Dia dos Pais após o início do escândalo, ele foi convidado a participar de uma cerimônia na escola da filha Ana Sofía, então com 4 anos. "O meu presente era um cartaz com as reportagens mais pesadas contra mim. Imagina o absurdo de fazer isso com uma criança que não sabe ler."

Sobre o acidente, que lhe rendeu 52 fraturas em todo corpo, Alceni lembra de um episódio curioso. "No meu último dia de hospital, recebi uma ligação de uma repórter. Ela me perguntou assim: ‘Se você tivesse de escolher entre passar por outro escândalo sendo inocente ou sofrer mais de 50 fraturas, qual seria a opção?’ Nem precisei pensar para dizer que preferia a segunda opção." (AG)

Brasília – Nenhum político do Paraná teve tanto poder no cenário nacional quanto Alceni Guerra. No começo dos anos 90, ele comandava dois ministérios, um orçamento anual de US$ 30 bilhões e despontava como principal nome para a sucessão de Fernando Collor de Mello. Nenhum outro representante do Paraná sofreu um tombo tão grande quanto Alceni, massacrado durante 11 meses pela mídia, rotulado como símbolo da corrupção junto aos filhos, e obrigado a recomeçar do zero, como prefeito de Pato Branco.

A reviravolta na vida do médico do interior que trocou o consultório pelos palanques eleitorais completa 15 anos. Alceni caiu do céu, foi ao inferno e hoje encontra-se na mesma Câmara dos Deputados do início da carreira, em 1982. Aos 62 anos, pode não ter reconquistado o topo, mas recuperou a dignidade e a admiração dos colegas.

"Ele fechou o ciclo, deu a volta por cima e uma lição para todos nós", diz o companheiro de partido (DEM), deputado Eduardo Sciarra. Apesar da idade e dos desgostos do passado, Alceni é o recordista de presença em plenário entre os deputados paranaenses. Dos 105 dias com sessões deliberativas neste ano, esteve em 102.

O parlamentar é referência nas discussões sobre saúde. Vice-presidente da Comissão de Saúde e Seguridade Social, é um dos poucos oposicionistas que têm voz nas discussões da Emenda 29. A proposta, que deve ser votada nesta semana, amplia recursos e define critérios para gastos públicos no setor.

"A emenda é insuficiente para resolver o problema do país", decreta Alceni. Mentor do Sistema Único de Saúde (SUS), ele critica a falta de interesse do governo em priorizar a área. "O poder público existe para garantir no mínimo saúde, educação e segurança. É preciso gastar."

As palavras têm um quê de nostalgia. Representam um resgate histórico da carreira deputado. Em 1990, após importante participação nos bastidores da campanha que elegeu Collor, ele foi nomeado ministro da Saúde. Também encampou outra pasta estratégica, o Ministério da Criança.

Aos poucos, Alceni transformou-se no principal nome do primeiro escalão federal. Ele lembra de cabeça do dia 19 de outubro de 1991, quando foi chamado para uma conversa na Casa da Dinda. "O Collor chegou para mim e disse: perca o sotaque paranaense, visite a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o Supremo Tribunal Federal e outras dez entidades importantes. Você será o meu candidato a presidente."

Em um mês, todas as tarefas estavam cumpridas. Mas Alceni não recebia apenas missões fáceis. O ministro foi escolhido como articulador político do Palácio do Planalto para resolver duas questões complexas e prioritárias: brigar pela mudança do sistema político para o parlamentarismo e aproximar-se do governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola.

A primeira ficou distante porque a segunda foi bem executada. Collor precisava de Brizola para realizar a Eco-92, rebatizada como Rio-92. "O evento saiu, mas custou a construção da Linha Vermelha, da Amarela, a rolagem da dívida do metrô, a renegociação da dívida do Banerj e a despoluição da baía de Guanabara."

O mais, caro, porém, teria sido a simbologia dessa aproximação. Alceni afirma que todos os grandes veículos de comunicação tinham sérios problemas com Brizola. A principal disputa ocorria entre o governador e o dono da Rede Globo, Roberto Marinho.

"O que ninguém entendia era que eu estava trabalhando pela minha candidatura e não pela do Brizola", conta. De "queridinho" da mídia, ele lembra ter se transformado em "perseguido" por qualquer acusação. Ao todo, foram 30 suspeitas de irregularidades, nenhuma delas comprovada.

As acusações contra o paranaense despontaram em dezembro de 1991. Dois meses depois, ele deixou os ministérios. "Achei que se ficasse no cargo ia levar o governo inteiro para a crise. Só que as denúncias, por mais estapafúrdias, continuaram mais nove meses, até o impeachment. O problema em si era com o presidente, e não comigo."

A história, segundo ele, poderia ter servido de exemplo neste ano para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). "O Renan não estava envolvido em um contexto maior e só saiu das primeiras páginas quando deixou a cadeira de presidente. Se tivesse se afastado do cargo logo na primeira denúncia, teria se defendido com mais calma."

Execrado em 1992, Alceni teve de recomeçar do nada. Quatro anos depois, conseguiu eleger-se prefeito de Pato Branco. Orgulha-se de ter deixado a cidade com 104 cursos superiores e a "melhor educação básica do Paraná."

Desistiu da reeleição para ser chefe da Casa Civil do governador Jaime Lerner. Em 2002, tentou sem sucesso eleger-se deputado federal. O mandato só veio após mais quatro anos no ostracismo.

De volta a Brasília, tem na ponta da língua a resposta para tanta persistência. "Achei que ia ser resgatado pela imprensa depois que ficou provado que eu era inocente. Até pensei em processar jornais, mas achei melhor não. Passei por tudo e sigo em frente porque quero provar por meus próprios meios que não serei lembrado como corrupto, mas como aquele que lutou pelo ensino integral, que montou o SUS."

Sobre o futuro, Alceni é discreto. E, a propósito, não perdeu o sotaque e promete não lutar contra ele. Talvez tenha sido a única tarefa deixada de lado desde os velhos tempos.

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