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Ademar Traiano (PSDB) durante sessão na Assembleia Legislativa do Paraná: sob investigação. | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Ademar Traiano (PSDB) durante sessão na Assembleia Legislativa do Paraná: sob investigação.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Mensagens trocadas pelo WhatApp entre o dono da Construtora Valor, Eduardo Lopes de Souza, e o presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano (PSDB), indicam que o deputado estadual interferiu diretamente na liberação de pagamentos a empreiteiras que executavam obras de escolas estaduais. O diálogo está entre os documentos obtidos pela Gazeta do Povo que constam da Operação Quadro Negro e que motivaram a instauração de inquérito criminal contra o deputado tucano. Conduzida pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), a investigação apontou desvios de mais de R$ 20 milhões.

Uma das conversas – recuperadas a partir da perícia do iPhone de Lopes de Souza, apreendido pelas autoridades – transcorreu em 24 de abril de 2015, quase três meses antes de a Quadro Negro ter sido deflagrada. Na troca de mensagens, Traiano diz a Lopes de Souza que está ao telefone com Edmundo, para “saber qual obra q [que] tem valor de federal para pagar [sic]”. O deputado menciona ainda que são “obras p [para] Edmundo pagar [sic]”.

A Quadro Negro apurou que o Edmundo em questão era o então diretor-geral da Secretaria de Estado da Educação (Seed), Edmundo Rodrigues Veiga Neto, e “valor federal” se referia a recursos da União que haviam sido destinados a obras em algumas escolas estaduais. De acordo com as investigações, apesar de ser representante do Poder Legislativo, há indícios de que Traiano teria exercido ingerência sobre a liberação de pagamentos a empreiteiras.

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Na sequência da conversa, Lopes de Souza menciona a Traiano duas escolas: o Colégio Estadual Willian Madi, localizado em Cornélio Procópio, Norte do Paraná, e o Colégio Estadual Arcângelo Nandi, em Santa Terezinha do Itaipu. As obras nessas duas escolas eram tocadas pela Valor e contavam com verba do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC-2), do governo federal.

Posteriormente, a Quadro Negro identificou desvios em ambas. Até o início das investigações, a construção da William Madi estava com apenas 4,7% dos serviços executados, mas R$ 4,3 milhões haviam sido liberados à Valor – quase o valor integral. Já a obra da Arcângelo Nandi estava orçada em R$ 3,7 milhões, dos quais R$ 2,4 milhões viriam do governo federal.

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Reunião em casa

O mesmo diálogo evidencia que, naquela noite, Traiano recebeu Lopes de Souza em sua residência, no bairro São Francisco, em Curitiba, para tratar das obras. Às 19h23, depois de perguntar se o deputado estava na Assembleia ou em casa, o empreiteiro questiona: “Falamos hj [hoje] ou amanhã??? [sic]”. O presidente da Assembleia diz que “pode ser mais tarde” e passa o endereço. Às 20h55 daquele mesmo dia, o dono da Valor escreve: “To aki [sic]”. Traiano, então, responde: “Venha tomar um café”, passando o número do apartamento.

Na delação

Em sua colaboração premiada homologada pela Justiça, Lopes de Souza se refere diretamente a essa conversa. O empresário relatou que após ter sido posto em liberdade na primeira fase da Quadro Negro, procurou Traiano em seu gabinete na Assembleia Legislativa e que o deputado quis saber que tipo de arquivos havia nos celulares do empreiteiro que haviam sido apreendidos. Em seguida, o parlamentar teria sugerido que as mensagens teriam sido apagadas, mesmo após os aparelhos estarem em poder das autoridades.

“Na segunda-feira seguinte à minha colocação em liberdade, fui direto no gabinete do deputado Ademar Traiano. Conversamos sobre a minha prisão e sobre as apreensões feitas pela polícia, no que ele me perguntou: ‘Quais mensagens nossas tinha lá no seu celular?’. E eu expliquei que tinha deixado uma conversa em que ele falava que estava com o diretor-geral da Seed, Edmundo, e que tratavam do pagamento das notas federais. O deputado Traiano me tranquilizou, dizendo que a situação já estava sob controle, dando a entender que as conversas já tinham sido apagadas”, consta da delação.

Em outro anexo da delação, Lopes de Souza conta que havia imprimido conversas que teve com Traiano pelo WhatsApp. “Tinham registradas outras conversas de WhatsApp que tive com o deputado Traiano, marcando encontros e coisas assim, que acho que foram apagadas, mas podem ser recuperadas pela perícia”.

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Conversas com autoridades

Em depoimento à força-tarefa da Quadro Negro agora conduzida pelo Ministério Público do Paraná, o delegado Renato Bastos Figueroa, que era do Núcleo de Repressão aos Crimes Econômicos (Nurce) e responsável pela primeira fase da operação disse que dois dos celulares apreendidos – um iPhone e um Samsung – ficaram trancados em sua gaveta e descartou a possibilidade de que mensagens pudessem ter sido apagadas.

Além disso, o delegado relatou ter visto diálogos entre Lopes de Souza e deputados. “Eu me lembro de conversas. Logicamente, não vou me lembrar do conteúdo (...). Eu me lembro de conversas com o presidente da Assembleia, o Traiano, o Plauto Miró [DEM], o [Luiz Cláudio] Romanelli [PSB]”, disse. “Mas conversas assim, ó: ‘Vou aí, me atende hoje?’”, completou.

Inquérito criminal

A troca de mensagens entre Lopes de Souza e Traiano foi um dos elementos que subsidiaram a abertura de processo criminal contra o presidente da Assembleia. Na quinta-feira (9), a Gazeta do Povo noticiou que o procurador-geral de Justiça, Ivonei Sfoggia, instaurou em maio inquéritos para apurar eventuais crimes cometidos por Traiano e pelo deputado estadual Plauto Miró (DEM), no âmbito da Quadro Negro.

Ex-diretor

Edmundo Rodrigues Veiga Neto foi exonerado da Seed em abril deste ano. Conforme ele esclareceu à Gazeta do Povo, ele pediu exoneração da Secretaria e, em seguida, voltou à Companhia de Habitação Popular (Cohab) de Curitiba, da qual é funcionário de carreira. A reportagem também havia mencionado dois processos relacionados à Quadro Negro em que houve condenação por parte do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) - inicialmente Veiga Neto figurava entre os responsabilizados em ambos os casos. As decisões, no entanto, foram revistas pelo Tribunal ao longo dos respectivos processos. Nos dois casos citados, o órgão considerou que ele não tinha responsabilidade sobre os desvios.

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Plauto

No iPhone de Lopes de Souza também havia mensagens trocadas com o deputado Plauto Miró (DEM), em que o empresário marcava encontros com o parlamentar na própria Assembleia Legislativa. Plauto é alvo de um inquérito criminal instaurado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) em maio, para apurar a eventual participação dele no esquema investigado pela Quadro Negro. Segundo a delação do dono da Valor, o parlamentar foi o beneficiário de R$ 600 mil em propina, pagos com dinheiro desviado das escolas.

Outro lado

O advogado de Traiano, Marlus Arns, disse que “em [os dados] não sendo públicos, nada cabe à defesa falar, salvo que processará criminalmente os responsáveis pelo vazamento ilegal de informações. E, oportunamente, se for intimada, falará nos autos”.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Edmundo Rodrigues Veiga Neto disse que, enquanto esteve no cargo de diretor da Seed, manteve “alguns contatos com Traiano e com outros deputados” e ressaltou que isso fazia parte de sua função. Veiga Neto afirmou que não se lembra de ter tido essa conversa específica com o presidente da Assembleia e negou que tenha liberado pagamentos a empreiteiras a pedido do parlamentar. “Não houve determinação. Os pagamentos chegavam e já vinham avalizados pela Sude [Superintendência de Educação]”, disse.

A advogada Rose Baggio, que representa Lopes de Souza, disse que está impedida de se manifestar, porque o caso ainda está sob investigação.

Por meio de sua assessoria de comunicação, o deputado Plauto Miró “reforça que já fez todos os esclarecimentos sobre o assunto ao Ministério Público, e que por isso não vai comentar detalhes que inquérito que corre em sigilo. O Deputado reforça que o inquérito servirá para mostrar a inverdade dos fatos que foram atribuídos a sua pessoa”.

Por fim, o MP-PR não se pronuncia sobre as investigações, uma vez que o caso está sob sigilo.

O laudo em que consta essa troca de mensagens faz parte do processo que tramita na 9ª Vara Criminal de Curitiba. Ele ainda será analisado pelas partes para as alegações finais.

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