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 | Ilustração: Robson Vilalba/
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba/

Com a crise econômica brasileira e a falência de várias unidades da federação nos últimos anos, a gestão do governador Beto Richa (PSDB) aproveita para se gabar de uma situação fiscal mais favorável, que permite manter as contas em dia e até realizar investimentos. Além do ajuste nas contas, com aumento de impostos e retirada de benefícios de servidores, o que tem ajudado as finanças são os resultados da Copel e da Sanepar, duas joias que o governo do Paraná ostenta com orgulho e das quais não tem interesse algum em se desfazer – apesar do acordo recente para privatizar empresas públicas assinado com o BNDES ter provocado essa impressão.

INFOGRÁFICO: Entenda por que Sanepar e Copel são empresas sólidas para investidores

O governo tem várias vantagens ao manter essas duas companhias nas suas mãos. Elas têm gerado dividendos crescentes aos acionistas; geram também dividendos políticos, na medida em que são usadas como um “braço” do governo para fazer investimentos – só possíveis graças à cobrança de tarifas que subiram mais do que a inflação nos últimos anos; e geram também receita bilionária extra, a partir de venda de ações ou outras operações na bolsa. Essas operações, na prática, resultam na venda de parte das companhias, sem que o estado perca o controle acionário. Ou seja: não há necessidade de uma privatização completa para o estado arrecadar dinheiro.

No terceiro trimestre de 2017, a remuneração aos acionistas da Sanepar chegou a R$ 159,5 milhões, alta de 65% em relação ao mesmo trimestre de 2015. A Copel também está pagando dividendos altos neste ano: no fim de abril, uma assembleia geral de acionistas aprovou a distribuição aos sócios de 50% do lucro obtido pela companhia no exercício anterior. A medida havia sido defendida pelo governo e barrada pelo Conselho de Administração, que queria manter a distribuição em 25%, para não comprometer o cronograma de investimentos. Até dezembro, serão R$ 506,2 milhões pagos aos acionistas, contra R$ 326,7 milhões pagos no ano passado.

As operações mais rentáveis, porém, ocorrem via Bolsa de Valores. Em dezembro de 2016, uma oferta primária e secundária de ações da Sanepar, numa operação chamada “re-IPO”, rendeu quase R$ 2 bilhões. O governo do Paraná embolsou R$ 1,14 bilhões com a operação, dinheiro que está sendo usado em investimentos de estradas, segundo o secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa.

A companhia está no meio de outra operação na bolsa, de conversão de units – uma espécie de “pacote” de ações que une ações preferenciais e ordinárias, as quais rendem dividendos e dão poder de voto, respectivamente. Na conversão, o governo pretende vender parte de suas ações ordinárias, o que poderia render cerca de R$ 500 milhões, ainda no fim do ano ou no começo de 2018, a depender da adesão dos acionistas.

A Copel também preparava uma emissão de ações bilionária para este ano, mas a suspendeu porque o valor da ação no mercado está abaixo do valor patrimonial. No caso dela, a expectativa era de captar R$ 4 bilhões, mas revertidos preferencialmente para o caixa próprio, que está com dívidas de curto prazo de quase R$ 3 bilhões.

Alienação

Essas movimentações, porém, têm todas um ponto em comum: reduzir a participação do estado nas companhias, uma das premissas do acordo com o BNDES. A parceria com o banco foi firmada em junho, mas só veio à tona em outubro, após divulgação da Gazeta do Povo em parceria com o Livre.jor, um coletivo que monitora dados públicos. À época, o BNDES informou que “não há projetos em análise para o estado do Paraná”.

O governo estadual voltou a reiterar o mesmo nesta semana. No fim de outubro, em entrevista à Gazeta do Povo, o secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, foi categórico: “Não há qualquer intenção de vender Copel ou Sanepar”. Ele ressaltou que o acordo assinado com o BNDES prevê várias formas de desestatização, que não a pura privatização. O documento prevê sete formas: alienação (venda) de participação societária do poder público, aumento ou abertura de capital social de empresas estatais, concessões, permissões, parcerias público-privadas (PPPs) e arrendamento de bens.

E é justamente isso o que o governo vem fazendo, já com anuência dos deputados estaduais. Em setembro de 2016, sob protestos da oposição, a Assembleia Legislativa aprovou o “pacotaço” do ajuste fiscal de Richa, permitindo ao governo alienar as ações das empresas públicas e de economia mista, desde que mantenha o controle acionário. Na ocasião, foi definido que o percentual mínimo que deve permanecer nas mãos do estado é de 51% das ações ordinárias da Copel e de 60% das ações da Sanepar.

Na Sanepar, o governo ainda detém 90% do capital social, e pode se desfazer de 30% na conversão para as units. Na Copel, a emissão planejada de R$ 4 bilhões também diminuiria a participação do estado na companhia, atualmente em 58,6%. Ao diluir sua participação, o governo perde poder decisório. No fim de abril, um grupo de sócios minoritários, que aumentou sua participação na companhia graças ao “re-IPO”, conseguiu eleger um conselheiro para o Conselho de Administração. O objetivo deles é garantir o interesse dos investidores e impedir que se repitam situações como a da revisão extraordinária de tarifas de 2017. A Sanepar pleiteou um reajuste de 25,2%, a ser aplicado ao longo de quatro anos. A Agência Reguladora do Paraná (Agepar) determinou prazo de oito anos, o que foi entendido como ingerência política e foi mal recebido pelo mercado.

A proposta de migração para units, por sua vez, tem gerado boas expectativas no mercado, justamente porque implicaria na participação do governo na companhia. “Não é um movimento tão de curto prazo. Os acionistas ainda têm que aderir ao programa. Mas até fim do ano ou começo do ano que vem a operação pode acontecer”, diz Raul Grego Lemos, analista da Eleven Financial. Ele estima que a operação pode render até R$ 525 milhões. “A empresa tem bons números, bons resultados e tem gerado um bom lucro ao longo do tempo. A revisão tarifária, apesar de não ter sido como o mercado esperava, cobre custos e despesas e ainda gera um bom resultado”, avalia. Um relatório de 8 de novembro do banco de investimentos BTG Pontual, porém, destaca que ainda há um certo “ceticismo” dos investidores, porque não se tem garantia suficiente de que as revisões tarifárias não sofrerão interferência política.

No caso da Copel, o relacionamento com o mercado não está em uma boa fase. A divulgação de resultados do terceiro trimestre deveria ter ocorrido na quinta-feira (16), mas foi postergada por prazo indeterminado por conta de questões relacionadas às demonstrações financeiras da Usina Térmica de Araucária (Uega), conforme comunicado da companhia. Em 2016, por ter sido pouco demandada em ano de chuvas constantes, a unidade prejudicou o desempenho da estatal, que registrou queda de 25% no lucro. A Uega estava inclusive sem contrato para receber gás para sua operação, o que foi regularizado somente no começo de outubro, com uma nova parceria com a Petrobras.

Outra preocupação da Copel é com as dívidas de curto prazo: R$ 4,3 bilhões vencem até o fim de 2018, o que corresponde a 46% da dívida consolidada no fim do segundo semestre de 2017. Em boletim divulgado no fim de outubro, a agência de classificação de risco Fitch Ratings avaliou que a Copel e suas subsidiárias apresentaram “significativa deterioração de sua liquidez, com baixo volume de caixa e aplicações financeiras em relação à elevada dívida de curto prazo”. Na apresentação de resultados do segundo trimestre, o diretor de Finanças e de Relações com Investidores, Adriano Moura, informou que a companhia estuda se desfazer de ativos não estratégicos. Graças ao pacote aprovado na Assembleia Legislativa em 2016, as estatais paranaenses podem vender seus bens sem necessidade de anuência dos deputados.

Apesar dessas situações, a Copel é vista como importante ativo para o estado. “No momento, o setor elétrico está longe de ser o queridinho do mercado. Mas a Copel é uma boa geradora de caixa, com condições para melhorar sua posição e preço. Não há porque privatizá-la. É uma das joias da coroa, não faria sentido se desfazer dela”, observa Carlos Herrera, também da Financial.

Tanto a Copel como a Sanepar estão em período de silêncio – a primeira por causa da divulgação dos resultados e a segunda pelo lançamento das units – e por isso não se manifestaram.

Ingerências

Para o consultor em energia Ivo Pugnaloni, diretor da Enercons, a empresa energética tem valor estratégico, e por isso não poderia nunca ser privatizada. “Não haveria vantagem para o governo, para a sociedade, nem para a indústria. Ela tem monopólio natural, até pela sua natureza, não há como ter concorrência, por isso deve ficar nas mãos do estado”, diz ele, que já presidiu a companhia. “E se ela fosse para as mãos de um grupo empresarial concorrente da indústria de suínos ou da avicultura? Se quisesse prejudicar o nosso agronegócio poderia acabar, por exemplo, com o desconto de tarifa para energia rural. Não haveria nem como reclamar, se o empresário responsável fosse um investidor de Nova York, ou Londres”, pontua.

Por sua vez, o deputado estadual Tadeu Veneri (PT), líder da oposição, critica o que considera ingerência empresarial na definição dos rumos da Copel e da Sanepar. “O controle está tão pulverizado que o estado não precisa mais privatizar nada. Na prática são empresas públicas com controle privado, agindo conforme a orientação do mercado”, afirma. O líder do governo na Assembleia, Luiz Claudio Romanelli (PSB), rebate as críticas. “O governo está mantendo o controle acionário e tendo transparência na gestão da empresa, o que gera confiança por parte dos investidores e rende dividendos. A vantagem é que o lucro fica com o povo. Na medida em que vende ações e aloca a verba em obras de infraestrutura, divide os lucros com todos os paranaenses”, defende.

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