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Cida Borghetti (PP) | Henry Milleo/Gazeta do Povo/Arquivo
Cida Borghetti (PP)| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo/Arquivo

Cida Borghetti (PP) ultimamente anda com os dedos cruzados. Faz figas para que o tucano Beto Richa (PSDB) desça do muro decidido a brigar por uma das duas cadeiras em disputa no Senado em 2018, o que o obrigaria a renunciar ao mandato de governador em abril próximo – deixando o comando da máquina estadual nas mãos dela.

“Eu torço para que ele dispute o Senado”, disse à Gazeta do Povo. “O trunfo dela, para ser uma candidata viável ao governo, em outubro, é esse. O cargo tem muita força”, avalia um importante deputado estadual alinhado ao tucano. Mais ainda no caso da pepista, que seria a primeira mulher a assumir o governo de forma definitiva, com o tradicional pacote de obras de fim de mandato por inaugurar e o apoio indisfarçado do governo federal, onde o marido, Ricardo Barros, é ministro da Saúde.

Aos 52 anos, Cida Borghetti, graduada e especialista em Administração Pública pela Unisul e UFRJ, que se politicamente se define como “de centro, com um dedinho à direita”, quer ser governadora – como repete desde que voltou ao PP, legenda dominada pelo marido no Paraná, em 2016. Talvez mais importante, Barros quer fazê-la governadora.

“A candidatura dela é um movimento dele, e de mais ninguém”, disparou o deputado, que falou sob a condição do anonimato. Algo que a vice-governadora nega, sem grande convicção – antes de tecer loas ao marido: “[O deputado] Está completamente equivocado. Nunca recebi uma orientação ou solicitação do Ricardo, que é nosso líder, talvez uma das pessoas mais preparadas desse país, brilhante, inteligentíssimo”.

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O colunista social Nemecio Müller, de 61 anos, amigo próximo de Borghetti há mais 30 anos, e ocupante de um cargo de assessor no gabinete dela, foi mais claro: “A carreira política dela foi um projeto do grupo, do Ricardo [Barros], que vem de uma família tradicional política. Se você é casada com um político, está num clã político, de tradição e herança políticas, você segue essa vertente”, definiu.

A criança da gruta

Cida Borghetti quase não nasceu.

Em 18 de fevereiro de 1965, o ônibus em que Ires Anna Borghetti viajava entre Caçador e Porto União, em Santa Catarina, acompanhada de dois dos filhos, tombou numa curva da estrada. “Eu gritei: ‘Nossa Senhora Aparecida nos acuda’”, ela relembrou, em entrevista recente a uma rádio local. O acidente deixou mortos, mas Ires, que ia grávida de quase sete meses, não se feriu. Naquela noite, de volta a Caçador, onde vivia, ela daria à luz a décima de seus treze filhos: Maria Aparecida Borghetti.

“Minha mãe mandou construir uma capela ali”, recorda a vice-governadora – o local ficou conhecido como a Gruta de Matos Costa, nome do município em que ocorreu o tombamento. “Virou um ponto religioso. Pessoas param para rezar, tomar água na bica. Muita gente acha que a criança que sofreu o acidente morreu. Mas a criança sou eu”.

Criança, Cida Borghetti já vivia em Curitiba. Na cidade, o pai – um descendente de italianos nascido em Erechim, Rio Grande do Sul – comprou um restaurante na avenida Alcides Munhoz, quase esquina com a avenida Manoel Ribas, a Cantina Casagrande. Getulista de carteirinha e fervoroso torcedor do Internacional, Severino Ivo Borghetti comandava a cozinha – a filha se lembra dele como exímio assador –, e a mulher, o caixa. “Morávamos atrás do restaurante. De vez em quando, eu ajudava a minha mãe”, conta a pepista. Mas não por necessidade: os Borghetti eram uma família de classe média, e podiam prescindir do trabalho dos filhos.

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“Nós só estudávamos. Eu primeiro quis ser jornalista, mas vi que não era o meu caminho. Acabei na publicidade”, disse a vice-governadora, que recebeu a Gazeta do Povo em seu gabinete, no Palácio Iguaçu, num nublado início de tarde da semana passada. Estava perfeitamente maquiada – um cuidado diário, disseram pessoas próximas a ela. Vestia um terno escuro e um tanto espalhafatoso, ornado com franjas, com um broche da campanha Outubro Rosa na lapela esquerda. As unhas, pintadas num rosa pálido, estavam impecavelmente feitas.

“Acabei indo trabalhar como estagiária na TV Curitiba [antiga denominação do canal 2]”, conta Borghetti. Ali, juntou-se a Nemecio Müller – que era amigo de um de seus irmãos mais velhos – na produção de um programa de entrevistas chamado Curitiba VIP. “Era o início dos anos 1980. A emissora estava começando. Dividíamos a mesa e o salário, que era uma ninharia, coisa de uns R$ 600, em dinheiro de hoje. Eu tinha um Corcel do modelo mais antigo, de quatro portas. Um dos patrocinadores, uma casa de decoração, emprestava o cenário. Eu e Cida carregávamos sofá, tapete, quadro, tudo no Corcel”, lembra ele.

“A emissora acabou me contratando, como funcionária, meses depois. Era pouca gente, então eu fazia de tudo. Escrevi, produzi, apresentei programa, fiz reportagem de rua. Até a religar o transmissor, que volta e meia caía, eu aprendi”, fala a vice-governadora. “Como jornalista, ela não tinha grande destaque. Era mais uma profissional de vendas”, contou um profissional da área. “Sempre foi muito atenciosa, uma pessoa fácil de trabalhar”, disse um antigo chefe de Borghetti na emissora.

Em 1989, Cida Borghetti fundou uma agência de marketing político, a VGB – que também tinha como sócios o publicitário Heitor Gurgel do Amaral Valente Netto e a administradora Maria Ines Galvão de Galvão (sic). “Assumimos de pronto toda a campanha interna do [então candidato a presidente Fernando] Collor”, contou. Um ano antes, ela trabalhara na área para o PFL, partido ao qual era filiada. Foi por conta disso que travou contato com Ricardo Barros. “Um dia eu liguei para ele, que era candidato em Maringá, dizendo que mandaria uma mensagem do presidente do partido e um jingle. Ele me respondeu bem ao estilo dele, seco: ‘Não preciso’”, recorda.

O primeiro encontro de ambos foi em janeiro seguinte, em Matinhos. Barros, já eleito, fora à cidade litorânea para uma festa, promovida pelo colunista social Dino Almeida, que reunia gente da sociedade na praia de Caiobá. “Todo mundo vestia branco, naquele calor, menos aquele sujeito de calça preta e camisa de gola de padre de mangas longas, também escura. E eis que o padre veio pro o meu lado”, ri a vice-governadora. Atraído pela moça, Barros pediu a Carlos Marassi, jornalista e mestre de cerimônias da festa, que os apresentasse. Seis meses depois, já namoravam, e Cida arrumava as malas prontas para viver no Noroeste do estado. Em fins de 1991, estavam casados – e a publicitária tornou-se primeira-dama de Maringá.

O casamento com o “padre”

Apesar de dizer-se militante desde a juventude – foi filiada ao braço jovem do PDS, partido que sucedeu a Arena, legenda que sustentou a ditadura militar –, Cida confessou que jamais pensara numa carreira política até casar-se com Ricardo Barros. Em 2000, porém, aceitou “um pedido do grupo” liderado pelo marido e candidatou-se à prefeitura. Foi um gesto de desprendimento: Ela recém saíra de um tratamento de quatro anos contra um câncer no colo do útero. “Eu tinha 33 anos [quando a doença foi diagnosticada], uma filha de quatro [a hoje deputada estadual Maria Victoria Barros]. Tive uma complicação na primeira cirurgia, uma hemorragia violenta, os médicos disseram que perdi quatro litros de sangue. Retirei o colo do útero, depois os ovários, as trompas”.

A doença a impediu de realizar o desejo de ter mais filhos e, de alguma forma, parece tê-la levado a abraçar algumas bandeiras. Num de seus dois mandatos como deputada estadual, apresentou projeto de lei que criou o Dia Estadual de Luta contra o Câncer de Mama. Deputada federal, propôs emendas para criar centros de diagnóstico para a doença. Também fala com apreço do estatuto da primeira infância, cuja redação coordenou em Brasília. “É a lei mais avançada do mundo a respeito. Tenho a convicção de que investir na primeira infância fará um Brasil diferente. É a única maneira de salvar o país”, carrega. “E você traz a família junto”, ela prossegue. “Por exemplo: uma vez por semana, a família ter de ir à escola, à creche, para saber como os filhos estão sendo cuidados. E ganhar tarefas para o fim de semana. Em vez de deixar as crianças jogadas no sofá, receber indicações, ingressos para programas culturais, uma peça de teatro, uma exposição. É um projeto que gostaria de implementar”, vislumbra.

Cida Borghetti foi bem menos eloquente quando a conversa desviou dos temas que lhe são caros e chegou à agenda econômica. “Não”, respondeu, seca e convicta, quando questionada se há espaço, no Paraná, para a venda de empresas públicas. “Não é uma questão que me pareça prioridade. O Estado pode diminuir de outras formas”, argumentou. Quais? “Enxugar a máquina, né? Diminuir bem”, redarguiu, sem ser específica.

Tampouco foi clara ao ser perguntada se apoia decisão recente do Senado que autoriza a demissão de funcionários públicos concursados. “A colaboração desses funcionários valorosos, que lutaram para chegar ali, é de extrema importância”, tergiversou. Instada a avançar na questão, respondeu: “[A produtividade do setor público] Pode ser melhor. Deve ser melhor”.

Por outro lado, disse que não teria problemas em defender o governo Richa, ainda que o tucano tenha, em pesquisa recente do instituto Paraná Pesquisas, a reprovação de 57% do eleitorado. “Não terei problemas em defender um estado que tomou medidas impopulares no momento certo e que hoje é tido como exemplo para outros estados”, classificou.

A Bíblia na cabeceira

Cida Borghetti se define como uma mulher “extremamente religiosa”. Num aparador a um canto de seu gabinete, mantém dez imagens de Nossa Senhora de Aparecida, a quem a mãe invocou horas antes da hoje vice-governadora nascer, e que lhe emprestou o nome de batismo. “A Bíblia é meu livro de cabeceira. Ela e um livrinho de orações”, diz. É contra o casamento gay “na igreja”. “Mas as pessoas são livres para escolher o seu futuro”, exorta. Diz ser “a favor da vida”, mas também defende o direito ao aborto no caso de mulheres violentadas ou que estejam gestando crianças com alguma má-formação que coloque ambas as vidas em risco.

A pepista foi descrita por 100% das pessoas com quem a reportagem conversou como uma pessoa simpática, agradável, afável e gregária, ou seja, sociável – uma antítese perfeita do marido, homem pouco dado a conversas e de perfil truculento. “Anos atrás, Barros, ainda prefeito, quis que Oscar Niemeyer fosse a Maringá para apresentar um projeto para o novo centro da cidade”, contou uma antiga auxiliar do casal. O arquiteto, porém, era famoso pela ojeriza ao avião. “Cida pegou um carro em Maringá, viajou mil quilômetros para buscá-lo no Rio, outros mil para trazê-lo ao Paraná, e depois tudo de novo para levá-lo embora”, confidenciou a antiga assessora.

“Eu sou assim, é o meu jeito”, confirmou a vice-governadora – que, ao fim da entrevista, fez questão de sacar o celular para mostrar fotos e vídeos dela com sobrinhos e o primo de primeiro grau Renato Borghetti, o Borghettinho, famoso cantor e compositor de música tradicional gaúcha. “Sou 100% disponível, largo o que estou fazendo para ajudar quem estiver precisando. Acho que é uma grande qualidade para uma pessoa pública”, sentenciou, num breve lampejo de imodéstia.

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