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Antes do fechamento para reformas, UPA tinha média de 400 atendimentos por dia | Joel Rocha/Prefeitura de Curitiba
Antes do fechamento para reformas, UPA tinha média de 400 atendimentos por dia| Foto: Joel Rocha/Prefeitura de Curitiba

Depois de uma série de problemas, a novela da reabertura da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) parece estar perto do fim. A promessa da prefeitura da capital é de que a unidade – que foi fechada para reformas em novembro de 2016 – volte a funcionar no dia 31 de julho. Esta será a primeira UPA da capital a funcionar por um modelo diferente: a unidade será gerenciada por uma Organização Social (OS), selecionada em maio deste ano. O contrato tem vigência de um ano, com possibilidade de prorrogação.

A organização vencedora foi o Instituto Nacional de Ciências da Saúde (INCS), empresa que já gerencia uma UPA em São José dos Campos, o setor de diagnóstico da Santa Casa de Sorocaba e um hospital em Mogi Guaçu, todos em São Paulo. A empresa atua na gestão de serviços de saúde há 11 anos. Até 2016, porém, ela funcionava com outro nome: Instituto Ciência da Vida.

A mudança aconteceu logo depois que a organização passou a responder por uma ação civil publica e uma ação cautelar inominada movidas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). O INCS, entretanto, afirma que os fatos não têm relação. A primeira ação diz respeito à contratação do instituto para a prestação de serviços médicos ao município paulista de Serrana, em 2013.

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De acordo com o MP-SP, a contratação foi realizada por meio de dispensa de licitação com indícios de “simulação”, já que as duas outras empresas concorrentes teriam apresentado propostas “montadas para a formalização do procedimento”. Por isso, a suspeita do MPSP é de que a licitação tenha sido direcionada ao INCS.

A contratação emergencial, por 90 dias, foi prorrogada posteriormente. Com isso, o prejuízo ao poder público chegaria a quase R$ 4,8 milhões, segundo o MP-SP. O processo, entretanto, ainda não teve decisões judiciais.

O INCS afirma que o entendimento do MP-SP é equivocado, já que, quando houve a contratação, a saúde do município estava “em estado de calamidade, o que autoriza a contratação da forma ocorrida” (leia mais abaixo). A reportagem tentou contato com a prefeitura de Serrana mas, até o fechamento do texto, não teve sucesso.

Falsos médicos

Já a segunda ação movida pelo MP-SP contra o INCS, em 2015, diz respeito ao pagamento realizado a falsos médicos em unidades de saúde em Franca, também em São Paulo. Os falsários se utilizariam do registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) de outros médicos, forjando a prestação de serviços em unidades geridas pelo INCS. O prejuízo ao poder público atingiria R$ 940 mil, de acordo com o MP-SP.

Por conta dessa ação, o contrato do instituto com a prefeitura de Franca foi suspenso para a apuração das responsabilidades, e os falsos médicos foram presos. O INCS afirma, porém, que foi vítima de “uma quadrilha de falsários” (leia o outro lado completo aqui).

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Situação semelhante foi motivo para outra ação movida pelo MP-SP em 2016. De acordo com o órgão, médicos falsificavam documentos para mascarar a falta dos colegas nas unidades de saúde de Franca geridas pelo INCS. Assim, ao realizar um atendimento, o profissional preenchia vários procedimentos em nome de outros médicos, de modo que todos recebiam pelos serviços. Nesse caso, não houve responsabilização do INCS, que afirma que fatos desse tipo “nunca ocorreram” (leia mais abaixo).

Economia e controle

A seleção do INCS para a gestão da UPA da CIC ocorreu nos meses de abril e maio deste ano. Puderam se inscrever no processo apenas oito empresas, que passaram pelo crivo da prefeitura para que fossem consideradas Organizações Sociais (OS). Um dos critérios era de que as entidades não poderiam ser consideradas inidôneas nem ter sido suspensas de licitar ou contratar com o município de Curitiba. Dentre as aprovadas, apenas três participaram do processo seletivo para gerir a UPA da CIC.

O argumento da prefeitura para terceirizar a gestão da unidade para uma OS foi financeiro. Segundo a Secretaria da Saúde, a economia será de R$ 408 mil por mês. O custo total mensal, de quase R$ 1,7 milhão, é 19,5% menor em relação ao que a prefeitura teria que arcar caso a UPA fosse gerida pelo modelo atual.

A secretária da Saúde, Márcia Huçulak, afirma que os dois modelos apresentam estruturas semelhantes e que serão oferecidos os mesmos serviços. “Do ponto de vista do atendimento ao usuário, nada vai mudar”, garante. Na visão do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sismuc), por outro lado, a terceirização dificultará o controle da qualidade dos serviços oferecidos e da aplicação do dinheiro público.

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“A história traz muitas experiências ruins, envolvendo desvio de verbas e outros aspectos negativos. Curitiba sempre foi exemplo na prestação de serviços de saúde, e sempre por meio de funcionários de carreira. Lamentamos muito porque entendemos que o prejuízo para a comunidade pode ser muito grande”, afirma Irene Rodrigues, coordenadora-geral do sindicato.

O Executivo municipal afirma, entretanto, que a atuação do INCS passará pelo crivo de uma Comissão de Avaliação do Contrato de Gestão, que será responsável por verificar se o instituto está cumprindo todas as exigências do contrato. A comissão é específica para a UPA da CIC, e terá membros da Secretaria da Saúde, do Conselho Municipal de Saúde, da Secretaria de Planejamento e Administração e da Secretaria de Finanças.

Polêmica na Câmara

A polêmica na terceirização da gestão das unidades de saúde da capital não é de hoje. No ano passado, a gestão do prefeito Rafael Greca (PMN) enviou à Câmara um projeto de lei que permitia a implementação do modelo para equipamentos de saúde e educação. O texto tramitou em regime de urgência e foi aprovado em meio a protestos dos servidores municipais. Na época, os vereadores de oposição criticaram o projeto por conta da dificuldade de fiscalização dos contratos.

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Três meses depois, uma liminar suspendeu o edital da prefeitura para qualificar fundações e associações como Organizações Sociais, a pedido do Ministério Público do Paraná. Em fevereiro deste ano, a prefeitura conseguiu reverter a decisão para a UPA da CIC.

Além dessa ação, está em curso outro processo para suspender a contratação do INCS. Ambos ainda estão sob análise pelos juízes responsáveis.

Outro lado

A Secretaria da Saúde de Curitiba afirma que quem deve se posicionar a respeito das ações judiciais contra o INCS é a própria organização.

A respeito da contratação pela prefeitura de Serrana por meio de dispensa de licitação, o INCS afirmou, em nota, que o processo foi legal porque a saúde do município se encontrava “em estado de calamidade” quando o contrato foi celebrado. Afirma, ainda, que o preço oferecido pelo instituto foi o menor entre as três concorrentes e que todos os serviços contratados foram devidamente prestados. Por fim, diz que, nesse caso, a prefeitura do município deixou de pagar pouco mais de R$ 2 milhões ao instituto por serviços prestados em maio, junho e julho de 2013, e que os valores estão sendo judicialmente cobrados.

A Gazeta do Povo não conseguiu contato com a prefeitura de Serrana até o fechamento da reportagem.

Já com relação aos médicos falsos que atuaram em Franca, o INCS diz que foi vítima de uma “quadrilha de falsários”, composta por pessoas formadas no exterior que não conseguiram revalidar seus diplomas no Brasil. Assim, eles se utilizariam de credenciais de outros médicos que não tinham foto de identificação junto ao CRM, o que dificultaria a descoberta da fraude. Quando o esquema foi revelado, segundo o Instituto, o próprio INCS elaborou “as devidas comunicações aos órgãos legais”.

Sobre os “médicos fantasmas” de Franca, o INCS afirma que esse tipo de situação “nunca ocorreu” e que a Secretaria da Saúde do município fiscalizava a prestação dos serviços nas próprias unidades.

Por fim, a alteração de nome, segundo a organização, não tem qualquer relação com os processos judiciais. A nota informa que a mudança ocorreu depois que o INCS recebeu uma notificação de outra organização social, que já havia registrado um nome que também utilizava a sigla ICV – Instituto Centro de Vida. O INCS diz que a mudança foi necessária para que não houvesse responsabilização judicial pelo uso do nome.

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