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Casal Richa em foto tirada durante a prisão em meio à campanha eleitoral. | Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo
Casal Richa em foto tirada durante a prisão em meio à campanha eleitoral.| Foto: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo

Escorreu como líquido corrosivo. A foto captada pelo fotojornalista Alexandre Mazzo, da Gazeta do Povo, mostrava o ex-governador Beto Richa (PSDB) e sua esposa, a ex-secretária de Estado Fernanda Richa, acuados, com rostos escondidos e corpos curvados no banco traseiro do carro que os transportava de volta para sua prisão especial, a Cavalaria da Polícia Militar. Na semana anterior ao registro, o tucano tinha como certa sua cadeira no Senado, com números que beiravam os 30% em relevantes pesquisas eleitorais.

Veio então o 11 de setembro que derrubou o ninho tucano. Uma operação do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), um braço do Ministério Público paranaense, colocou Richa e seu círculo mais próximo de aliados atrás das grades (veja o que ele diz sobre o caso). A Operação Rádio Patrulha apontava o ex-governador como líder de um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude em licitações do Programa Patrulha do Campo.

Poderia ter passado com um certo tom de banalidade em meio às inúmeras investigações e prisões de agentes públicos investigados em esquemas de corrupção. Não fosse por um detalhe: era a reta final da campanha eleitoral. Como era de se esperar, Richa derreteu nas urnas, com uma votação pífia. O ex-favorito ficou apenas na sexta posição entre os concorrentes ao Senado. O que não passou batido foi uma discussão que se arrastou para bem além dos quatro dias em que os Richa passaram na prisão. O MP, claro, influenciou no resultado da eleição. Mas essa ação foi voluntária ou involuntária?

Em entrevista coletiva após a acachapante derrota, logo na segunda-feira seguinte à eleição, Beto Richa bradou a jornalistas que o movimento do órgão foi político. “[O STF] apontou fortes indícios de que tal operação teve fundos político para interferir no pleito eleitoral. Um desprezo à democracia”, bradou, deixando implícito que o MP agiu deliberadamente para derrubá-lo. Uma linha de raciocínio formulada sob as asas do ministro do STF Gilmar Mendes, talvez os mais vorazes críticos às ações recentes do Ministério Público.

O homem dos freios

Para tirá-lo da prisão, a defesa de Richa usou a arma preferida dos políticos em apuros, recorreu diretamente a Gilmar Mendes. O ministro do STF travava, naqueles dias, uma batalha contra recentes ações do MP em período eleitoral. Na sua decisão em favor da soltura do tucano, Mendes mencionou o fato de Richa ser candidato a senador. “Houve a violação não apenas da liberdade de locomoção, mas também há indicativos de que tal prisão tem fundo político, com reflexos sobre o próprio sistema democrático e a regularidade das eleições que se avizinham, na medida em que o postulante é candidato, sendo que sua prisão às vésperas da eleição, por investigação preliminar e destituída de qualquer fundamento, impacta substancialmente o resultado do pleito e influencia a opinião pública”, escreveu ele.

Não era uma decisão isolada. Mendes travava queda de braço com o MP com investigações movidas pelo órgão em dois outros casos. Na semana anterior, o MP de São Paulo havia ajuizado ação de improbidade administrativa contra o candidato à Presidência Geraldo Alckmin (PSDB), alegando haver indícios de que o ex-governador havia feito caixa 2 na sua campanha à reeleição, em 2014. Naquela mesma semana, outro presidenciável, Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo, havia sido denunciado pelo mesmo órgão por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Contra Haddad, o MP ainda moveu uma ação de improbidade administrativa. Todos negam qualquer irregularidade.

“Sabemos lá que tipo de consórcio há entre algum grupo, por exemplo, de investigação do Gaeco e um dado candidato? Temos que tomar cuidado, porque, do contrário se pode fazer um plano Cohen, alguma coisa inventada que vai resultar num escândalo que afeta o resultado eleitoral. É bom isso para o país? É bom que uma instituição que tem que zelar pela democracia atue dessa forma?”

Gilmar Mendes ministro do Supremo Tribunal Federal

Para o ministro, os promotores e juízes envolvidos nas denúncias e ações estavam “hiperativos” no período eleitoral, com risco de “influenciar indevidamente os resultados nas urnas”. “Sabemos lá que tipo de consórcio há entre algum grupo, por exemplo, de investigação do Gaeco e um dado candidato? Temos que tomar cuidado, porque, do contrário se pode fazer um plano Cohen, alguma coisa inventada que vai resultar num escândalo que afeta o resultado eleitoral. É bom isso para o país? É bom que uma instituição que tem que zelar pela democracia atue dessa forma?”, falou em plenário.

Sobre o caso Richa, Mendes disparou que “abriu-se uma porta perigosa e caminha-se por uma trilha tortuosa quando se permite a prisão arbitrária de pessoas sem a observância das normas legais e a indicação de fundamentos concretos que possibilitem o exercício do direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com todos os meios e recursos disponíveis. O STF já se deparou com casos semelhantes no passado, durante a ditadura militar, no qual o Tribunal teve um papel fundamental na proteção das liberdades dos indivíduos, então ameaçados pelas baoinetas e tanques”.

Com tal voz dissonante, a matéria foi parar nas mãos da Corregedoria Nacional do Ministério Público. O órgão abriu um procedimento de reclamação disciplinar para investigar a ação dos promotores do Gaeco no episódio. A investigação foi aberta pelo conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que questionava se o MP havia segurado a investigação para coincidir com a proximidade das eleições. “[Peço que o CNMP verifique cada um desses casos, examinando os atos que foram praticados nos procedimentos preparatórios ou inquéritos nos últimos 24 meses para saber se ocorreram atos tendentes a acelerar ou retardar as investigações a fim de produzir tal coincidência temporal e consequente eventual impacto nas eleições”.

O processo, no entanto, foi arquivado, “em razão de as condutas atribuídas ao membro reclamado não constituírem ilícito disciplinar ou penal”, disse, por meio de sua assessoria de imprensa, o CNMP. A decisão foi publicada no Diário Eletrônico do órgão no dia 10 de outubro de 2018.

Seria mentiroso se negássemos que não tenha passado pela cabeça os efeitos dessa operação [Rádio Patrulha]. O que prevaleceu é que não podemos pautar nossas ações porque vai acontecer a eleição. Essa é a nossa forma de ver. É lógico que uma parte tende a pensar que [o timing da operação] foi pensado. Quando as investigações amadureceram, na nossa visão, fizemos [as prisões].

Leonir Batisti coordenador do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco)

“Temos nosso próprio tempo”

Procurado pela reportagem para debater as afirmações de Mendes, Cláudio Franco Félix, presidente da Associação Paranaense do Ministério Público (APMP), disse apenas que reitera o que havia dito na época em que a Rádio Patrulha foi deflagrada. Em frente à sede do Gaeco no dia 14 de setembro, data em que a imagem descrita no início desta reportagem foi captada, Félix havia defendido que a operação que prendeu o ex-governador não foi um ato politico. “O que buscamos por base é uma situação fática que ampare esse pedido. Buscamos trazer tranquilidade aos colegas do Gaeco para que exerçam com total segurança seu papel. Eles fazem um trabalho muito importante para a sociedade, de combate à corrupção”, afirmou.

“Nós não temos no país uma legislação que impeça o combate à criminalidade dentro desse período”, apontou, indicando porque ação abre margem pra tantas interpretações.

Passado o período eleitoral, Leonir Batisti, coordenador do Gaeco e responsável pelos movimentos da Rádio Patrulha, se manteve firme quanto ao timing da operação. “No que se refere à atuação do Ministério Público, de forma alguma há qualquer pretensão de influenciar na eleição. Nós repetimos; começamos a investigação em meados de maio a fim de confirmar vários fatos levantados “, diz. O estopim da operação, segundo o MP, foi a delação de Tony Garcia, homologada em 15 de agosto. Garcia havia sido um dos articuladores do esquema de corrupção, segundo o órgão.

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Batisti admite, porém, que havia pesado o impacto da operação nas semanas ligeiramente anteriores ao pleito. “Seria mentiroso se negássemos que não tenha passado pela cabeça os efeitos vários dessa operação. O que prevaleceu é que não podemos pautar nossas ações porque vai acontecer a eleição. Essa é a nossa forma de ver. É lógico que uma parte tende a pensar que [o timing da operação] foi pensado. Quando as investigações amadureceram, na nossa visão, fizemos [as prisões]. Se tivéssemos deixado para depois e o candidato tivesse vencido a eleição, diriam que o MP se omitiu. Se tivéssemos deixado e o candidato perdesse, diriam que só depois da derrota agimos. Temos nosso próprio tempo”, defende.

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Sem solução fácil

Para especialistas, é uma questão de difícil solução. Isso porque não há mecanismos eficientes para controlar essa atuação além das corregedorias. Falta um controle externo. “Flertamos com a criação de um conselho com membros de fora do sistema em 2004. Poderia ter sido uma solução para a transparência na atuação de Judiciário e seus órgãos de apoio. Obviamente, a sociedade pode fazer esse papel, com análise do que sai na imprensa, por exemplo. Mas um mecanismo mais rígido se soma à falta de legislação específica para tornar a investigação se um movimento foi partidário ou não inócua”, diz a professora Maria do Carmo Celaron, doutora em Sociologia e Ciência Política pela UFRJ – e dedicada às relações entre executivo e Judiciário.

“Julgar e agir é um ato de interpretação de normas, todavia, e quanto a isso sempre haverá a discordância. Mas essas discordâncias devem ser pesadas em cima de fatos. Se há elementos sólidos. E, nisso, me parece que as atuações recentes do MP não falham”, indica a profissional.

Qual é o atual status da operação?

Mais de um mês após a operação ser deflagrada, o juiz Fernando Fischer aceitou, no último dia 31, a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR). O ex-governador Beto Richa e mais 12 pessoas – incluindo seu irmão, Pepe Richa, se tornaram réus e responderão a uma ação penal.

O foco da denúncia aceita pela Justiça envolve o direcionamento da licitação feita no âmbito do programa Patrulha do Campo e também desvio de dinheiro, a partir dos contratos firmados pelo governo do Paraná com as empresas Cotrans Locação de Veículos Ltda, Ouro Verde Transporte e Locação S.A., e Terra Brasil Terraplanagem Ltda-ME, vencedoras da concorrência.

“O total dos pagamentos efetuados pelo Estado do Paraná às empresas foi de R$ 101.905.930,58. Considerando a porcentagem prometida de propina – 8% sobre o bruto -, o valor global das vantagens indevidas recebidas pelos agentes públicos denunciados foi da ordem de R$ 8.152.474,44”, afirma o MP.

Em sua justificativa para aceitar a denúncia, o juiz Fernando Fischer escreve que, entre as provas dos supostos crimes, estão o edital da licitação do Patrulha do Campo, o resumo do pagamento às empresas e conversas por áudio e mensagens de texto.

Especificamente contra Beto Richa, o magistrado cita a gravação em que o tucano trata com o delator Tony Garcia do atraso no pagamento de propina. “Há diversas menções ao denunciado em gravações de conversas de outros denunciados, citando-o no contexto dos crimes narrados no pedido. Some-se a isso o fato dos eventuais delitos terem sido praticados sob a estrutura do seu governo, com o envolvimento de seus principais homens de confiança.”

As defesas de Beto e Pepe Richa disseram que só vão se manifestar no processo (veja o que disseram na defesa prévia). Todos os envolvidos, no entanto, negam a participação no suposto esquema.

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