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Mosquitos Aedes aegypti serão usados em Jacarezinho como aliados para o combate a doenças transmitidas pelo inseto. | Forrest Innovations/Divulgação
Mosquitos Aedes aegypti serão usados em Jacarezinho como aliados para o combate a doenças transmitidas pelo inseto.| Foto: Forrest Innovations/Divulgação

Uma nova ferramenta no combate à dengue está sendo testada em Jacarezinho, no Norte Pioneiro paranaense. A multinacional Forrest Innovations, em parceria com o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), responsável pela incubação da empresa no estado, está soltando semanalmente mosquitos Aedes aegypti estéreis em algumas regiões da cidade. As solturas começaram no último dia 28 de setembro e seguirão até abril de 2019.

Experiências que partem do mesmo princípio – reduzir a população do Aedes a partir de exemplares inférteis – já foram realizadas em outras regiões brasileiras, mas a novidade é a técnica utilizada para a esterilização do mosquito, em que se usa o RNA de interferência (RNAi) para fazer modificações na biologia do mosquito. O RNA (sigla em inglês para ácido ribonucleico) é o responsável por levar a mensagem codificada no DNA para posterior síntese de proteínas na célula, decodificando e traduzindo as informações contidas no DNA. Já o RNAi é um mecanismo exercido por moléculas que inibem a expressão gênica – “desligam” temporariamente os genes – na fase de tradução ou dificulta a transcrição de genes específicos.

“Nosso método é baseado na técnica conhecida como RNA de interferência, que é adicionado durante a fase de desenvolvimento do Aedes aegypti de larva até pupa (fase aquática). Com ela, a gente consegue alterar a função das células reprodutoras para que, quando ele chegue na fase adulta, perca especificamente a capacidade de se reproduzir”, diz o coordenador do projeto, Emerson Soares Bernardes. Como podem existir pequenas variações de adaptação ao ambiente em que vivem, os mosquitos são produzidos a partir de ovos coletados na região.

A possibilidade de alimentar as larvas do Aedes com o RNAi para silenciação genética nos adultos foi descrita em 2012, em um artigo publicado por pesquisadores de várias nacionalidades no periódico Journal of Applied Entomology. Um dos cientistas envolvidos na pesquisa, o israelense Nitzan Paldi, é o CEO da Forrest Innovations.

“Jacarezinho é a primeira cidade do mundo a receber projeto, o que é um passo gigantesco para o controle de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Em breve poderemos mostrar os resultados desse trabalho e, possivelmente, levá-lo para outras regiões afetadas, em qualquer lugar do mundo”, salientou Paldi em comunicado à imprensa.

O município foi escolhido por ser um dos que tem o mais alto risco de surto de dengue, zika e chikungunya no Brasil, segundo o último Levantamento Rápido de Índices de Infestação pelo Aedes aegypti (LIRAa), do Ministério da Saúde. Divulgado no último mês de junho, o LIRAa indicou que 22% (1.153) dos municípios brasileiros se enquadravam na categoria de risco, com um Índice de Infestação Predial (IIP, porcentagem de imóveis que possuem criadouro com a larva do vetor) superior a 4.

Em Jacarezinho, o IIP registrado foi de 16,9. É o maior índice no Paraná e o 25.º no Brasil. A lista contém, ao todo, 5.191 municípios.

Técnica dos insetos estéreis

A técnica aplicada pela Forrest Innovations faz parte do conceito SIT (Sterile Insect Technique, ou Técnica dos Insetos Estéreis). O SIT é um grande guarda-chuva que engloba diferentes métodos de esterilização, buscando combater uma população “inundando” o meio ambiente com indivíduos estéreis. Outra possibilidade envolve, por exemplo, a modificação do esperma do macho por meio de radiação, que já vem sendo testada no Brasil desde 2016.

O mosquito macho se alimenta apenas de seiva de plantas e, portanto, não pica animais. A fêmea, por sua vez, também consome a seiva, mas precisa do sangue para completar o processo de maturação dos ovos e fazer a postura. É nesse momento da alimentação com sangue humano que os arbovírus (aqueles transmitido por artrópodes, como os mosquitos) são transmitidos.

Larvas do mosquito em laboratório.Forrest Innovations/Divulgação

Na natureza, os insetos estéreis se comportam da mesma forma que aqueles que estão soltos. “O macho produzido em laboratório é perfeitamente normal do ponto de vista de competição com os machos selvagens. Assim, ele copula normalmente, a fêmea coloca o mesmo número de ovos [que colocaria em situação normal], mas os ovos não têm um embrião”, explica Bernardes. A fêmea do Aedes aegypti, que é o vetor, a responsável por transmitir doenças, copula apenas uma vez na vida e armazena os espermatozoides na espermateca. Se esses espermatozoides não forem viáveis, como é o caso daqueles produzidos pelos machos estéreis, não há fecundação na oviposição.

O cientista aponta a segurança do método SIT, já que ao contrário da utilização fêmeas geneticamente modificadas ou mesmo da aplicação de inseticida, se a técnica não funcionar ou se algo der errado, basta interromper a soltura dos mosquitos para resolver o problema. “Eu não vejo nenhum motivo para o geneticamente modificado ser problemático”, destaca. “Mas o medo que existe em relação a soltar na natureza uma espécie transgênica é criar uma outra coisa que não vai ter como controlar. Então, é melhor se você puder introduzir algo que não é geneticamente modificado”.

No caso do fumacê, existe a possibilidade de aumentar a resistência do próprio Aedes ao veneno (o que já acontece no Brasil e, por isso, a liberação de inseticida só é feita em casos de epidemia), por meio da seleção natural. Além disso, outros seres vivos também são inevitavelmente atingidos pelo inseticida.

A execução

Como o método da Forrest Innovations interfere apenas no RNA, a modificação não é transferida de uma geração para a outra e o potencial de redução da população do inseto é de até 90%. No entanto, para que esse número seja atingido, é preciso que a proporção seja de dez machos estéreis para cada macho fértil na natureza – o que significa muito mosquito. Nas primeiras semanas, as liberações são de 50 mil exemplares por vez, mas podem chegar até a 500 mil, dependendo no nível de infestação. Ao todo, a previsão é de que 2 milhões de mosquitos estéreis sejam soltos de maneira gradativa.

Nosso método é baseado na técnica conhecida como RNA de interferência, que é adicionado durante a fase de desenvolvimento do Aedes aegypti de larva até pupa (fase aquática). Com ela, a gente consegue alterar a função das células reprodutoras para que, quando ele chegue na fase adulta, perca especificamente a capacidade de se reproduzir

Emerson Soares Bernardes coordenador do projeto que libera mosquitos estéreis em Jacarezinho

Por isso, não basta que o método se prove eficaz em campo. Ele também precisa ser economicamente viável para poder ser usado como uma política de saúde pública. “A produção disso envolve uma instalação de tamanho industrial, com um custo grande, mobilização intensiva de mão de obra”, diz o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador de bioquímica e biologia de vetores de doenças Pedro Lagerblad. “Se isso levar a um controle efetivo da epidemia, pode valer a pena. Mas para tudo em saúde pública tem que fazer a conta na ponta do lápis, não pode ser irresponsável. Se coloca dinheiro em um lugar, ele falta em outro”.

Em Jacarezinho, a equipe de cientistas está fazendo a liberação dos mosquitos tratados em uma área de 77 hectares e 5 mil habitantes. A área de controle, em que o ambiente é monitorado para que se possa ter um parâmetro de comparação com os resultados do estudo, é de 81 hectares, com população semelhante (4.982 habitantes).

A fase atual da pesquisa é uma intermediária, exigida pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), para que o método possa vir a ser efetivamente usado. Antes disso, os pesquisadores já tinham demonstrado a eficácia dele em laboratório e em uma simulação de campo – fora do laboratório, mas em um ambiente controlado. Só depois da conclusão bem-sucedida de todas as etapas a empresa poderá solicitar a autorização de venda dos mosquitos estéreis e da técnica utilizada às autoridades competentes.

A volta do Aedes

Pode até parecer utópico para quem está acostumado a conviver com epidemias periódicas de dengue, mas o Brasil chegou perto de ser ver livre da doença para sempre. Na década de 1960, conta o professor da UFRJ, a América Latina quase exterminou o Aedes aegypti. Mas Estados Unidos e Venezuela não dedicaram esforços suficientes para isso e, a partir daí, ele voltou a se espalhar pelo continente.

Durante o período da ditadura militar no Brasil, detectou-se novamente a presença do mosquito por aqui, mas, segundo Lagerblad, o governo não quis admitir. “Tenho amigos que levaram exemplares do Aedes [até os órgãos responsáveis] dizendo que acharam o mosquito e receberam de volta a resposta da Secretaria de Saúde dizendo que não era o Aedes”. Só em 1978 esse problema é admitido, porém, nesse ponto, ele já havia se espalhado.

Nesse momento, o mosquito volta para um ambiente muito diferente, já que a urbanização brasileira havia crescido e atingido novas proporções. Em paralelo a isso, ele já havia criado certa resistência ao inseticida – algo que, à época, parecia que poderia resolver o problema.

“O problema voltou com uma cara diferente: um mosquito mais resistente e um país que tem muito mais espaço para ele crescer. Quando ele havia sido extinto, a maioria da população era rural. Agora, a enorme maioria é urbana, além de ser muito maior [em número de habitantes]”, explica o cientista. Nosso processo de urbanização desordenado traz a tiracolo lugares que geram reservatórios de água onde o Aedes pode crescer bem. “A gente poderia estar numa situação muito melhor hoje, porque a gente tinha conseguido eliminar o mosquito”, lamenta.

Melhor prevenir

A busca por soluções, agora, é constante, como no caso da metodologia sendo desenvolvida no Norte paranaense. Em paralelo ao estudo de campo, a equipe de pesquisa em Jacarezinho vem realizando um trabalho educacional de conscientização da população. São feitas visitas às escolas e residências, onde armadilhas são instaladas para capturar mosquitos e ovos. “É fundamental que a população entenda o papel dela como agente ativo no combate à infestação do mosquito. Sem esse apoio no dia a dia para eliminar criadouros, o problema pode voltar”, declarou a diretora da empresa no Brasil, Elaine Cristina dos Santos, em comunicado.

Os pesquisadores concordam com ela. Bernardes pondera que, por mais que, em uma situação hipotética, sejam liberados mosquitos estéreis constantemente, esse esforço não é o suficiente para extinguir o Aedes, caso os criadouros continuem existindo. E, como os mosquitos viajam facilmente de um lugar a outro, um criadouro em qualquer lugar – um quintal, uma garagem, um parque, um depósito de lixo – é um problema para toda a cidade. “A população tem que ter um suporte do poder público, mas não pode ficar esperando que o poder público vá resolver tudo”, opina.

Como [o mosquito] vive na casa das pessoas, as soluções que entram na casa delas são as mais eficientes. Campanhas de informação são superimportantes. Isso é uma constatação a partir de estudos que foram feitos e iniciativas que deram bons resultados, no Brasil e em outros lugares

Pedro Lagerblad professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador de bioquímica e biologia de vetores de doenças

O professor da UFRJ lembra a importância de campanhas educativas em grande escala, especialmente em centros urbanos, onde há muito acúmulo de lixo a céu aberto e caixas d’água destampadas. “O ser humano guarda depósitos de água, voluntários ou involuntários”, diz. “Como [o mosquito] vive na casa das pessoas, as soluções que entram na casa delas são as mais eficientes. Campanhas de informação são superimportantes. Isso é uma constatação a partir de estudos que foram feitos e iniciativas que deram bons resultados, no Brasil e em outros lugares”.

Em um artigo de opinião de 2016, publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, a pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) Denise Valle afirma que não há uma “bala mágica” que vá resolver todo o problema de uma só vez. Para ela, especialmente depois da chegada dos vírus chikungunya e zika ao território brasileiro e da descoberta da conexão do zika com a microcefalia em bebês em gestão e da síndrome Guillain-Barré em adultos, tornou-se evidente a necessidade esforços conjuntos.

É necessário, então, unir estratégias biomédicas e tecnológicas com abordagens típicas das ciências humanas e sociais. A técnica dos insetos estéreis é um exemplo perfeito disso. De um lado, é preciso desenvolver uma tecnologia que possibilite imunizar os mosquitos. De outro, é essencial que um bom trabalho educacional e de comunicação seja feito junto à população para que a desinformação não prospere, já que o método – soltar mais mosquitos no ambiente – vai contra o senso comum.

“Além disso, vale a pergunta: qual o risco de, dando prioridade aos aspectos meramente técnicos e assistencialistas do controle, nos afastarmos do problema central? Remédios adequados somente são possíveis quando o diagnóstico correto é feito”, reflete a especialista. “Experiências em outros países, e mesmo em algumas localidades e situações no Brasil, mostram que a articulação entre diferentes setores do governo, somada à adesão de setores não governamentais e à participação da sociedade em geral, estão na base do controle bem-sucedido das epidemias de dengue. Mesmo assim fica a questão: como sustentá-lo?”.

Ainda que um grande programa de prevenção possa pesar nos cofres públicos, os custos atuais para remediar as epidemias sazonais já são bem altos e envolvem um exército de milhares de agentes de saúde no país inteiro. “Mais de três quartos do orçamento da Secretaria de Vigilância em Saúde é gasto com controle de dengue. É uma coisa custosa”, observa Lagerblad.

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