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Richa nega irregularidades e acusa delator. | Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo
Richa nega irregularidades e acusa delator.| Foto: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo

O vazamento da delação do empresário Eduardo Lopes de Souza, que envolve diretamente o governador Beto Richa (PSDB) e outras figuras do primeiro escalão no esquema de fraudes em obras de escolas investigado pela Operação Quadro Negro, caiu como uma bomba no Centro Cívico, onde aliados consideravam o pior golpe já sofrido pelo tucano. Na segunda-feira (4), Richa partiu para o ataque, para desmerecer o delator e o depoimento – mesmo argumento usado contra Joesley Batista, da JBS, que citou casos de caixa 2 na campanha de Richa em 2014, tal qual Souza.

A revelação de que a JBS manipulou o acordo de delação no âmbito da Lava Jato trouxe uma dose de alívio para acusados de corrupção Brasil afora. Entretanto, no caso da Quadro Negro, a delação de Souza é apenas um dos elementos em uma complexa investigação feita pelo Ministério Público Estadual desde 2015 e que não tem data para acabar. Por isso, independentemente de ela ser homologada ou não, muita coisa virá à tona, dizem os investigadores.

ENTENDA O CASO: Relembre os principais fatos da Quadro Negro

Souza conseguiu abalar as estruturas políticas do Paraná por trazer riqueza de detalhes de um esquema que desviou cerca de R$ 20 milhões dos cofres públicos, com anuência de servidores da Secretaria Estadual da Educação (Seed), que faziam medições falsas para a empresa receber pagamentos mesmo sem executar as obras de dez escolas. O empresário contou como se aproximou de políticos e as conversas que teve com eles, as tratativas de funcionários da empresa para agilizar os repasses e também como entregava em dinheiro vivo o montante desviado, usando caixas de vinho ou mochilas deixadas no banheiro da Superintendência de Desenvolvimento Educacional (Sude), da Seed.

Pelo relato de Souza, todo o esquema tinha como objetivo alimentar o caixa 2 da campanha de Richa em 2014. Essas suspeitas já tinham sido levantadas ao longo das investigações, mas, ao serem narradas minuciosamente pelo principal executor da fraude e publicadas na imprensa, provocaram grande impacto na política paranaense. Há um porém na história: o próprio empresário relata que muitas das provas foram eliminadas pelos envolvidos em junho de 2015, ao saberem que o Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce) da Polícia Civil faria uma operação.

Operadores

De todo o modo, o empresário conta como a partir do fim de 2011 conseguiu vencer licitações em Bituruna, interior do Paraná e reduto do então presidente da Assembleia Legislativa, Valdir Rossoni (PSDB), desviando dinheiro em benefício do político. Ele então teria sido apresentado ao responsável pelas obras da Sude, Maurício Fanini, com o qual montou um esquema para ganhar o maior número de licitações para construir escolas, e a partir disso desviar um montante para entregar a Fanini, que encaminharia o dinheiro para o caixa 2 de Richa em 2014. Os “operadores” do caixa 2, afirmou, seriam os atuais secretários estaduais Ezequias Moreira (Cerimonial) e Deonilson Roldo (Comunicação), além do primo distante Luiz Abi Antoun – também acusado de chefiar um esquema de corrupção na Receita Estadual, desvendado na Operação Publicano.

Foram citados ainda os deputados Ademar Traiano (PSDB) e Plauto Miró (DEM), que também teriam recebido parte do dinheiro desviado pela Valor. Eles teriam atuado, ainda, para direcionar a verba que a Assembleia devolve no fim do ano para o Executivo para que fosse aplicada em aditivos de R$ 6 milhões nos contratos da Valor. Esses aditivos tiveram um trâmite rápido no fim de 2014.

Em seu depoimento, Souza conta como o diretor da Sude se apresentava como pessoa de Richa e como teria se vangloriado da grande arrecadação para o caixa 2 do governador, e que teria sido premiado com uma “viagem da vitória” para Miami e o Caribe após a eleição. Fanini e sua esposa de fato viajaram para esses locais com Richa – fato comprovado em fotos. Quando essa relação veio à tona, no começo do mês passado, o governador não negou a amizade, mas ressaltou que “não tem compromisso com o erro de ninguém”, e quem deve precisa ser responsabilizado.

Ainda no período eleitoral de 2014, outro que teria participado do esquema era o então conselheiro do TC Durval Amaral, hoje presidente do órgão. O papel dele seria fazer vistas grossas às irregularidades, em troca de apoio à candidatura de deputado estadual do filho dele, Tiago Amaral. A partir de 2015, a verba desviada serviria para financiar futuras campanhas do governador, do seu filho, Marcello Richa, e do seu irmão, Pepe Richa.

“Mentira”

O governador ficou abalado com as acusações, mas partiu para o ataque. Convocou uma coletiva de imprensa na segunda-feira (4), fato raro durante sua gestão. Classificou Souza de “criminoso contumaz” e negou todas as acusações. “Ele inventou uma historinha, uma narrativa envolvendo políticos do estado e o governador, que sou eu, para conseguir a liberdade. E conseguiu. Nesse primeiro momento ele se deu bem”, afirmou. Richa também fez críticas à imprensa e destacou que, quando soube das irregularidades, determinou a investigação do caso.

A assessoria de imprensa do governador reiterou esses termos à Gazeta do Povo. “Apesar do desinteresse pela informação por parte dos meios de comunicação, a Quadro Negro só existe porque o governador adotou todas as medidas cabíveis para reparar a situação, assim que foi informado dos fatos, sem beneficiar qualquer pessoa envolvida. O governador reafirma que não tem compromisso com os erros de ninguém. Ele relembra, mais uma vez, que não pediu e não autorizou ninguém a fazer qualquer pedido em seu nome. E ressalta que todos que tinham alguma responsabilidade sobre as obras foram demitidos e alguns foram presos porque o próprio governo acionou a polícia”, diz nota enviada pela assessoria.

Todos os políticos citados por Souza também alegaram inocência e desmereceram o conteúdo da delação. A reportagem entrou em contato com o advogado de Fanini, Gustavo Scandelari, mas não houve retorno. Em outras ocasiões ele já havia negado o desvio de dinheiro público.

No embalo da delação, a bancada de oposição de Richa tentou emplacar uma CPI da Quadro Negro, mas conseguiu só 13 dos 18 votos necessários para protocolar um requerimento. Mesmo assim, adversários aproveitam o momento para desgastar a imagem de Richa em seus discursos e pelas redes sociais. O senador Roberto Requião (PMDB), que também concorreu ao governo em 2014, fez ilações a respeito do dinheiro desviado pela Valor e o financiamento de campanha do tucano, que contou com uma coligação de 17 partidos. “Todo mundo sabe no Brasil que esses partidos de aluguel operam de forma inescrupulosa”, disse, em vídeo.

Deputados estaduais também destacaram a delação, com mais ou menos contundência. A APP-Sindicato, foco de oposição ao governador desde 2015, fez dois atos em defesa das escolas e cobrando esclarecimentos da Quadro Negro, no sábado passado (2), e no desfile de 7 de Setembro.

Ao mesmo tempo, a gestão de Richa sofre uma baixa com a iminente saída do secretário do Desenvolvimento Urbano, Ratinho Jr., que a partir da próxima semana pretende retornar ao mandato de deputado estadual, de olho nas eleições de 2018. Nos bastidores, sabe-se que ele não deve assumir uma atitude oposicionista, mas o fato é que as forças políticas que sustentaram Richa até agora começam a debandar, cada uma de olho nos próprios interesses eleitorais.

Próximos passos

A delação de Souza ainda não foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – que precisa se manifestar por causa do foro privilegiado das autoridades envolvidas. Enquanto isso, uma ação penal contra 15 envolvidos na Quadro Negro permanece em suspenso na 9.ª Vara Criminal de Curitiba.

Entre os denunciados estão Souza, familiares beneficiados com desvios, funcionárias da Valor e também o ex-vereador de Curitiba Juliano Borghetti, irmão da vice-governadora Cida Borghetti. Ele teria sido pago para usar sua influência política e agilizar os pagamentos à construtora. O processo corre sob sigilo.

Caso a colaboração do empresário da Valor seja homologada, ela serve como uma prova “informativo-indiciária”, e os responsáveis pelas investigações nas instâncias superiores precisarão buscar outras provas para embasar as denúncias criminais. Há inquéritos criminais em andamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF, mas também sob sigilo.

Há outra frente de investigação, porém, que não precisa separar a investigação sobre as autoridades dos demais envolvidos no caso: as ações de improbidade administrativa. Em 3 de agosto, o MP, por meio do Grupo Especializado na Proteção do Patrimônio Público e no Combate à Improbidade Administrativa (Gepatria), ajuizou sete ações civis públicas contra 17 pessoas. Elas são acusadas de corrupção e desvio de dinheiro público no esquema revelado pela Quadro Negro. Além dos principais nomes citados na ação criminal, o MP acusa também servidores públicos pelas medições e fiscalizações fraudadas.

Segundo o promotor de Justiça Carlos Alberto Choinski, da Coordenadoria de Recursos Cíveis do MP, essas ações tratam de forma específica do desvio de dinheiro. “Essas ações, divididas escola por escola, mostram como era o pagamento, as medições, os fiscais. Foram envolvidos a turma da execução, por assim dizer, e um segundo escalão da gestão pública”, explica. Os processos correm na 1ª, 4ª e 5ª Varas da Fazenda Pública de Curitiba.

Para embasar essas ações, o MP partiu da premissa de que um desvio tão grande teria que contar com a ajuda de gestores públicos. “É impossível receber R$ 20 milhões livre do estado sem ter alguma conivência. É como dar 80% do seu salário para um total desconhecido”, observa.

O MP continua investigando o caso, agora com o olhar sobre a atuação dos políticos. “Entra todo esse viés de qual o papel de qualquer autoridade, qual ato administrativo fez em favor ou eventual tráfico de influência. A alimentação e validação da prova é diversa, por isso a separação”, afirma. A apuração é complexa, mas ela vem sendo feita através de análise de prova documental e perícias. E envolve outras escolas e construtoras, também com problemas de medição falsas – não tão escancaradas como no caso da Valor, que nem tirou as obras do chão. Essas outras escolas estão na mira também do Tribunal de Contas.

Por isso a delação de Souza não é vista como fundamental nesse campo. “Evidentemente, se ela for homologada, ela se adere ao que for necessário, para seguir investigação ou elemento de prova nas ações já propostas. Mas dá para trabalhar tranquilamente sem a delação. Muitas coisas já tinham sido evidenciadas por outros caminhos, por isso será uma soma, se vier”, diz Choinski.

De fato, nas peças iniciais das sete ações civis propostas, sobre as quais não há sigilo, há testemunhos e documentos que apontam para a participação de vários políticos e uso da verba da Assembleia Legislativa para pagar os aditivos da Valor.

Mas o alvo das investigações que seguem são mesmo as pessoas citadas por Souza? Choinski não revela. “Fazemos um desfiar do fato para entender se houve alguma influência ou participação dessa ou de outra autoridade. Formalmente não temos um rol de investigados, mas não se descarta a participação de ninguém”, conta. Tecnicamente, são analisados atos administrativos que podem ou não remeter à improbidade, dependendo das evidências.

Mesmo com as suspeitas de uso de caixa 2, possíveis favorecidos pelos desvios serão alvo de ações de improbidade. “Há um caminho a percorrer para se comprovar isso. Mas, se for caixa 2, não importa, o que interessa mais é se foi usado o dinheiro que estava nos cofres públicos para qualquer outro fim. Isso é improbidade. Se foi para joias, apartamento, caixa 2, se guardou, não importa”, explica Choinski.

A vantagem desse campo de investigação, pontua o promotor, é que ela não depende do foro das autoridades. “A figura da autoridade pública é lida em conjunto com os demais partícipes do caso. Isso dá uma consistência maior à prova, porque não precisa separá-la em razão da pessoa. Por essa consistência a ação de improbidade tem um caráter bem importante.”

Entenda o caso

Veja os principais pontos relacionados ao escândalo desvendado pela Operação Quadro Negro:

Escândalo

Em 25 de junho de 2015, a Secretaria Estadual da Educação (Seed) anunciou uma auditoria interna para verificar indícios de irregularidades em sete obras de escolas. Posteriormente se mostrou que fiscais faziam medições falsas para atestar o andamento de obras que não eram executadas, permitindo que a construtora Valor recebesse os pagamentos. Cerca de R$ 20 milhões foram desviados dessa forma de dez escolas

Busca e apreensão

A Operação Quadro Negro foi deflagrada em 21 de julho de 2015 pelo Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), da Polícia Civil, tendo como foco dez contratos da construtora Valor com a Seed. São presos temporariamente o empresário Eduardo Lopes de Souza, outras três pessoas ligadas à empresa e Maurício Fanini, diretor de Engenharia, Projetos e Orçamentos na Superintendência de Desenvolvimento Educacional (Sude), braço da Seed. Em setembro, o Nurce deflagra a segunda fase da operação, para apreender bens de luxo de Souza. Em novembro, o governo do Paraná entra com uma ação civil pública por dano ao erário contra a construtora e quatro pessoas ligadas à empresa. Maurício Fanini não foi incluído.

Acusação

Em dezembro de 2015, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público do Paraná (MP), deflagra a terceira fase da operação, com base nas investigações do Nurce. No fim do mês, é apresentada denúncia criminal contra 15 pessoas. Nos depoimentos colhidos, aparece o nome de políticos que teriam se beneficiado do desvio de verbas. Testemunhas relatam o uso de caixa 2 na campanha de Beto Richa e uso de verba da Assembleia para liberar aditivos de R$ 6 milhões nos contratos da Valor. Pelos nomes citados, inquéritos são abertos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Delação

O vazamento da delação do empresário Eduardo Lopes de Souza revela riqueza de detalhes da fraude e dos pagamentos feitos para beneficiar políticos, entre eles o governador Beto Richa. A colaboração ainda depende de homologação do STF. Se isso ocorrer, ela será anexada à ação criminal e também a outras sete ações civis públicas que tramitam na Justiça do Paraná. O MP continua a investigação sobre possível participação de autoridades em atos de improbidade administrativa.

Defesa

O governador Beto Richa diz que vai processar o delator e que as acusações que ele fez são falsas. Os outros envolvidos também negam participação no esquema de desvio de recursos. Segundo a assessoria de imprensa do governador, “a Quadro Negro só existe porque o governador adotou todas as medidas cabíveis para reparar a situação, assim que foi informado dos fatos”. O governo do estado afirma ainda que foi quem mais colaborou para as investigações. “Há, ainda, diversas ações da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) na Justiça pedindo ressarcimento dos valores desviados, conforme orientação do governador”, diz o governo, que pleiteia a restituição de cerca de R$ 41 milhões da Valor. Outra ação foi declarar a empresa inidônea e aplicar uma multa de R$ 2,1 milhões. “Ou seja, o governo do estado usou todas as ferramentas disponíveis para o ressarcimento dos cofres públicos e punição dos culpados”, afirma a assessoria de imprensa do governador.

Escolas

Segundo a Fundepar, que assumiu a execução das construções escolares da Seed, as investigações realizadas nos últimos meses impediram a retomada das obras até então. A situação atual das escolas iniciadas pela Valor é a seguinte, segundo a Fundepar: a licitação do Colégio Estadual Amâncio Moro foi realizada no começo de agosto e aguarda o empenho do recurso indicado na Fundepar; a licitação da Campo Distrital de Joá será feita em 22 de setembro. O processo das demais unidades está em trâmites pré-licitação: o da Willian Madi aguarda indicação orçamentária na Secretaria da Fazenda; o da Nova Ribeirão Grande está na Fundepar para registro da planilha orçamentária; e os processos da Arcângelo Nandi, Doracy Cezarino, Nova Jardim Paulista, Profº. Lysimaco Ferreira da Costa, Profª. Linda Salamuni Bacila e Tancredo Neves estão na PGE para análise da minuta do edital de licitação

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