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| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O Paraná mantém por 26 anos consecutivos reduções nas taxas de mortalidade infantil, de acordo com balanço divulgado nesta semana pelo Ministério da Saúde. O índice saiu de 35,1 óbitos a cada mil nascidos em 1990 para 10,5 em 2016, abaixo da média nacional do mesmo ano, de 14. Dados recentes da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) que englobam avaliações dos postos regionais mostram pequena elevação na taxa entre 2013 e 2014, mas indicam tendência regular de queda até mesmo em 2017, de 10,3 (veja infográfico).

Curitiba venceu a barreira dos dois dígitos em 2008 e registra balanços positivos significativos desde então. A taxa de óbitos infantis caiu para 8,3 em 2017, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, apesar de pequenas oscilações ao longo dos últimos anos. Em 1990 esse índice era de 30,47. Segundo o Ministério da Saúde, a cidade tem o menor índice entre as capitais com mais de um milhão de habitantes e perde apenas para Florianópolis (SC) no cômputo geral. O menor valor da série histórica foi registrado em 2014 (7,7).

A Sesa ainda indica bons índices na região metropolitana nos últimos sete anos. Os 29 municípios reunidos em torno de Curitiba registram tendência de queda, de 11,5 mortes a cada mil nascimentos em 2010 para 9,2 em 2017. As regionais de Ivaiporã, Paranavaí e Paranaguá têm as melhores taxas de 2017.

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Os números encontram similaridade com a evolução que o Brasil assistiu nos últimos anos - a média nacional manteve ritmo de queda na casa de 4,9% ao ano desde 1990, um salto de 47,1 para 13,3 em 25 anos. Mas essa evolução, que parecia seguir um condão natural, teve um repique. Nesta semana o Ministério da Saúde revelou que, entre 2015 e 2016, a taxa passou de 13,3 para 14, aumento de 5,3% em relação ao ano anterior, ou retorno ao mesmo patamar de 2013.

A epidemia do zika vírus e a crise econômica foram apontados como os principais indicadores dentro da perspectiva nacional. O Ministério da Saúde também alertou para o retorno de diarreias e pneumonias, em suma nos estados do Nordeste.

No Paraná e na capital do estado, esses problemas foram praticamente resolvidos nos últimos anos, o que explica a progressão assídua dos índices. De acordo com a Sesa, o Paraná registrou poucos casos de zika em 2017 e trabalha sem registros em 2018. Além disso, diarreia não é um dos principais fatores de mortalidade no estado. Um balanço da pasta aponta que os principais fatores identificados nos últimos três anos foram feto ou recém-nascido afetado por afecção (doença) materna não obrigatoriamente relativa à gravidez (13,6% em 2017); feto ou recém-nascido afetado por afecção materna da gravidez (9,6%); e feto ou recém-nascido afetado por complicações da placenta, cordão umbilical ou membranas (6,1%).

“É um índice cada vez mais difícil de equilibrar porque as causas são mais complexas. Mas o planejamento segue nas linhas de qualificação, revisão dos óbitos a partir de um quadro técnico criado em 2012 e contato com os municípios, que englobam questões biológicas e sociais. A desatenção com a mulher pode provocar a morte de uma criança, por isso a gestão do Paraná é voltada para esse atendimento gestacional e no pós-parto”, conta a médica Júlia Cordellini, superintendente de Vigilância em Saúde da Sesa.

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As principais causas de mortes infantis são prematuridade, malformações, asfixia e infecções, segundo dados de 2015 do estudo Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença, da pesquisadora Elisabeth Barboza França, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A diarreia era a segunda maior causa em 1990, e hoje aparece em 7°. “A maior parte dos óbitos na infância concentra-se no primeiro ano de vida, sobretudo no primeiro mês. Há uma elevada participação das causas perinatais como a prematuridade, o que evidencia a importância dos fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto”, argumenta a pesquisadora.

A secretária municipal da Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak, afirma que os números devem cair ainda mais nos próximos anos por causa dos cuidados sanitários e do trabalho em rede entre os diversos equipamentos municipais e o estado. “Nas décadas de 1980 e 1990, as mortes estavam relacionadas a diarreia, doenças respiratórias, desnutrição. Desde então as condições de vida das pessoas melhoraram. Hoje a principal questão em Curitiba é o parto prematuro, o que leva em conta os perfis muito difíceis de algumas gestações. E ainda más formações cardíaca e renal. Esse é um índice mais difícil de diminuir”, argumenta.

A prefeitura de Curitiba acompanha 26 gestantes que moram na rua e fazem uso regular de drogas. Elas têm vínculos com unidades de saúde nos bairros e no Centro e são acompanhadas por quatro equipes do programa Consultório na Rua. Esse quadro escancara o dilema atual da saúde pública na atenção à mortalidade infantil, ao menos nos estados do Sul. As gestações de risco envolvem uso de entorpecentes, doenças contagiosas, mas também gravidez na adolescência, obesidade, diabetes, hipertensão, problemas decorrentes do excesso de sal e infecções urinárias.

“Nossos investimentos visam qualificar a atenção primária. Resolver o problema na causa, não na consequência. Precisamos de integração, inclusive para trabalhar em rede, com as escolas, boa assistência hospitalar. Temos que consolidar o pré-natal bem feito. Nós só não zeramos a mortalidade no futuro próximo por causa das más formações e problemas inerentes de algumas gestações”, completa Huçulak.

De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, a redução na capital deve-se a políticas públicas como o Mãe Curitibana. Até há algum tempo as gestantes eram divididas em risco normal ou alto. Agora há graduações entre o risco normal e alto, o que garante uma linha de cuidado mais adequada para cada gestação. Desde 1987, Curitiba conta com um Comitê de Análise de Óbitos Infantis Evitáveis, que investiga as mortes, evita subnotificações e ajuda a nortear o município para melhorar os indicadores.

Segundo Júlia Cordellini, o Paraná trabalha para atingir o dígito único nos próximos anos a partir dessa perspectiva materno-infantil. “Um pré-natal de qualidade é fundamental. A classificação de risco interfere diretamente na possibilidade de morte da mulher e do filho. Nossa preocupação é com a saúda da criança e principalmente com a garantia da mãe receber dTpa (vacina contra difteria, tétano e coqueluche)”, explica.

O pediatra Victor Horácio de Souza Costa Júnior, professor de Medicina da PUCPR, afirma que o pré-natal eficiente é a melhor maneira de limitar a mortalidade infantil. “O pré-natal bem feito evita muita coisa nos primeiros dias de vida da criança. Curitiba foi a única capital a conseguir erradicar HIV na transmissão vertical. Além disso tem o suporte da cobertura vacinal, os médicos estão cuidando muito dessa situação”, aponta.

O Paraná tem campanhas permanentes de vacinação que atingem perto de 100% das crianças com até 1 ano de idade em quase todas as 22 regionais de saúde, de acordo com a Série Histórica de Coberturas Vacinais.

Segundo o Ministério da Saúde, os únicos estados com reduções nas taxas de mortalidade em 2016 foram Rondônia, Acre, Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal. Amapá, Amazonas, Bahia, Pará, Piauí e Roraima tiveram aumento médio de 14,6% ante 2015, o que puxou a taxa para cima.

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A taxa de mortalidade infantil é calculada levando em consideração o número de óbitos até um ano de idade. Segundo o relatório do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a taxa ficou paralisada em 18 óbitos infantis por mil nascimentos entre 2015 e 2016 na América Latina. No mundo a tendência de redução se manteve (de 42 para 41), mas os números são extremamente altos, comparáveis aos índices brasileiros da década de 1990.

Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2013 afirma que uma combinação de estratégias foi fundamental para o declínio da mortalidade infantil no Brasil, em particular o Sistema Único de Saúde (SUS), com a melhoria no atendimento materno e ao recém-nascido e políticas de assistência social e programas de transferência de renda. A criação do Programa de Saúde da Família também ampliou o acesso à assistência básica à saúde nos municípios mais carentes e teve impacto positivo na redução da mortalidade infantil. Tanto a redução da prevalência da desnutrição quanto o aumento do aleitamento materno contribuíram para a redução das taxas de mortalidade na infância no período.

Mudança de perfil nos leitos

Entre 2010 e 2016, foram desativados no país mais de 10 mil leitos de internação em pediatria no SUS, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria - o número foi de 48,3 mil para 38,2 mil, redução de 21%. O Paraná perdeu quase mil leitos (de 3.160 para 2.301), variação negativa de 27%. Curitiba, na mesma época, teve enxugamento de 26%. No entanto, o número de UTIs neonatais aumentou nos âmbitos estadual e municipal, fruto de mudanças no perfil dos atendimentos.

O Paraná possuía apenas 99 UTIs em 2006 e hoje tem 419. Na década de 1990 eram 30 em Curitiba, hoje são 114. De acordo com especialistas, uma cidade precisa ter pelo menos três a cada 1.000 nascidos vivos. Curitiba trabalha, em média, com 23.000 nascimentos por ano, ou seja, está próxima do dobro da necessidade.

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De acordo com Cordellini, não há risco de uma grávida não conseguir leito em qualquer regional do Paraná. “Nenhuma possibilidade de a mulher não ser atendida. Isso em qualquer regional. De acordo com o nível de capacidade nós fazemos movimentações se houver necessidade, mesmo em casos emergenciais”, explica.

A secretária de Saúde de Curitiba também defende essa mudança do atendimento, fruto da evolução da própria medicina ao longo dos últimos anos. “Antigamente você precisava de muito leito clínico para tratamentos. Mas houve melhora na condição de vida das pessoas e da própria medicina. Hoje é possível tratar pneumonia na área ambulatorial, com antibióticos potentes. O que melhora a condição da saúde pública é o investimento na boa atenção primária”, conta Huçulak.

De acordo com a prefeitura, o número de leitos não é indicador de qualidade de atenção à saúde. “Utilizar número de leitos como indicador de saúde atende a uma visão tradicionalista e ‘hospitalocêntrica’, que entende que a saúde acontece no hospital. A redução de leitos hospitalares está diretamente ligada a questões mais complexas como a transição demográfica que o Brasil vivencia, com consequente transição epidemiológica”, explica a Secretaria Municipal de Saúde.

Curitiba segue a diretriz nacional que coloca a atenção primária como organizadora da rede de atenção à saúde e coordenadora dos cuidados, em detrimento da hospitalização. Junto com esse processo houve avanços tecnológicos que permitiram a diminuição no tempo das internações de uma forma considerável, levando a uma permanência menor no hospital e gerando uma necessidade menor de leitos.

Próximos passos

O governo federal diz que criou um grupo de trabalho com a presença de acadêmicos para avaliar as causas desse repique na taxa de mortalidade em nível nacional. Há inclusive uma reunião com os secretários de saúde de estados e municípios agendada para o final de agosto para discutir a situação e estudar formas de ação mais urgentes.

O programa Saúde da Família, que realiza atendimentos focados na atenção básica, principalmente os domiciliares, atende 98,6% do território nacional. São 42.855 equipes espalhadas em 5.497 municípios, com capacidade para solucionar até 80% dos problemas de saúde.

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