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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Era para ser a nova sede da Escola Estadual Francisco Pires Machado, mas a construção de 3,6 mil metros quadrados se resume a dois galpões inacabados de concreto e tijolos, no bairro Cará-Cará, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Abandonado desde agosto de 2015, o prédio até recebe alunos – não para aulas ou atividades extracurriculares, mas para “fazer folia”. Todos os dias, crianças que deveriam estudar ali usam o espaço apenas para brincadeiras, como “pega-pega” e “polícia e ladrão”, mesmo entre entulhos, pedaços de madeira, pregos enferrujados e mato alto.

“A gente sai da aula e passa aqui pra fazer folia. Tem bastante espaço pra correr... tem escada, tem salas. É legal”, resume Rafael*, de 11 anos.

Veja fotos da construção da E.E. Francisco Pires Machado.

O abandono escancara o impacto da corrupção em recursos da educação. No mês passado, a obra entrou na mira da Operação Quadro Negro, que investiga um esquema de desvios de recursos públicos destinados à construções e reformas de escolas estaduais. Orçada em R$ 4,7 milhões e executada pela Valor Construtora, a nova sede da E.E. Francisco Pires Machado teria dois pavimentos, por onde se estenderiam 16 salas de aula, além de laboratórios de informática e ciências, e que serviriam a mais de mil estudantes.

“Folia”: crianças saltam de janela em escola abandonadaJonathan Campos/Gazeta do Povo

Por ora, no entanto, a construção serve de palco para as incursões de crianças, como Rafael* e seus amigos. Eles parecem não se importar com os escombros, vergalhões expostos ou com as rampas sem corrimões. Pelo contrário: com mochila nas costas, saltam de janelas e correm de chinelo sobre montes de cacos de tijolos. Além dos meninos, o prédio é ocupado por uma pequena matilha de cachorros, provavelmente sem dono.

“Seria legal estudar num colégio desse tamanho”, aponta Renato*. “Já que não dá pra estudar, a gente usa pra brincar mesmo, né?”, completa o menino.

Enquanto o novo prédio não passa de uma construção abandonada, a escola Francisco Pires Machado funciona hoje naquela mesma quadra, mas em estrutura bem mais modesta: seus 500 alunos dividem espaço com os estudantes de uma escola municipal. São apenas seis salas de aula e um laboratório de informática com seis computadores, além de uma sala de professores e uma pequena biblioteca. É ali que Rafael* e Renato* estudam. “A nossa escola é pequena, velha. Falaram que a gente ia estudar aqui, nessa grandona. Mas nunca ficou pronta”, lamentou Rafael*.

Alunos brincam entre escombros do que seria o novo colégioJonathan Campos/Gazeta do Povo

Abandono sem aviso prévio

Vizinho da obra, Lourival Vieira da Silva, de 62, anos, trabalhou na construção da escola desde 2013, quando as obras começaram. Ele relata que a Valor Construtora abandonou os trabalhos sem aviso prévio, deixando operários sem pagamento. Com dois meses de salário em atraso e sem receber benefícios trabalhistas, ele recorreu à Justiça, que lhe deu ganho de causa. Agora, o pedreiro só espera pôr as mãos nos R$ 21 mil, estipulados pelo juiz como indenização.

“Ninguém avisou. Parou do nada. A gente veio pra trabalhar, os ‘cabeças’ da construtora não vieram mais. Ninguém disse um nada pra gente”, disse.

Lourival Vieira da Silva trabalhou na obra e recorreu à Justiça para tentar receberJonathan Campos/Gazeta do Povo

A convite da reportagem, ele conduziu a Gazeta do Povo por um vistoria à obra, detalhando o estágio de deterioração do prédio. Apontou incontáveis buracos nas paredes, mesas de concreto destruídas onde seriam os laboratórios, caixas d’água furadas e janelas arrancadas. As privadas dos banheiros foram arrancadas e quebradas. Em alguns pontos, há vestígios do que seriam fogueiras, indicando a ocupação do prédio. “À noite, vira um negócio... Moçada fumando maconha, fazendo farra. Aquela coisa”, contou Vieira da Silva.

Além da deterioração, é possível constatar o prejuízo causado pelo abandono. A fiação elétrica do prédio foi toda furtada. Materiais de construção – como pilhas de tijolos, cimento e cerca de 400 caixas de azulejo – também foram levados. Do carregamento de vergalhões, apenas os menos espessos sobraram, mas já estão completamente enferrujados. A atmosfera de desolação impressiona.

Mato e deterioração na obraJonathan Campos/Gazeta do Povo

“Era uma obra importante, porque os meninos, hoje, estão espremidos ali [na atual sede da escola], dividindo o espaço com a escola municipal”, apontou o pedreiro. “Ano que vem tem eleição, então talvez voltem a mexer nisso aqui...”, acrescentou.

Documentos

Aos fundos do terreno, em um anexo de madeira onde ficava uma espécie de escritório improvisado da construtora, ficaram montes de papel espalhados pelo chão. Tratam-se de documentos de todo o tipo: desde notas fiscais de chegada de materiais de construção e plantas da obra, até documentos com o timbre do Ministério da Educação (MEC). A papelada reforça a informação de Vieira da Silva, de que a construção foi abandonada às pressas, sem aviso prévio.

Documentos abandonados em escritório da construtora na obraJonathan Campos/Gazeta do Povo

A construção

Apesar de se tratar de um colégio estadual, a obra foi gerenciada pela prefeitura de Ponta Grossa, por meio de um convênio entre a Secretaria de Estado da Educação (Seed) e a o município, firmado em 2011, na gestão do então prefeito Pedro Wosgrau Filho (PSDB). A construção chegou a ter mais de 20 operários trabalhando, mas está parada há mais de dois anos.

Na instauração do inquérito civil que investiga a obra, o Gepatria – grupo do MP-PR de proteção ao patrimônio público – destaca que uma das solicitações para que o convênio saísse do papel partiu do deputado Plauto Miró (DEM), investigado na Quadro Negro e apontado como beneficiário de R$ 600 mil em propinas que teriam sido pagas pela Valor.

“O Plauto não saía da obra. Vinha todo mês aqui. Depois que parou, nunca mais apareceu”, disse o pedreiro Lourival Vieira da Silva. Por meio de sua assessoria, Plauto Miró confirmou que a construção da escola era um pedido dele e que ele costumava fiscalizar o andamento dos trabalhos, como costuma fazer com outras obras públicas.

Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A ampliação da Quadro Negro

Na semana passada, a Gazeta do Povo mostrou que a Quadro Negro ampliou suas investigações para obras de 18 escolas, de outras 13 construtoras. Até então, as apurações haviam se concentrado em construções e reformas executadas pela Valor Construtora. Com a ampliação, o Ministério Público deve constatar que os desvios causados pelo esquema de corrupção passam dos R$ 20 milhões, apontados até agora. Obras tocadas pela Valor em Ponta Grossa também passaram a ser investigadas.

A Quadro Negro

Deflagrada em julho de 2015, a Quadro Negro começou a partir de investigação deflagrada pela Polícia Civil. Posteriormente, com o aprofundamento das apurações e com indícios de participação de servidores do governo estadual, o caso passou a ser investigado por dois grupos ligados ao MP-PR: o Gepatria e o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

Até então, os trabalhos se concentraram nos contratos da Secretaria de Estado da Educação com a Valor Construtora. De acordo com as investigações, mais de R$ 20 milhões foram desviados das obras de escolas estaduais, por meio do esquema. O dono da construtora, Eduardo Lopes de Souza, fechou colaboração premiada, em que apontou que o dinheiro abastecia a campanha de reeleição do governador Beto Richa (PSDB).

O delator destacou que o então superintendente de Educação, Maurício Fanini, esperava arrecadar R$ 32 milhões com os desvios relacionados à Valor. Além disso, Lopes de Souza apontou envolvimento da cúpula do governo estadual no esquema: o chefe da Casa Civil, Valdir Rossoni (PSDB) e do deputados Ademar Traiano (PSDB) e Plauto Miró (DEM). Todos negam as acusações e desqualificam a palavra do delator.

“De fato, a construção da Escola Estadual Francisco Pires Machado é um pedido do deputado Plauto Miró. Assim como outros tantos que culminaram em grandes benefícios para a comunidade princesina. O principal, entre muitos, está o que culminou na implantação do curso de medicina da Universidade Estadual de Ponta Grossa e no Hospital Regional”, consta da nota.

*nomes fictícios

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