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Nelson Justus (DEM) decidiu abandonar a eleição para a presidência da CCJ, sua última trincheira de poder na Assembleia. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Nelson Justus (DEM) decidiu abandonar a eleição para a presidência da CCJ, sua última trincheira de poder na Assembleia.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Foi um discurso em tom de mágoa e para uma Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em silêncio. “Eu participei, pasmem alguns, de 16 eleições. Nunca perdi uma. Ganhei todas. Três, inclusive, aqui na Casa. E o mais interessante: naquela oportunidade [referindo-se a uma disputa pela presidência da Alep], o meu adversário tinha uma lista com 34 assinaturas [de intenção de voto]”, disse o deputado estadual reeleito Nelson Justus (DEM), em um dos raros momentos à frente da tribuna, na última segunda-feira (11). A seguir, olhou para seu grande adversário político naquele momento. “Quando abriram as urnas, deputado Delegado Francischini, ele tinha 17”, disparou, antes de anunciar sua desistência de concorrer à presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa. Foi o maior tombo do político que, há menos de uma década, tinha a Assembleia em sua mão.

A desistência de Justus foi protocolar. Aos 70 anos e em seu sétimo mandato consecutivo na Alep, o deputado estadual tinha chance quase nula de vencer a disputa. Seu adversário, Fernando Francischini (PSL), já tinha o apoio expresso da maioria dos membros da CCJ e implícito, segundo notas de bastidores, do próprio governador, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). Um gosto amargo para o político que vinha se mantendo há oito anos à frente da comissão que influencia diretamente na pauta do dia e analisa todos os projetos que passam pela Casa. Desprestigiado, lhe restou a presidência da Comissão de Finanças, um cargo que reduz e muito seu poder de barganha com estado e outros deputados.

A derrocada do cacique - mesmo que ele tenha bradado que, “com certeza”, voltará ao cargo em dois anos - é mais um capítulo em uma série de desventuras que lhe acometem desde 2010. Na última eleição, o baixo número de votos em sua base eleitoral, Guaratuba, foi como um banho de água fria. Justus recebeu na cidade apenas 3 mil votos dos 38 mil que o reelegeram – um dos concorrentes, Maurício Lense (PPS) teve o dobro. Com isso, Justus entrou, mas com o modesto penúltimo lugar na coligação Paraná Forte. O episódio levou seu filho, Roberto Justus (DEM), prefeito da cidade, a gravar um áudio constrangedor relacionando a culpa do resultado aquém do esperado aos funcionários comissionados. “Hoje é um dia muito triste para Guaratuba. A votação [do Nelson Justus] foi tão inexpressiva na nossa cidade que se ele não tivesse sequer um voto em Guaratuba ainda assim seria eleito”, disse o prefeito, que em seguida ameaçou demitir mais de cem funcionários. Mais tarde, ele se desculpou pelas redes sociais com um tratado sobre a palavra “gratidão”.

Não foi o pior episódio para o político. Um vídeo vazado que mostra Justus criticando Ratinho Junior fez o deputado estadual cair em desgraça com o governo. Nas imagens, gravadas na campanha de 2018, Justus aparece comentando com eleitores que “o pai de Ratinho Junior”, o apresentador Ratinho, “é trabalhador” e “o filho, não”. “Você [Ratinho Junior] está mentindo. Até agora não respondeu quantas secretarias [de governo] irá cortar. Não vai cortar nenhuma. Outra, você disse que vai acabar com todas as mordomias. Quer que eu mostre aqui quanto você gastou de passagem de avião quando foi secretário [de Desenvolvimento Urbano, na gestão Richa]?”, dizia o deputado na gravação.

Não se sabe o contexto da conversa, mas fontes próximas ao Executivo garantem que a gravação enfureceu o governador, que preferiu endossar a candidatura de Francischini à CCJ a apoiar o novo desafeto. Uma manobra considerada arriscada por analistas, já que o deputado do partido de Bolsonaro tem intenção de concorrer à prefeitura e pode barrar pautas impopulares – algo improvável com Justus, que deu carta branca ao ex-governador Beto Richa (PSDB) mesmo em matérias mais críticas.

Manchado pelos diários

O início da queda de Justus, porém, se deu no início da década. Para o cientista político Emerson Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o primeiro passo da derrocada foi o escândalo dos Diários Secretos, uma série de reportagens produzidas pela Gazeta do Povo e RPC que denunciava o uso de funcionários fantasmas na Alep. “Ele nunca mais conseguiu se candidatar a um cargo importante na Mesa depois que foi o presidente dos Diários Secretos. A carreira dele se divide em dois momentos: o de muito prestígio e o de pouco prestígio, após as denúncias”, avalia.

Justus era o presidente da Casa em 2010, quando a prática foi denunciada. Além disso, o gabinete dele estaria ligado a dezenas de pessoas, de duas redes familiares, usadas para desviar o dinheiro público. De acordo com o Ministério Público, que elaborou a acusação contra o deputado e outras 31 pessoas, o núcleo de Justus recebia indevidamente cerca de R$ 1 milhão por mês. Neste episódio, 17 pessoas foram condenadas em primeira instância, em 2017. Por causa de seu foro privilegiado, no entanto, Justus conseguiu desmembrar e arrastar seu julgamento, que ainda segue sem data acontecer. Seu poder na Alep, no entanto, começou a derreter. “Ele ganhou a presidência da CCJ como uma espécie de prêmio de consolação”, aponta Cervi.

Embora afetado, o político conseguiu manter o cargo eletivo por três pleitos após o escândalo. “Se analisarmos a história eleitoral dele e do Alexandre Curi [deputado estadual do PSB], que era o primeiro-secretário dele e também foi um dos mais atingidos pelos Diários Secretos, vemos que os dois foram reeleitos. Nunca deixaram de ser. Mas a trajetória da distribuição de votos dos dois mudou. O Curi hoje é votado no Noroeste do estado, não na região de Curitiba, onde o avô dele [o ex-deputado, já falecido, Anibal Khury] dominava. O Justus reforçou o espaço dele no Litoral, mas com o tempo vai perdendo, vai se desgastando”, analisa o cientista político.

Apesar disso, ainda é inegável a influência política do deputado na cidade litorânea. Além de ter o filho gerindo o Executivo Municipal, Nelson Justus já foi responsável por eleger a cunhada, Evani Cordeiro Justus, para a prefeitura da cidade por duas legislaturas. O domínio da família já dura 10 anos em terras guaratubanas.

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No plenário e a jornalistas, no início da semana, Justus sustentou que a eleição da CCJ seria de “cartas marcadas”, sem citar diretamente uma interferência do Executivo estadual na casa legislativa. “Evito um constrangimento aqui na Casa. Votar no amigo Nelson Justus é contrariar outras pessoas”, disse aos repórteres.

Nos bastidores, comenta-se que ele havia tentado convencer seus pares por uma votação secreta, na esperança de angariar apoio de quem o preferia, mas não queria se indispor com o governador e sua imensa base governista. “Há momentos na vida que pede para recuarmos para avançar depois. Eu não tenho o direito de prejudicar aqueles companheiros que são sinceros e que olhavam os meus olhos e diziam: ‘o meu voto é teu. Eu quero você na CCJ. Mas eu não posso”, declarou, para em seguida anunciar sua “aposentadoria” das eleições. Disse que não irá mais concorrer a um cargo político. Um anúncio um tanto quanto prematuro, já que ainda estará no quadro da Casa por quatro anos.

O deputado não retornou às solicitações de entrevista da reportagem.

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