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Paraná é recorrentemente um dos estados que mais derruba a Mata Atlântica. | Henry Milleo/ Arquivo Gazeta do Povo
Paraná é recorrentemente um dos estados que mais derruba a Mata Atlântica.| Foto: Henry Milleo/ Arquivo Gazeta do Povo

A cada mês de maio, quando se comemora o dia da Mata Atlântica, o Paraná aparece no nada honroso ranking dos estados que mais devastam o que sobrou desse tipo de floresta nativa. A cada ano, as posições se revezam – Bahia e Minas Gerais alternam a dianteira –, mas o Paraná sempre marca presença, como no mais recente Atlas de Remanescentes, em que está na terceira posição. Na soma das últimas três décadas, o Paraná é o que mais derrubou Mata Atlântica no Brasil.

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A ideia da Fundação SOS Mata Atlântica – que realiza o levantamento, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), analisando imagens de satélites capazes de identificar qualquer desmatamento maior do que a área de três campos de futebol – era de que o levantamento servisse de alerta e fosse capaz de mudar o ritmo de devastação. Contudo, Marcia Hirota, coordenadora do Atlas, comenta que a divulgação não teve esse efeito esperado no Paraná. Ela conta que todos os anos são enviados ao governo estadual os pontos em que foram identificadas derrubadas, mas que nunca houve qualquer retorno oficial informando se os dados foram usados para fiscalização ou punição.

A coordenadora comenta que, apesar de restar menos de 7% de Mata Atlântica no Brasil, o tom da divulgação do Atlas deste ano é de comemoração, já que os indicadores apontam para o menor número de hectares desmatados desde que o levantamento começou a ser feito, a partir de dados de 1985. No Paraná também houve redução em relação ao ano anterior: 3,4 mil hectares teriam sido derrubados no período 2015-2016 contra 1,5 mil hectares em 2016-2017 (cada hectare equivale a um campo de futebol). Como houve redução em praticamente todo o país, mesmo com a queda momentânea nos números do Paraná, o estado ainda se mantém no topo do ranking.

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Uma justificativa recorrente é de que a área paranaense está entre a mais desmatada por ainda ter uma quantidade grande de remanescentes florestais. “Isso não deveria ser motivo. A legislação é clara sobre a proibição. Mas os estados com maior cobertura vegetal são os que mais derrubam. São Paulo não está no topo porque não tem mais o que desmatar”, comenta Marcia Hirota. Ela destaca que o Paraná está em uma área crítica, em que os pontos que merecem mais atenção já foram localizados, e deveria desenvolver uma agenda de conservação. Uma das estratégias seria colocar em prática os planos municipais de Mata Atlântica, exigidos por lei, e que poderiam focar o controle em nível local.

Recorrentemente, os mesmos municípios da Região Centro-Sul do Paraná, como Bituruna, General Carneiro e Prudentópolis, são os que mais registram desmatamento. São nessas áreas que estão os trechos conservados de Floresta de Araucária, um dos tipos de Mata Atlântica. No Paraná, ainda restam outras duas grandes manchas verdes, que concentram remanescentes florestais. Uma fica na região Oeste, limitada pelo Parque Nacional do Iguaçu, e a outra está na Serra do Mar, que acabou sendo preservada principalmente por causa da dificuldade de acesso.

Análise

Para Giem Guimarães, diretor-executivo do Observatório Justiça e Conservação (OJC), o histórico do Paraná explica, em partes, a sucessão recorrente entre os maiores desmatadores. “Desde os séculos passados, o que se instalou aqui foi uma cultura baseada no extrativismo. O Paraná já foi protagonista de uma das maiores devastações do planeta, o que não deveria orgulhar os paranaenses, já que nos três estados do Sul se derrubou o equivalente a cinco vezes o território da Suíça”, comenta.

Segundo Guimarães, ao longo dos anos, muitas famílias que estavam no poder se locupletaram dessa devastação, que era entendida como sinônimo de progresso. “O mato era visto como algo ruim, que precisava ser retirado”, acrescenta. Aliado a isso, ele vê uma carência na formação de cunho ambiental e a falta de informação sobre a importância de conservar as áreas nativas.

Contudo, para o diretor-executivo da ONG, o principal fator que interfere na presença constante do Paraná no ranking de desmatamento é a falta de fiscalização. “O que reina nessa área é a total impunidade”, diz. Para ele, ocorreu um desmantelamento dos órgãos ambientais do estado, aliado à uma decisão política intencional de não fiscalizar. “É como se houvesse uma licença para destruir”, define.

Para o engenheiro florestal Miguel Milano, presidente do conselho do Instituto Life, também há carência na fiscalização. Ele acrescenta que particularmente no Paraná, é mais evidente a força política do agronegócio, que pressionaria as áreas ambientais. O engenheiro ainda avalia que é preciso deixar mais claro para a população a importância dos serviços ambientais. “Quando faltar água, vão discutir o assunto e talvez a medida seja fazer uma nova represa”, comenta. Milano avalia que, além de políticas públicas consistentes e de longo prazo, o Paraná precisa discutir meios de ter atividades econômicas menos poluentes e consumistas.

Ministério Público

“Infelizmente não é uma surpresa que o Paraná continue no topo do ranking, porque a insuficiência de fiscalização é notória”, declara Alexandre Gaio, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias (CAOP) de Meio Ambiente. Para ele, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) vem, ao longo dos anos, sendo desestruturado. Há muito tempo que o IAP não faz concurso público e, aos poucos, foi perdendo a quantidade de fiscais, já que muitos servidores se aposentaram.

Gaio destacou ainda que a fiscalização não tem apenas caráter punitivo, mas também pedagógico. Além disso, a perspectiva da punição teria efeito preventivo. Ele menciona o convênio com a Polícia Ambiental, que ficou rompido por cinco anos e recentemente foi retomado, mas ainda sem efeito prático, já que os policiais ainda não teriam recebido os autos de infração já lavrados pelos fiscais, para que possam exercer o poder de polícia.

Como forma de atuação paralela, na tentativa de cumprir uma lacuna que teria sido deixa em aberto pelo governo estadual, o Ministério Público criou o projeto Mata Atlântica em Pé, que teve como ponto de partida os dados do Atlas de Remanescentes. A partir dos locais de desmatamento identificados no estudo, equipes do MP, do Ibama e da Polícia Ambiental verificaram 240 pontos, confirmando infrações graves em 80% dos casos. As informações foram enviadas para as promotorias de cada cidade, para que se transformem em Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).

Além dos desmates ilegais, Gaio comenta que vê com preocupação as autorizações de corte dadas pelo governo. “Será que não tem condições de ocupar os 90% do estado que já foram desmatados?”, pergunta o promotor. Ele acredita que parte da redução no ritmo de desmatamento pode ser atribuída à recomendação do Ministério Público que gerou uma moratória de um ano nas autorizações de corte de Floresta de Araucária.

Para o promotor, o Paraná se mantém entre os líderes de desmatamento por uma questão de inércia do Estado e uma evidente falta de priorização das questões ambientais nas políticas públicas. “Não foi por falta de alerta. Mas o que foi feito para reverter? Nada!”, declarou. Segundo Gaio, “é uma vergonha” a posição do Paraná no ranking, mesmo diante de alternativas econômicas menos degradantes.

O que diz o governo

As informações do Atlas de Remanescentes da Fundação SOS Mata Atlântica são, ano após ano, contestadas pelo governo estadual. Em nota enviada pela assessoria de imprensa à Gazeta do Povo, o Instituto Ambiental do Paraná destacou que o levantamento divulgado não separa o desmate ilegal daqueles cortes que foram realizados com base em autorizações dadas pelo governo. Também alega que o estudo não apresenta as áreas que se encontram em processo de regeneração e recuperação ambiental.

Ainda de acordo com o IAP, o governo estadual, em conjunto com outros órgãos de esfera nacional e municipal, realiza estudos de acompanhamento dos relatórios de anos anteriores e boa parte dos pontos identificados já foram notificados por desmatamento ilegal e/ou tem seu corte autorizado. “Além disso, essas análises têm contribuído para o desenvolvimento de sistemas de informações visando o cruzamento de dados que devem auxiliar ações de fiscalização planejada”, diz o texto da nota.

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