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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A colaboração premiada firmada no âmbito da Operação Riquixá pelo advogado Sacha Reck – que representava o Sindicato das Empresas de Transporte de Curitiba e Região (Setransp) – apontou que um núcleo ligado ao então prefeito - e hoje governador - Beto Richa (PSDB) intermediou a inclusão no edital de itens que teriam favorecido as empresas de ônibus, a pedido dos empresários.

Conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pelo Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio (Gepatria), ambos vinculados ao Ministério Público do Paraná (MP-PR), as investigações serão aprofundadas a partir da delação do ex-advogado da Setransp, que também forneceu documentos, e-mails e troca de mensagens aos promotores. Os citados na delação negam que tenham feito interlocução em favor das empresas.

O depoimento de Sacha menciona o desembargador Ramon de Medeiros Nogueira (que à época era advogado de Richa em questões eleitorais), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) Ivan Bonilha (que era procurador-geral do município, na gestão de Richa como prefeito), o deputado federal Osmar Bertoldi (DEM) e o chefe de gabinete de Richa, Deonilson Roldo. Apesar da menção, a Procuradoria-Geral da República (PGR) considerou que não há elementos suficientes para que se instaure investigação contra as autoridades com prerrogativa de foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).

“Interlocuções”

De acordo com a delação, o Setransp teve acesso ao edital de licitação antes mesmo de o documento ter sido publicado oficialmente – o que ocorreu em 29 de dezembro de 2009. Os empresários apresentaram uma série de sugestões à Urbanização Curitiba S/A (empresa de economia mista que administra o sistema de transporte público da capital), da quais a maior parte foi rejeitada. Ainda assim, mesmo após o lançamento do edital, as empresas conseguiram alterar alguns pontos, contando com a “interlocução” do grupo ligado a Richa para vencer a “resistência” da procuradora da Urbs, Marilena Winter.

“Estabeleceu-se um contato pelo empresário Maurício Gulin com o advogado Ramon Nogueira, que eles são amigos comuns com o Ivan Bonilha, que era procurador do município, que inclusive indicou a Marilena [Winter] pra ser a procuradora da Urbs. Então a tentativa era, como a doutora Marilena era muito resistente e não aceitava as condições, era bastante rígida, foi tentado através deles a questão dos esclarecimentos”, disse Sacha Reck. “Foram apresentadas sugestões de respostas ao advogado Ramon Medeiros, para que ele intermediasse junto a Urbs, porque ele tinha relacionamento com o Bonilha, pessoa de confiança da gestão Beto Richa”, resumiu.

O desabafo do delator

Em determinado trecho de seu depoimento, o advogado Sacha Reck explica os motivos pelos quais foi levado a fazer o acordo de colaboração premiada. O delator afirma que não suporta conviver com os erros e que quer se “curar” do episódio. Preso na Operação Riquixá em junho do ano passado, o advogado ficou detido por quatro dias.

“Eu preciso me curar disso aí. Se eu eventualmente cometi algum erro na minha vida, eu quero resolver tudo agora e aconteça o que acontecer com a colaboração. (...) Eu voluntariamente não aguento mais conviver com os erros que cometi no passado, dos quais eu já há muito tempo me corrigi, mas que agora estão vindo à tona. Eu tenho filhos muito pequenos, o volume de notícias no Google que tem contra mim é muito forte. O meu desgaste de não saber o que pode acontecer no dia seguinte, uma busca, é muito grande. Eu quero me liberar, liberar a minha alma de todos os possíveis erros que eu possa ter cometido e que, se outras pessoas cometeram erros, que façam, se assim elas entenderem, o mesmo procedimento. Não fiquem insistindo em defender o indefensável ou atribuir a este profissional que está aqui qualquer mentira”, disse.

Os “esclarecimentos” são erratas publicadas posteriormente e por meio das quais a Urbs retificou o edital. Segundo o portal da Urbs, foram feitas 12 mudanças no edital da licitação. Entre as alterações, as empresas conseguiram incluir alguns itens-chave, principalmente uma cláusula que dava pontos na licitação a empresas que tivessem experiência em corredor (canaletas) de ônibus e outra que previa pontuação para os consórcios que pudessem iniciar a operação imediatamente.

Para uma CPI realizada pela Câmara de Curitiba e auditorias realizadas pela própria prefeitura e pelo TCE-PR, esses pontos foram decisivos para direcionar a licitação às empresas que já operavam na capital paranaense – uma vez que elas já atuavam em Curitiba (e em canaletas) e tinham condições de início imediato. Em sua delação, Sacha Reck reconheceu que a cláusula incluída beneficiava os grupos empresariais ligados à Setransp.

“Na minha opinião, todo e qualquer edital que coloca pontuação para início imediato favorece [as empresas que já atuavam na cidade]”, disse o advogado, na colaboração premiada.

Pressão

Sacha Reck revelou que o então deputado estadual - e hoje federal - Osmar Bertoldi também atuou em favor das companhias de ônibus. Filho de um empresário do setor, o parlamentar teria sido “bem imperativo” em dizer que o edital teria que ser mudado. O advogado apontou que Bertoldi acionou o chefe de gabinete de Richa para intermediar as alterações.

“O pai dele [de Osmar] era um dos empresários, que é o senhor Orlando Bertoldi. E o Osmar dizendo: ‘Não, temos que tentar [mudar o edital]. Não pode. Eles têm que fazer [as alterações]’. Em um sentido bem imperativo. Ele tinha acesso ao Deonilson, que era assessor do Beto Richa, que é o homem de confiança dele, o assessor de gabinete. Então, um dia foi marcado [sic] uma reunião na casa do Osmar Bertoli, com o Deonilson. Eu estava presente”, disse o delator.

Sem propina

Ao detalhar como ocorreram as alterações nos editais de licitação, Sacha Reck destacou que nunca foi testemunha de pagamento ou pedido de propina de nenhuma das partes. “Nem durante a licitação, nem sobre a licitação, nem a apresentação da licitação até hoje com o Setransp. Nunca presenciei isso, não tenho conhecimento para poder afirmar qualquer situação nesse sentido”, disse.

O delator também criticou o formato final do edital, mesmo após as emendas adotadas por atuação das empresas. “É um contrato que, apesar de todas essas interlocuções e contatos, ficou um contrato péssimo”, avaliou. Por conta da licitação, o advogado apontou que “as empresas estão todas quebradas em Curitiba, em estado pré-falimentar”.

Desembargador e conselheiro do TCE-PR

Ramon de Medeiros Nogueira tomou posse como desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) em janeiro de 2016. Ele ocupa a vaga do quinto constitucional – destinada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ele foi escolhido pelo governador Beto Richa, a partir de uma lista tríplice definida pela Ordem.

Quando Beto Richa assumiu o governo do Paraná, em 2011, Ivan Bonilha foi nomeado procurador-geral do Estado. Em 2015, ele assumiu a cadeira de número 6 do Tribunal Pleno do TCE-PR. Bonilha chegou a presidir o Tribunal de Contas, no biênio 2015-2016.

Investigação arquivada

Em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Paraná arquivou o inquérito civil que havia sido instaurado para investigar a licitação do transporte coletivo de Curitiba. O órgão considerou que não houve irregularidades no processo de licitação e que “não houve violação ao princípio da competitividade”. A apuração havia partido da CPI da Câmara, que apontava o direcionamento no processo licitatório.

Segundo o MP-PR, o edital e o contrato com as empresas levavam em conta as especificidades técnicas da cidade e que as exigências (como a experiência em operação em canaletas) eram indispensáveis à execução do serviço. A conclusão do Ministério Público foi diversa dos apontamentos da CPI, que apurou que 68,7% das empresas de ônibus que venceram a licitação pertenciam a uma mesma família. Além da Câmara, auditorias do TCE-PR e da prefeitura também haviam apontado que o edital favorecia as empresas. Ambas as apurações pediam o cancelamento da licitação.

A operação

A Operação Riquixá foi deflagrada em junho do ano passado, em Guarapuava. Em sua primeira fase, os promotores denunciaram 22 pessoas, entre as quais o ex-prefeito da cidade Luiz Fernando Ribas Carli (PP); o advogado Sacha Reck; o irmão dele, Alex Reck; e o pai destes, Garrone Reck. Sócios de empresas de ônibus também foram denunciados.

Segundo o Gaeco, os acusados formaram uma organização criminosa, especializada em cometer irregularidades em licitação para sistemas de transporte coletivo. Entre os crimes denunciados, estão crime de responsabilidade (cometido pelo então prefeito); fraude em licitação e falsificação de documento público.

A Riquixá também se estendeu por outras cidades do Paraná, como Maringá, Foz do Iguaçu e Curitiba. As investigações chegaram até o Distrito Federal, onde o grupo também teria agido. Em uma segunda fase da operação, foram cumpridas uma série de prisões em diversos estados.

Mencionados na delação negam interlocução

Por meio da assessoria de imprensa, o governador Beto Richa informou que no período em que esteve à frente da prefeitura de Curitiba “não houve nenhum tipo de interlocução ou pedido para que alguém intercedesse” em favor das empresas de transporte coletivo. Richa também disse que nunca teve conhecimento de que alguma autoridade de sua gestão tivesse interferido no processo licitatório e que não autorizou qualquer tipo de interferência.

O secretário Deonilson Roldo também disse que jamais intercedeu junto à Urbs para alterar o edital e nunca participou desse processo. Ele nega também que tenha se reunido com o então deputado estadual Osmar Bertoldi para tratar desse assunto.

O Setransp afirmou que os fatos relatados pelo advogado Sacha Reck “não são verdadeiros” e que o sindicato “está tomando providências jurídicas para demonstrar isso”.

O conselheiro do TCE-PR Ivan Bonilha, que à época era procurador-geral do município, refutou qualquer intermediação e disse que mal conhece Sacha Reck. “Em análise ao que declarou o advogado Sacha Reck, de quem sequer tenho lembrança, há afirmações de fatos e construção de juízos que não reconheço como verdadeiros. Minha atuação enquanto procurador geral do Município jamais se distanciou do estrito compromisso de defesa dos interesses de Curitiba. Tive a honra e o prazer profissional de me relacionar com competentes e dedicados servidores públicos. Jamais me reuni, recebi ou dei informações a quem quer que seja que pudessem comprometer minha isenção e compromisso com a ética de advogado e servidor público”, declarou, por meio da assessoria.

Por meio de nota, o desembargador Ramon de Medeiros Nogueira (que era advogado de Richa) disse que o Ministério Público Federal (MPF) reconheceu que a menção ao nome dele na delação “é meramente pontual e expressamente decorre da atuação como advogado no exercício legal da profissão” e que não caracteriza “a prática de conduta criminosa”. Nogueira disse que agiu “na defesa dos interesses do cliente, não tendo participado, de nenhuma forma, dos atos administrativos que culminaram com o contrato de prestação de serviços de transporte coletivo”. O magistrado lembra ainda que o MP-PR já havia arquivado as investigações sobre irregularidades na licitação e acrescentou que, enquanto advogado, sempre se pautou “na ética profissional e no respeito à lei”.

Por meio de nota, Osmar Bertoldi negou participação em qualquer reunião a respeito do assunto ou interferência no edital e no processo de licitação do sistema de ônibus de Curitiba. “As informações prestadas pelo advogado delator são tão mentirosas e fantasiosas que o tanto o Ministério Público do Paraná quanto a Procuradoria Geral da República (PGR) declararam não haver nenhum indício ou evidência de irregularidade envolvendo meu nome”, disse o parlamentar.

Já o presidente do Setransp, Mauricio Gulin, rebateu “integralmente os termos lançados na colaboração premiada firmada pelo advogado Sacha Reck na denominada Operação Riquixá”. A nota diz ainda que “a atuação profissional de Mauricio Gulin é sempre pautada pelo compromisso com a ética e a transparência”.

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