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Modelo de moto da Harley Davidson usada pela polícia rodoviária do Paraná. | Soldado Cristiano Godoi de Andrade/PMPR/AEN
Modelo de moto da Harley Davidson usada pela polícia rodoviária do Paraná.| Foto: Soldado Cristiano Godoi de Andrade/PMPR/AEN

A compra de 30 motos da marca Harley Davidson, uma das mais emblemáticas fabricantes de veículos em duas rodas de luxo do mundo, custará R$ 2,5 milhões aos cofres do governo paranaense. As motocicletas, de um modelo especial exclusivo para uso policial, serão para o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER), que as usará no policiamento ostensivo rodoviário.

Realizada em maio deste ano, a licitação, contudo, está em análise no Tribunal de Contas do Estado (TCE). A medida atende denúncia feita por uma cidadã, Denise Xavier Campos, 33 anos de idade, que questiona a obrigatoriedade da marca, do modelo e o valor da licitação. Em liminar emitida em agosto, o TCE recomendou que o DER se abstivesse de “dar continuidade aos atos de Contratação decorrentes do Pregão”. Denise Campos trabalha na iniciativa privada, como auditora de gestão de riscos empresariais.

A suspensão, no entanto, não ocorreu. Segundo a assessoria de imprensa do DER, as motos estão em produção e o processo continua. Isso porque o departamento acredita que a contestação foi após a finalização da contratação, cuja homologação da compra foi publicada em Diário Oficial no dia 30 de maio. “Não houve determinação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE) para suspensão do certame. O DER entende que a licitação foi realizada dentro do que preceitua a legislação e respondeu aos questionamentos do TCE, feitos posteriormente à conclusão do certame.”

Pelo teto do edital publicado pelo DER, o valor da compra poderia chegar a R$ 2,6 milhões. O vencedor do leilão, no entanto, chegou ao valor de R$ R$ 2.514.000, o equivalente a R$ 83,8 mil por motocicleta. Pela justificativa do edital, as motocicletas, do modelo Road King Police devem substituir a frota, em mesmo número, comprada pelo DER em 2007. À época, o lote de veículos custou R$ 750 mil. Com 11 anos de uso, as motos ainda estão em operação pelo Batalhão da Polícia Rodoviária.

O edital, contudo, alega que, em decorrência do longo tempo de uso das motos. “[elas] não apresentam mais condições de emprego operacional, com custo de manutenção das unidades e longo período de tempo para reparo”.

Segundo DER, não há motos similares no mercado

Questionada sobre a motivação da compra da marca específica, o DER afirma que o modelo da Harley-Davidson é uma motocicleta específica para forças de segurança pública e que não é comercializada ao público. A moto Road King, que é o modelo comercial não específico para a polícia ou forças armadas, está com preço inicial de aproximadamente R$ 82 mil para a versão clássica e cerca de R$ 85 mil para o modelo especial.

O diferencial do modelo comercial para o Road King Police, aponta a assessoria do DER, é que as motos já vêm com “equipamentos de sinalização de emergência, alerta sonoro, projeto ergonômico, motorização e suspensão dimensionados para a atividade diária de policiamento, o que não é disponibilizado nos modelos comerciais de referência acima e possui baixa desvalorização por ser peça de interesse de colecionador”.

Em resposta ao questionamento do TCE, sobre a obrigatoriedade da marca e do modelo, o Departamento de Estradas e de Rodagens afirma que o Batalhão de Polícia Rodoviária consultou a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) em fevereiro passado, antes de lançar o edital.

Na consulta, a associação aponta que não existe outra motocicleta equivalente para atender as necessidades de policiamento da Polícia Rodoviária Estadual. Isso porque a polícia demanda especificações como sinalização e outros, cuja a “adaptação de motocicletas dimensionadas para demanda comum não atende a qualidade almejada para patrulhamento ostensivo rodoviário”, defende o DER na resposta.

Nas horas vagas, fiscaliza o poder público

Denise Campos, auditora de gestão de riscos empresariais, usa o tempo livre para acompanhar editais públicos.Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Autora da representação no TCE sobre a compra das motos, a auditora Denise Campos acompanha sistematicamente editais públicos. Não por que tem interesse em participar das licitações, mas sim para realizar um desejo de aproveitar seu conhecimento para ações de cidadania. “Sempre tive uma vontade de acompanhar os atos do governo de um modo geral, até por relação com o meu trabalho. Imaginava que pudesse aplicar meu conhecimento para fiscalizar o governo”, diz.

Esse “hobby” começou em junho passado, durante as greves de caminhoneiros. Denise conta que o anúncio do Governo Federal de cortes em pastas como Educação e Saúde para fazer frente ao aporte do combustível a deixou chocada. “Pensei ‘não tem realmente de onde mais tirar o dinheiro?’. Foi aí que comecei a pesquisar nos sites dos governo federal e estadual os editais e licitações. Mas logo na leitura inicial comecei a ter curiosidades e fazendo valer meu direito ao acesso à informação comecei a questionar o governo e pedir documentos. A partir daí comecei a desenvolver esse trabalho”.

Mas lidar com os portais de transparência, logo de início, deu sinais de que os dados não são tão públicos assim, afirma Denise. “Os dados têm que estar disponíveis, mas o problema é que não são acessíveis. Algumas vezes tenho que ir no órgão para protocolar uma requisição, às vezes até pagar. E depois tenho que pessoalmente buscar as informações”.

A descoberta do edital de compras das motos pelo DER foi online. Segundo Denise, ao acessar o portal da transparência, viu o documento da licitação que chamou a sua atenção. “Fiquei curiosa quando vi uma licitação de compras de motocicletas. O que me chamou a atenção foi a cobrança da marca e do modelo. Como a lei determina que o direcionamento de marca só pode existir quando tem razões técnicas ou específicas, eu pedi via Lei de Acesso à Informação o estudo técnico que amparasse a compra, além de questionar o valor de teto do edital, superior ao de modelos similares na tabela Fipe”.

Não satisfeita com a resposta do DER, a auditora entrou com representação no Tribunal de Contas questionando a compra. Esta é a segunda representação apresentada por ela. A outra é de um edital de compra de alimentação para a Casa Civil.

Além das duas denúncias, Denise acumula cerca de 300 pedidos de informação questionando editais e licitações tanto do Governo Federal quanto do Estadual. As respostas, a auditora compartilha em sua página no Facebook. A ideia, aponta ela, é que a iniciativa ganhe corpo e estrutura, para que possa ter mais tempo para se dedicar às fiscalizações, mas que também consiga dar corpo jurídico ao projeto. “Acredito que ao tornar isso em projeto possa deixar mais público, além de desvincular da minha pessoa física”.

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