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Processamento de hemoderivados na fábrica da Hemobrás em Goiana, Pernambuco | Divulgação    /    Hemobrás
Processamento de hemoderivados na fábrica da Hemobrás em Goiana, Pernambuco| Foto: Divulgação / Hemobrás

Acompanhando a briga que se formou em torno do futuro da Hemobrás, a presidente da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), Tania Maria Onzi Pietrobelli, afirmou que a entidade quer apenas assegurar aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) a mesma qualidade e a mesma quantidade do medicamento hoje oferecido, a despeito de eventuais mudanças nas parcerias entre laboratórios públicos e empresas privadas. “Nós não vamos entrar nisso [na briga], pois isso não nos pertence. Mas pedimos ao Ministério da Saúde, apenas, que não haja retrocesso”, disse ela, em entrevista à Gazeta do Povo nesta segunda-feira (23). Na semana passada, a presidente da FBH esteve com o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP), e ouviu dele que não há risco de desabastecimento. “Preciso acreditar na palavra do ministro da Saúde”, acrescentou ela.

Com sede em Pernambuco e vinculada ao Ministério da Saúde, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) está no centro de uma novela que se arrasta desde julho. Naquele mês, a pasta de Ricardo Barros resolveu suspender a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) que a Hemobrás mantém desde 2012 com a Shire Farmacêutica Brasil para a produção e transferência de tecnologia referente ao “fator VIII recombinante”, um medicamento essencial para pacientes com “hemofilia A”. 

Em quase cinco anos de vigência da PDP, alega o Ministério da Saúde, praticamente não houve transferência tecnológica, daí a opção por reexaminar o acordo entre Hemobrás e Shire Farmacêutica Brasil. Originalmente, a PDP poderia ser levada até o ano de 2022, quando, em tese, a empresa pública já teria adquirido do grupo privado a total capacidade de produção do medicamento.

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Criada em 2004, a Hemobrás foi pensada justamente para reduzir a dependência externa do produto. Nos termos da World Federation Hemophilia (WFH), o Brasil possui a terceira maior população de hemofílicos no mundo. Pelos cálculos da entidade presidida por Tania Maria Onzi Pietrobelli, são quase 23 mil brasileiros com algum problema de coagulação sanguínea. Do total, cerca de 10 mil possuem “hemofilia A”, quando falta o “fator VIII” na coagulação sanguínea.

No Brasil, o Ministério da Saúde é o responsável por ofertar o medicamento, que é distribuído mensalmente aos “hemocentros”, administrados pelos governos estaduais, que, por sua vez, redistribuem para os “hemonúcleos”, de responsabilidade dos governos locais, no interior dos estados. “Desde 2011 o medicamento também é oferecido no tratamento preventivo, na profilaxia. Antes disso, a distribuição era só por demanda, ou seja, quando já havia o sangramento no paciente. Foi uma luta que nós travamos para ter a profilaxia. Por causa disso, a partir de 2011, o Ministério da Saúde triplicou a compra de fatores de coagulação [medicamentos]”, explica a presidente da FBH. 

Até fevereiro de 2018

Pelo atual contrato para fornecimento de “fator VIII recombinante”, firmado através da PDP entre Hemobrás e Shire Farmacêutica Brasil, a entrega do último lote de medicamentos está prevista para fevereiro de 2018. Um novo pedido para a Hemobrás/Shire Farmacêutica Brasil já deveria ter sido feito pelo Ministério da Saúde no mês de agosto. Mas, alegando que a “PDP está em análise”, a pasta de Ricardo Barros resolveu abrir um processo licitatório, iniciado em setembro e ainda em andamento, para a compra do medicamento. 

De acordo com o Ministério da Saúde, se eventualmente a PDP for renovada, o processo licitatório em curso ainda pode ser cancelado. “Caso haja parecer positivo sobre a PDP, a compra de segurança poderá ser interrompida a qualquer momento”, disse a pasta da Saúde, em nota enviada à Gazeta do Povo.

Na visão da Shire Farmacêutica Brasil, além de “risco de desabastecimento”, o Ministério da Saúde está desobedecendo a decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Justiça Federal do Distrito Federal, ao optar pela abertura de uma licitação. No último dia 4, os ministros do TCU, a pedido do Ministério Público que atua junto ao TCU, determinaram a manutenção da PDP

Antes disso, em julho, e atendendo à Shire Farmacêutica Brasil, o juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana, da 4ª Vara Cível do Distrito Federal, também já havia mandado o Ministério da Saúde voltar atrás na suspensão. A empresa reconhece problemas na evolução da PDP, mas sustenta que eles ocorreram principalmente por causa da falta de repasses da União para a própria Hemobrás.

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A Shire Farmacêutica Brasil já fez uma proposta de readequação da PDP, considerada vantajosa pela Hemobrás, mas o Ministério da Saúde ainda não analisou seu conteúdo. A empresa privada tem interesse na continuidade da PDP porque, entre outros motivos, acredita que, desta forma, conseguirá receber os recursos atrasados que a Hemobrás deve a ela.

MPF: “salta aos olhos o desdém do ministro da Saúde”

Mais recentemente, no último dia 11, quem também entrou na briga sobre o futuro da Hemobrás foi o Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco. A ação civil pública do MPF, com pedido cautelar para afastar Ricardo Barros da cadeira de ministro da Saúde, está nas mãos do juiz federal Frederico José Pinto de Azevedo, da 3ª Vara Cível de Pernambuco. 

“Salta aos olhos o desdém do ministro da Saúde com as instituições públicas”, escreveu a procuradora da República Silvia Regina Pontes Lopes, na peça que entregou à Justiça Federal. Segundo ela, os “esforços” do Ministério Público que atua junto ao TCU para “resguardar o interesse público no presente caso” acabaram “frustrados” pela “atuação viciada” de Ricardo Barros.

Tanto o MPTCU quanto o MPF de Pernambuco têm chamado a atenção para o que classificam de “interesses pessoais” do ministro da Saúde na novela da Hemobrás. Paralelamente ao imbróglio que se formou na PDP no Nordeste, Ricardo Barros estaria dando anuência a um acordo entre o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e a Octapharma Brasil para fornecimento do mesmo medicamento, o “fator VIII recombinante”. O Tecpar é uma empresa pública ligada ao governo do Paraná, reduto eleitoral do deputado federal licenciado.

Há um “inequívoco nexo de causalidade entre a deliberada omissão do Ministério da Saúde acerca das tratativas de readequação da PDP e a atuação do ministro de Estado com vistas a redirecionar as atribuições institucionais da Hemobrás para o seu reduto eleitoral (...). É nesse contexto, ou seja, ao alvedrio da impessoalidade e da moralidade administrativa, que o atual ministro da Saúde está buscando “esvaziar” a Hemobrás com vistas a atrair para seu Estado, o Paraná, sem nenhuma cerimônia, a produção e industrialização de hemoderivados essenciais ao SUS”, continua a autora da ação civil pública.

Já Ricardo Barros tem dito que todas as propostas estão sendo igualmente analisadas e nega intenção de “esvaziamento” da Hemobrás. Ele tem enfatizado, por exemplo, que, dentro da proposta feita à pasta da Saúde pelo Tecpar/Octapharma Brasil está a própria conclusão da fábrica da Hemobrás em Goiana, município de Pernambuco. A obra deveria ter ficado pronta em 2014 e tem sido um dos motivos do atraso na PDP entre a empresa pública nordestina e a Shire Farmacêutica Brasil. 

Do outro lado, a Shire Farmacêutica Brasil reclama que na sua proposta de readequação da PDP também há investimento previsto para a conclusão das obras em Goiana. Pelo contrato original com a Hemobrás, sustenta a empresa privada, não havia previsão de recursos em infraestrutura. 

Tecnologias envolvidas

Outro ponto colocado pela Hemobrás, em manifestação enviada ao TCU, tem ligação com uma possível redução do seu leque de produtos, caso haja a inclusão do Tecpar/Octapharma Brasil, em substituição à Shire Farmacêutica Brasil. Na nova configuração, a ideia seria reservar a fábrica de Pernambuco para a produção do “fator VIII plasmático”. Já a fábrica no Paraná, possivelmente na cidade de Maringá, ficaria com a produção do “fator VIII recombinante”. A Hemobrás tem alertado que, sem a produção do “fator VIII recombinante” (apenas com a produção do “fator VIII plasmático”), há risco de falência.

Há duas tecnologias hoje na fabricação dos medicamentos, a tecnologia de fracionamento do plasma e a tecnologia recombinante. A primeira, fracionamento do plasma, tem sua matéria-prima extraída do sangue humano (hemoderivados). A segunda, recombinante, é elaborada por meio da engenharia genética. Assim, a produção do “fator VIII recombinante”, que não depende do sangue humano, pode ser feita em maior escala.

“O faturamento da Hemobrás seria drasticamente reduzido e o passivo com o atual parceiro tecnológico não seria saneado, com o cenário de judicialização e incrementos de juros e penalidades decorrentes da rescisão contratual com a Shire Farmacêutica Brasil”, escreveu a Hemobrás ao TCU, na hipótese de uma nova PDP, via Tecpar/Octapharma Brasil.

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