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Paulo Pimentel em seu escritório: ex-governador agora se dedica à agricultura. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Paulo Pimentel em seu escritório: ex-governador agora se dedica à agricultura.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

“Tive um problema na coluna, operei para tirar uma hérnia e deu uma lesãozinha na perna”, apressa-se em dizer Paulo Pimentel ao receber a reportagem da Gazeta do Povo em seu escritório no bairro Vista Alegre, em Curitiba. “Eu estou usando tênis por causa disso. Mas tenho o sapato aqui, se eu preciso ir a algum lugar eu tiro essa porcaria”, afirma ele, mostrando uma sacola com o calçado. Prestes a completar 90 anos — ele nasceu em 7 de agosto de 1928 —, Pimentel faz questão de mostrar que continua lúcido e ativo. E, de fato, o ex-governador e empresário aparenta menos idade do que tem. “Acabei de fazer quarenta exames, da ponta do pé aos fios de cabelo, e está tudo bem, não tenho nada.”

Ele diz que costumava se preocupar com a idade avançada, mas que a realidade tem sido diferente do que esperava. “A característica da vida do idoso é a solidão. Ele teme ficar isolado. Os amigos vão morrendo e ele vai ficando triste. Não é o meu caso. Eu faço festa onde vou”, diz Pimentel, que se diverte ao ser reconhecido na rua. “Todo mundo me agrada, aqui vem gente todo dia bater papo comigo. Por 30 anos fui comentarista político, eu sou mais conhecido pela minha presença na televisão do que pela imponência do cargo de governador.”

Político e homem de imprensa, Pimentel chegou a comandar o maior grupo de comunicação do Paraná, uma estrutura que incluiu os jornais O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná, e as TVs Iguaçu, Tibagi e Coroados, entre outros empreendimentos. Os jornais foram vendidos em 2011 para o grupo GRPCOM, que publica a Gazeta do Povo, e as TVs passaram para o empresário Carlos Massa, o Ratinho, e se tornaram a Rede Massa em 2007. “Vi que não dava mais. Mudou o mundo, e eu senti. A mídia impressa vai ficar minúscula. Devia ter vendido os jornais até antes”, diz ele. “Mas a imprensa é poderosa. Nós gostamos de uma boa leitura.”

No entanto, Pimentel não esconde que deu início a esse pequeno império para poder se eleger governador. Ex-secretário da Agricultura do governo Ney Braga, ele saiu candidato ao pleito de 1965. “Em paralelo com a atividade política eu tive que montar um dispositivo de sustentação, porque eu não tinha cobertura de imprensa. Aí me disseram que o Aristides Merhy e Fernando Camargo queriam vender O Estado e a Tribuna. Eu fui lá e dei para eles o R$ 1 milhão que eu tinha no bolso. O resto fui buscar com o [fundador do banco Bradesco] Amador Aguiar, que era meu amigão, e me arrumou outros 9 milhões.”

Na época em que era presidente, o [Ernesto] Geisel falou: ‘Paulo, eu vou te liquidar’. Uma semana depois disso, a Globo cortou o sinal das minhas tevês. O Geisel não me tolerava. Eu pensava que ele ia mandar me matar. Eu comprava futebol da TV Bandeirantes e com 10 minutos de jogo a Embratel cortava o sinal. Comprava a novela do Silvio Santos, ‘O Espantalho’ — uma porcaria de novela, a pior do mundo —, colocava no ar e o Geisel mandava cortar. Mas nunca me entreguei.

Mais tarde, veio a TV Iguaçu, que foi afiliada da Rede Globo entre 1972 e 1976. “Falaram que fiquei com a TV por influência política, mas somente eu participei da concorrência. Quando eu já era governador comprei também a TV Tibagi. Aí fui me acertar com a Rede Globo. Montei uma estrutura e a primeira coisa que eu fiz foi levar o sinal até Foz do Iguaçu. A primeira televisão que assistiram por lá foi minha.”

Nem tudo, porém, foi fácil. Os entraves com os militares levaram Pimentel a perder a concessão da Globo. “Na época em que era presidente, o [Ernesto] Geisel falou: ‘Paulo, eu vou te liquidar’. Uma semana depois disso, a Globo cortou o sinal das minhas tevês. O Geisel não me tolerava. Eu pensava que ele ia mandar me matar. Eu comprava futebol da TV Bandeirantes e com 10 minutos de jogo a Embratel cortava o sinal. Comprava a novela do Silvio Santos, ‘O Espantalho’ — uma porcaria de novela, a pior do mundo —, colocava no ar e o Geisel mandava cortar. Mas nunca me entreguei.”

DESEJOS PARA O PARANÁ: Incentivo ao empreendedorismo

As relações com a ditadura militar já apresentavam alguma tensão no período em que Pimentel ocupou o Palácio Iguaçu, entre 1966 e 1971, eleito pelo voto direto. “O boato era que eu seria cassado”, diz o ex-governador. “Uma vez assisti a uma reunião do Conselho de Segurança Nacional e fiquei horrorizado. Cassaram quatro prefeitos do Paraná, e eu não sabia. E eu saí de lá bravo. Falei para o Costa e Silva que era um absurdo, sem direito de defesa, sem nenhum argumento melhor. Eu dizia: ‘por que vocês não convocam uma Constituinte e restabelecem [a democracia]? Porque, a longo prazo, vocês serão desmoralizados’.”

O Costa e Silva, que era ministro do Exército, me chamou. Pensei: tô fuzilado. Mas ele me pediu para ir ao Rio de Janeiro convencer o Ney a ser o vice dele. Eu achei a melhor solução do mundo, mas o Ney retrucou: ‘quem te autorizou a falar isso, seu traidor?’. Aí brigamos e ele disse que não aceitava. Falei com o Costa e Silva e duas horas depois escolheram o Pedro Aleixo. O Costa e Silva ficou doente, morreu e não deixaram o Pedro Aleixo assumir. Se fosse o Ney, ele teria sido presidente da República.

Albari Rosa/Gazeta do Povo

Pimentel tem um vasto repertório de causos envolvendo personalidades da política de sua época. Um deles diz respeito ao ex-governador Ney Braga, que na presidência de Castelo Branco ocupou o cargo de ministro da Educação. Segundo Pimentel, Braga alimentava o desejo de se tornar presidente, ameaçando as pretensões do marechal Costa e Silva de assumir o cargo. “O Costa e Silva, que era ministro do Exército, me chamou. Pensei: tô fuzilado. Mas ele me pediu para ir ao Rio de Janeiro convencer o Ney a ser o vice dele. Eu achei a melhor solução do mundo, mas o Ney retrucou: ‘quem te autorizou a falar isso, seu traidor?’. Aí brigamos e ele disse que não aceitava. Falei com o Costa e Silva e duas horas depois escolheram o Pedro Aleixo. O Costa e Silva ficou doente, morreu e não deixaram o Pedro Aleixo assumir. Se fosse o Ney, ele teria sido presidente da República”, especula.

Outro causo é sobre um desafeto famoso, o ex-governador José Richa. “Brigamos o governo inteiro dele”, diz Pimentel, que na época atuava como comentarista político na sua própria rede de televisão. “Uma vez ele interrompeu uma entrevista com uma repórter perguntando se ela era da TV Iguaçu, dizendo que ia acabar comigo. Eu falei para colocar no ar. Eu disse: ‘Muita gente mais forte e mais poderosa que você tentou acabar comigo. Você não tem força pra isso. E eu vou lhe enfrentar, você vai ter que me aguentar o governo inteiro’”, diz Pimentel, entre risos.

O ex-governador também não deixa de fora do seu radar o ex-presidente Lula, que está preso em Curitiba e luta para ser candidato à Presidência. “Ele não roubou muito, mas seus filhos enriqueceram.” Sobre os problemas do petista, Pimentel dispara: “O Lula deveria ter escolhido o melhor (para a sucessão), o que tinha as melhores condições, mas preferiu um poste. A Dilma não tinha condições de ser presidente”.

O Lula deveria ter escolhido o melhor (para a sucessão), mas preferiu um poste. A Dilma não tinha condições de ser presidente.

Trajetória política

Paulo Pimentel nasceu no município de Avaré, interior de São Paulo, onde foi locutor de rádio (“uma coisa bem provinciana, foi meu primeiro emprego”). Já na capital, estudou Direito na Faculdade de São Paulo. “Eu nasci para ser intelectual. A vida que me frustrou. Meu sonho era ser professor catedrático de direito civil na universidade.” No entanto, logo ele arrumou um emprego na Votorantim, onde ficou por seis anos e se aproximou de Ermírio de Moraes, dono da empresa. De lá, foi trabalhar em uma usina de açúcar de propriedade da família do sogro, João Lunardelli, em Porecatu, Norte do Paraná, onde se tornou superintendente. Foi lá, em 1960, que conheceu Ney Braga, então candidato ao governo do estado.

“Uma noite o Ney passou pela cidade e me chamaram para levá-lo para jantar”, conta Pimentel. “No começo ele pensou que eu era um matuto, mas logo começamos a falar sobre assuntos mais sérios. Na saída, ele me pediu um carro com motorista por 15 dias. Mais tarde, quando o motorista voltou, ele me disse: ‘Doutor Paulo, o senhor vai ser secretário de estado. Ele gostou da prosa com o senhor’. No Natal, com o Ney já eleito, fui chamado a Curitiba para falar com ele.”

Mas Pimentel não aceitou o cargo de primeira. “Eu ganhava muito bem, já tinha três filhas e não conhecia ninguém em Curitiba”, conta ele. “E agricultura não era o meu ramo, eu era da área de direito e finanças”. No fim das contas, acabou convencido. “Eu tinha experiência de administração. Na primeira reunião com a equipe eu disse: ‘eu sei que vocês estão pensando que eu não entendo nada de agricultura, mas eu entendo sim, nasci debaixo de um pé de café e vou fazer sucesso aqui’. E fui subindo.” Em 1961, Pimentel recebeu o título de “Homem do Ano”, e ouviu do deputado estadual Aníbal Khury um discurso em que dizia que o então secretário da Agricultura ainda seria governador do Paraná. “Foi aí que a mosca me mordeu”, se diverte.

Porém, no início da sua primeira campanha, Pimentel enfrentou a resistência do próprio Ney Braga, que, segundo ele, preferia o nome de Affonso Camargo para a sucessão. “Ganhei a convenção do PDC, da UDN, mas ninguém me registrou, todos eram meus inimigos”, diz ele. A solução foi se abrigar no nanico PTN. Como se não bastasse, o adversário de Pimentel era Bento Munhoz da Rocha Neto, um nome que carregava tradição na política paranaense. “O Bento era um intelectual, falava bem, tinha o nível alto. Eu era um pigmeu para enfrentar um monstro desse tamanho. Mas aí o Ney, que era inimigo do Bento, se queimou e pensou: ‘eu não tenho saída, tenho que ajudar o Paulo’. Foi uma luta de Davi contra o Golias”, recorda.

“Ganhamos a eleição no Norte do estado, em Ponta Grossa, em Guarapuava. Em Curitiba, perdi por pouco. Mas aí, forte com propaganda, com o serviço de divulgação que eu tinha, eu era o maior na época”, diz ele, se referindo aos jornais que havia comprado.

O Bento (Munhoz da Rocha) era um intelectual, falava bem, tinha o nível alto. Eu era um pigmeu para enfrentar um monstro desse tamanho. Mas aí o Ney (Braga), que era inimigo do Bento, se queimou e pensou: ‘eu não tenho saída, tenho que ajudar o Paulo’. Foi uma luta de Davi contra o Golias.

Pimentel assumiu o governo aos 37 anos. Sua administração é lembrada por avanços na educação e na infra-estrutura. “Construí três universidades (as estaduais de Londrina, Maringá e Ponta Grossa), em uma época em que era condenada a ideia de levar o ensino superior para o interior. Eu insisti em levar”, diz ele, que gosta de apontar os 1.800 km de estradas pavimentadas, a hidrelétrica de Capivari-Cachoeira e a expansão da Telepar entre suas realizações. Na época, Pimentel chegou a aparecer com destaque em uma reportagem da revista americana Time, que o apresentou como parte de uma nova geração de administradores brasileiros — ele pede a uma assistente que traga uma cópia da edição de 21 de abril de 1967, na qual mostra sua foto colorida com extrema satisfação para a reportagem.

“Eu nunca quis ser rico. Eu quis é ser importante. Meu maior orgulho é ter sido governador do estado”, conta. “Houve até a perspectiva de eu ser candidato a presidente da República. O Costa e Silva disse para o José Sarney: ‘se a eleição for direta, meu candidato é o Paulo Pimentel, se for indireta é o Mário Andreazza’. Mas ninguém tinha coragem de dizer pra eles [os militares] que o melhor era restabelecer o período democrático, que eles deviam entregar o poder e voltar para casa. Eu dizia. Por isso que tinham raiva de mim.”

Construí três universidades (as estaduais de Londrina, Maringá e Ponta Grossa), em uma época em que era condenada a ideia de levar o ensino superior para o interior. Eu insisti em levar.

Pimentel também foi deputado federal pelo Paraná por dois mandatos. No segundo, fez parte da Assembleia Constituinte, ao lado de nomes como José Richa, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Lá, cuidou da tramitação que transformou o antigo Tribunal Federal de Recursos no atual Superior Tribunal de Justiça. Mas nem todas as lembranças são boas. “A Constituição de 1988 teve o problema de querer resolver todos os problemas da humanidade. Ela foi o início da derrubada das finanças brasileiras”, opina. “Hoje, acho que a Constituição está bem consertada, ainda que tenha que melhorar.” Pimentel, é claro, também tem uma opinião sobre um político que se tornou símbolo daquele momento. “O Ulysses Guimarães era um sujeito bom, puro, mas era poeta, não tinha o pé no chão”, dispara.

A carreira política de Pimentel ainda incluiu uma tentativa de se eleger prefeito de Curitiba em 1985, em uma campanha marcada pelo discurso direto e sem papas na língua (ele ficou na terceira colocação, atrás de Jaime Lerner e do eleito Roberto Requião), e uma candidatura ao Senado em 1990, em que ficou em quarto lugar. Ele também colecionou ao longo de sua carreira centenas de honrarias e troféus, que mantém em uma sala em seu local de trabalho. “Tenho 17 comendas e 300 títulos de cidadania honorária”, se orgulha.

Eleições

O ex-político diz que vê a situação atual com preocupação. “Não há mais o que piorar. O Brasil está em uma situação imaginável. Todo mundo é ladrão, o presidente da República não governa. O país não tem presidente, não tem governo. O Michel Temer não tem condição de ser prefeito de Porecatu. É incompetente. E a corrupção continua de forma violenta.” Para ele, a eleição presidencial de outubro será decidida entre três nomes: Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro e o candidato do PT, que, na opinião dele, deve ser o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. “É só isso, o resto não tem condições.” Perguntado sobre o que acha de Bolsonaro, ele afirma: “Eu vou dizer uma coisa: eu tenho medo de milico. Eles não me cassaram porque não acharam nada, mas me meteram oito processos. O militar é um cara difícil. Ele vive a carreira dentro dos quartéis, ele se prepara muito, mas ele não tem chance de aplicar os conhecimentos que recebe. Então ele vai se saturando. E ele vem com uma sede enorme.”

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Já para o governo do Paraná, Pimentel prevê uma disputa entre a atual governadora, Cida Borghetti , e o deputado estadual Ratinho Junior . “O problema maior do Ratinho é que vai ter que aguentar uma campanha pesada só com o dinheiro do pai dele. Se der pra isso, ele vai ganhar. Mas a Cida vem com o governo inteiro e, além de tudo, terá um comandante de campanha superesperto, que é o Ricardo Barros. A favorita, ao meu ver, é ela.”

Não há mais o que piorar. O Brasil está em uma situação imaginável. Todo mundo é ladrão, o presidente da República não governa. O país não tem presidente, não tem governo. O Michel Temer não tem condição de ser prefeito de Porecatu. É incompetente. E a corrupção continua de forma violenta.

Afastado há anos do poder, o legado familiar de Paulo Pimentel na política continua — o vice-prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel, é neto dele. Hoje, o nonagenário se dedica à vida de agricultor, como ele mesmo se denomina, e claramente ama o que faz — ele se delicia descrevendo minuciosamente o processo de plantio da soja, por exemplo.

Possui ao total oito fazendas (“quase mil alqueires de terra”, diz), uma delas recém comprada. Se ocupa entre a administração dos negócios, incluindo os imóveis que aluga para a Rede Massa, e os cuidados com a saúde, que incluem exercícios diários e visitas recorrentes aos médicos para exames. “Eu luto pela minha sobrevivência. Eu sei que a vida vai terminar um dia. Mas como meu raciocínio é absolutamente perfeito, eu sei que vou um pouco mais longe. E eu pretendo viver mais uns dez anos.” Que ninguém duvide.

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