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Terminal do Porto de Paranaguá. | André Kasczeszen/APPA
Terminal do Porto de Paranaguá.| Foto: André Kasczeszen/APPA

Em delicada situação fiscal provocada pela forte recessão e pelo alto endividamento turbinado por grandes eventos públicos, os estados seguiram os tristes passos do governo federal e cortaram quase R$ 23 bilhões em investimentos em 2017 na comparação com o teto de 2014. Os dados constam de relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado. É quase como se tudo o que é gasto com o programa Bolsa Família em um ano fosse retirado da economia.

Em maior ou menor intensidade, o estrago foi generalizado e atingiu 25 das 27 unidades da federação. As exceções foram Paraná e Rondônia.

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O Paraná, principalmente, teve uma taxa de crescimento robusta para o momento. O estado cresceu 16,1% entre 2014 e 2017 em investimentos. Mas, para chegar lá, o caminho foi doloroso.

O então secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, diz que o Paraná conseguiu reorganizar suas contas porque iniciou o ajuste antes dos outros estados, ainda em 2014. Mas que isso aconteceu à custa de uma “briga grande”.

Em abril de 2015, a tropa de choque da Polícia Militar reprimiu com violência professores e alunos paranaenses que se manifestavam contra proposta do então governador Beto Richa (PSDB) de aumentar a contribuição previdenciária dos funcionários. Richa deixou o governo do Paraná para concorrer a uma vaga no Senado.

O governo viu aprovada a alíquota de contribuição à Previdência dos inativos de 11%. Houve ainda a elevação das alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços) e IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores).

O Paraná acumula também uma longa lista de medidas impopulares, como suspensão de contratações, congelamento de salários de funcionários públicos e revisão de benefícios fiscais. Foram retirados incentivos sobre a produção de etanol, do setor têxtil e da mandioca.

Cenário nacional

Nacionalmente, a recessão econômica a partir de meados de 2014 atingiu fortemente a arrecadação de tributos de União, estados e municípios, interrompendo uma trajetória de elevação dos gastos que começou logo depois da crise de 2008.

Sem autonomia legal para mexer em despesas fixas e onerosas, como a folha de pagamento, puniu-se o investimento. Mas, como esse item é considerado crucial para a recuperação da economia, a sua queda acaba colocando em xeque o já lento processo de retomada.

No caso específico dos estados, reduzir investimentos significa postergar projetos de construção de escolas e hospitais e provisão de equipamentos, além de paralisar obras como pontes e rodovias.

Das áreas sociais, a segurança pública é a mais atingida, agravando o quadro atual de vulnerabilidade. Em Minas Gerais há quase 1,2 mil obras paradas, e o Rio de Janeiro sofre com o menor nível de investimento da década.

“Cortar investimentos é uma espécie de suicídio dos estados, que ficarão ainda menores nos próximos anos”, afirma José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre-FGV e professor do Instituto de Direito Público. “O investimento de hoje dita o tamanho do estado no futuro.”

A tesoura pesou especialmente em cinco estados, três deles da região Sudeste. Sem surpresas, o Rio de Janeiro puxou a fila. Após um período de fortes gastos alimentados por receitas com o petróleo e empréstimos autorizados pelo governo federal, o estado praticamente parou em 2017.

Ao longo de todo o ano passado, os investimentos somaram apenas R$ 987 milhões, ou R$ 6,6 bilhões abaixo do registrado em 2014.

Desde então, os investimentos no Rio caíram em média 52,7% ao ano, descontada a inflação. O estado em situação mais frágil foi seguido pelo Acre (-40,4%), Espírito Santo (-39,1%), Amazonas (-36,8%) e Minas Gerais (-34,5%).

Na outra ponta, aparecem o Paraná, com uma taxa de crescimento robusta para o momento, de 16,1% entre 2014 e 2017, e Rondônia, com alta de 0,8% dos investimentos no período. Além disso, dois estados do Nordeste e outro do Sul conseguiram barrar quedas muito fortes da rubrica.

No caso do Rio Grande do Norte, o investimento encerrou o período de ajuste praticamente estável, segundo dados da IFI.

Minas Gerais

A falta de dinheiro para investimento afeta a vida dos mineiros. Relatório inédito do Tribunal de Contas do Estado (TCE) identificou 1.188 obras paralisadas atualmente em Minas Gerais.

Desse total, 438 (37%) esperam recursos estaduais – em parceria com as prefeituras – para a conclusão. Outras 24 são de responsabilidade exclusiva do governo mineiro.

Em Mateus Leme, distante 65 quilômetros de Belo Horizonte, a construção da UBS (Unidade Básica de Saúde) no bairro Nossa Senhora do Rosário foi iniciada em 2012 e está paralisada, com 36% da obra realizada.

“Está tudo abandonado. O local virou ponto para usuários de drogas”, diz o comerciante Ronaldo Nunes de Morais, morador do bairro.

A outra unidade de saúde do bairro, segundo Morais, é insuficiente para atender os moradores da região.

Ele recorda de quando acompanhou o primo até o local, durante uma crise alérgica. Procuraram o equipamento de saúde, mas não conseguiram atendimento. “Tivemos de ir para a UPA [Unidade de Pronto-Atendimento], distante daqui”, recorda.

O valor total da obra é de R$ 1,2 milhão. A Secretaria da Saúde do governo mineiro informa que já fez dois repasses, que somados totalizam R$ 790 mil.

“O restante ainda não foi transferido ao município, em razão da indisponibilidade financeira do estado”, afirma a pasta, em nota.

A Secretaria de Saúde destaca ainda o déficit e a situação de calamidade financeira, decretada em dezembro de 2016 pelo governador Fernando Pimentel (PT).

“Diante disso, estamos nos esforçando para honrar os compromissos pactuados, manter nossas ações e dar os melhores encaminhamentos possíveis, ante o contexto mencionado”, informa.

Entre as obras paralisadas estão estradas, pontes, calçamento, quadras esportivas, campos de futebol, escolas e creches.

Espírito Santo

Outro estado com uma das maiores quedas no volume de investimentos, o Espírito Santo tenta deixar para trás um quadro de crise hídrica, desarranjos no setor de óleo e gás e os efeitos do desastre causado pela empresa de mineração Samarco sobre a economia local.

Segundo o atual secretário estadual da Fazenda, Bruno Funchal, a economia encolheu 12% apenas em 2016. De lá para cá, os gastos com custeio caíram cerca de 10% ao ano, em meio a bloqueios de cargos comissionados, suspensão de concursos públicos e congelamento de salários dos servidores desde 2015.

“Passamos três anos comendo um saco de sal grosso”, afirma Funchal.

Nordeste

Em Pernambuco, grandes obras como a dragagem do canal de acesso ao porto de Suape, orçada em R$ 297 milhões, a implementação da hidrovia do rio Capibaribe, com valor de R$ 101 milhões, e a urbanização do canal do Fragoso, em Olinda, ficaram paradas por falta de recursos dos cofres estaduais.

Levantamento do TCE, divulgado em dezembro do ano passado, apontou que o governo pernambucano tinha cerca de 1,5 mil obras com orçamento acima de R$ 20 milhões paradas.

Com valor total estimado em R$ 3,9 bilhões, essas obras só tiveram cerca de um terço de seu valor pago pelo estado até o fim de 2017.

Com recursos limitados, a gestão do governador Paulo Câmara (PSB) optou por centrar os investimentos em áreas sensíveis, como a segurança pública.

Em 2017, o governador anunciou um pacote de investimento de R$ 150 milhões na renovação da frota da polícia e do Corpo de Bombeiros.

Mas ainda há gargalos a superar. Levantamento do sindicato dos policiais civis de Pernambuco apontou que 85% das delegacias do estado estão sucateadas.

Na Bahia, o governo conseguiu manter o nível de investimento, mas ainda faltam recursos para obras de menor porte, sobretudo no interior do estado.

Os investimentos foram concentrados em duas áreas: mobilidade, com prioridade para conclusão das obras do metrô de Salvador, e saúde, com a construção de novos hospitais e policlínicas no interior do estado.

Risco para a União

Após uma leve recuperação em 2017, os investimentos dos estados devem subir um pouco mais em 2018, confirmando a dinâmica de anos eleitorais, diz Rodrigo Orair, diretor da Instituição Fiscal Independente, do Senado.

O movimento, no entanto, estaria longe de equacionar os problemas. Sem o ajuste das contas, os investimentos vão continuar patinando ou terão até que sofrer novos cortes.

A estratégia é insustentável em um prazo mais longo, diz Felipe Salto, também da instituição. Para ele, os estados vão precisar elevar a arrecadação ou recorrer ao corte de despesas obrigatórias.

“Provavelmente vai ser o caminho do meio, com uma combinação das duas coisas. Não tem mágica nem bala de prata para recuperar a sustentabilidade fiscal”, diz.

Para Orair, a combinação entre queda dos investimentos e aumento do risco fiscal – em que estados não encontram recursos para cumprir seus compromissos – pode deixar uma conta amarga para a União.

Em última instância, o governo federal pode ser obrigado a estender prazos para pagamento de dívidas ou estabelecer novos regimes de recuperação fiscal – exatamente a situação em que se encontra hoje o Rio de Janeiro.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Rio informou que a prioridade foi o pagamento de salários dos servidores ativos, inativos e pensionistas.

Para contornar a atual crise, alimentada pela desaceleração da indústria do petróleo, o estado não teve alternativa senão aderir ao plano de recuperação fiscal, em setembro de 2017.

Procuradas, as secretarias da Fazenda do Acre, Amazonas e Minas não retornaram.

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