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A mata atlântica ao lado da PR-412, em Pontal do Paraná: nova Faixa pode consumir 175 metros de floresta preservada | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
A mata atlântica ao lado da PR-412, em Pontal do Paraná: nova Faixa pode consumir 175 metros de floresta preservada| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Olhando no mapa parece apenas um rasgo de 24 quilômetros em uma área de mata intocada. Mas a discussão sobre a Faixa de Infraestrutura, projeto milionário que o governo estadual pretende realizar em Pontal do Paraná, passa pelo debate sobre decisões estratégicas que definirão os rumos do perfil do Litoral paranaense.

A proposta prevê um conjunto de obras: uma rodovia em pista dupla, um canal de drenagem, uma linha de transmissão de energia elétrica, um gasoduto e um ramal ferroviário, além das ligações da rede de água e esgoto. Para isso, uma faixa de 175 metros seria aberta, em meio à Floresta Atlântica. Para a fase inicial estão previstos apenas uma rodovia em pista simples e o canal de drenagem, ao custo de R$ 369 milhões, vindos de recursos próprios do governo estadual.

A ideia de fazer uma estrutura viária e logística em Pontal não é nova. As primeiras propostas remontam à década de 1960, quando foi elaborado o Plano Básico Regional do Litoral do Paraná. Mais tarde, Jaime Lerner também desenhou um projeto para a região, imaginando viabilizar o transporte hidroviário, em um canal navegável. Nos esboços originais, o traçado era exatamente paralelo ao mar. Contudo, com o passar do tempo, o desenho do ponto final da rodovia foi deslocado para a esquerda, para desembocar na área em que está prevista a construção de um porto privado. E foi aí que a discussão tomou outro rumo.

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Interessada na instalação de um complexo portuário na região da Ponta do Poço, a prefeitura de Pontal do Paraná desenvolveu um plano viário em 2008, estabelecendo o novo acesso. Já naquela época estava em tramitação o processo de licenciamento ambiental do porto, que recebeu autorização prévia em 2010. Mas havia uma condição especial, entre muitas outras estabelecidas pelo Ibama: os empreendedores precisavam construir uma estrada. A obra – cara – sairia do bolso dos donos da área, que seriam obrigados a criar uma ligação com a PR-407 para dar vazão ao fluxo potencial de caminhões.

O projeto da rodovia, acompanhado do estudo de impacto ambiental, começou a ser feito. No meio do caminho as regras mudaram. A partir de 2011, com a lei complementar 140, a atribuição para autorizar esse tipo de empreendimento saiu das mãos do Ibama, que é um órgão nacional, e migrou para a instância estadual. No caso da rodovia, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) passou a ter o poder para licenciar a obra. Foi logo depois disso que o governo estadual decidiu retomar a proposta de fazer uma estrutura viária maior na região – e ganhou de presente, dos proponentes do porto, o projeto da estrada.

R$ 369 milhões

é a previsão de custo da construção da rodovia em pista simples e do canal de dragagem na Faixa de Infraestrutura.

O Ministério Público questiona a obra e já entrou na Justiça três vezes contestando aspectos do projeto. A promotoria destaca que não se trata de rejeitar a rodovia ou ser contra o desenvolvimento, mas de escolher a melhor proposta, que tenha considerado todos os fatores relevantes que precisam ser analisados. Entre as explicações exigidas estão a motivação do gasto de dinheiro público, quais interesses seriam atendidos e se há alternativas com menor impacto ambiental.

Uma das regras que estaria sendo desrespeitada pelo projeto, segundo consta na ação judicial proposta pelo MP, é a Lei da Mata Atlântica, categórica ao estabelecer que, se existe uma opção com menor desmatamento, ela deve ser priorizada. Para a promotoria, um traçado mais rente à área urbana de Pontal representaria menos desmatamento e atenderia mais a população. Além de problemas logísticos, o governo alega que aproximar a rodovia do perímetro urbano representaria elevação considerável dos custos, principalmente com o pagamento de desapropriações, e traria o fluxo intenso de veículos para muito perto da cidade – justamente o que se estaria tentando evitar.

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Quem também apresentou questionamentos ao projeto foi o Observatório Costeiro, conjunto de entidades ambientais que lutam pela conservação do Litoral. A organização apresentou diversos pareceres, contestando aspectos do estudo de impacto ambiental – sobre os quais alega não ter recebido respostas convincentes. Também surgiram dúvidas dentro do próprio governo: técnicos do IAP encarregados de analisar a obra apresentaram um parecer destacando 44 pontos do projeto que não estavam suficientemente respondidos. Depois de complementações enviadas pelos responsáveis pela obra, os técnicos concluíram o documento alegando que havia inconsistências, mas que, devido à urgência governamental, recomendavam a aprovação do licenciamento. Segundo a assessoria do IAP, o parecer que apontava inconsistências era uma versão prévia e a palavra foi retirada na edição final.

Na linha de frente, contestando diversos pontos do projeto, estão entidades ambientalistas como SPVS, Associação Mar Brasil e Mater Natura. As organizações questionam o formato do empreendimento e frisam que a discussão não está centrada em um discurso simplista, na linha de poupar algumas árvores e uns bichinhos. Para elas, trata-se de uma questão de planejamento, de fazer um diagnóstico adequado da situação e conseguir realizar o projeto que seja menos impactante e benéfico para o maior número de pessoas. É um debate, argumentam, sobre como será investido o dinheiro público, focando em ações sustentáveis, que priorizem a geração de renda e a qualidade de vida.

O argumento ambientalista é reforçado pelo geógrafo Daniel Telles, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para ele, o modelo apresentado pela Faixa de Infraestrutura reúne as condições propícias para levar a um desenvolvimento desordenado, que seria prejudicial ao meio ambiente e à população. Para ele, a avaliação do projeto está desconsiderando todos os impactos decorrentes da obra.

Na opinião do geógrafo, somente a elaboração de um plano de gerenciamento costeiro, que considerasse todos os aspectos econômicos, sociais e ambientais, daria conta de apontar rumos adequados para o desenvolvimento do Litoral do Paraná.

Expectativa de industriais e comerciantes é que nova rodovia melhore as condições de desenvolvimento da regiãoJonathan Campos/Gazeta do Povo

Próximos passos – o que acontece agora?

A aprovação da licença prévia não significa que patrolas e motosserras começarão a funcionar imediatamente no litoral. Consultado pela Gazeta do Povo, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) informou que a autorização está atrelada a 50 condicionantes e não dá direito ao início de obras ou a desmatamento. O documento permite que se iniciem outras fases de estudos sobre os impactos, para subsidiar a elaboração dos projetos de engenharia. Só depois de atendidas as exigências é que poderá ser emitida a licença de instalação, para licitar a obra. Não há prazos definidos para isso acontecer.

Já a Secretaria de Infraestrutura e Logística informou que irá trabalhar para atender as condicionantes estabelecidas pelo IAP e elaborar os Planos Básicos Ambientais (PBAs) para obter a próxima licença. Segundo o governo estadual, a intenção é que o projeto, que vem sendo conduzido desde 2013, possa ser viabilizado em 2018, com a licitação para escolher a empresa que irá realizar a obra.

No entendimento do Ministério Público, uma decisão judicial ainda impede que qualquer medida efetiva seja tomada. Uma liminar estabelece que somente depois que forem respondidas as questões que ficaram pendentes nas audiências públicas, realizadas no início de 2017, é que serão consideradas válidas as consultas obrigatórias à população. Segundo a promotoria, as respostas enviadas não foram satisfatórias e, portanto, o processo segue interrompido. As dúvidas apontadas nas audiências públicas e as explicações dadas pelo governo podem ser consultadas no site da Secretaria de Infraestrutura e Logística.

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