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Políticos na tradicional “Marcha dos Prefeitos”, evento em que gestores municipais tentam sensibilizar o governo federal em torno de suas demandas. | Marcelo Camargo/Agência Brasil
Políticos na tradicional “Marcha dos Prefeitos”, evento em que gestores municipais tentam sensibilizar o governo federal em torno de suas demandas.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou pela primeira vez sobre a PEC do pacto federativo, que propõe uma só solução legislativa para duas das principais queixas de prefeitos e governadores do Brasil: o engessamento do orçamento público que limita a ação dos gestores; e o fato de o pacto federativo distribuir as responsabilidades com os governos e municípios, mas concentrar os recursos em Brasília.

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Exposta sem método e sem muitos detalhes durante a entrevista, a proposta de Guedes ainda suscita muitas dúvidas. Resumidamente, o ministro assim a definiu: “São os representantes do povo reassumindo o controle orçamentário. É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas.”

O objetivo do ministro é acabar com todas as despesas obrigatórias da União, estados e municípios e dar aos políticos condição de mexer em 100% do orçamento. Atualmente, estima-se que quando a proposta orçamentária vai para o Congresso Nacional, os parlamentares têm a possibilidade de manejar algo entre 4% a 6% dos recursos totais.

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As queixas que deram origem à proposta de Guedes não são infundadas. Um relatório do Tesouro Nacional divulgado em 2018 aponta que “a rigidez orçamentária no Brasil é seguramente a mais alta na América Latina e, provavelmente, a mais alta do mundo”. Segundo dados do Tesouro, 94% das despesas primárias do governo federal não podem ser alteradas pela Presidência da República ou pelo Congresso Nacional. Como a estrutura orçamentária de estados e municípios segue a mesma lógica da União, os orçamentos subnacionais também estão muito engessados.

Já a divisão das atribuições passou a pesar para os municípios especialmente após a municipalização dos serviços de saúde e educação, diz um estudo da Confederação Nacional dos Municípios.

“Na área de saúde, por exemplo, a União detinha, na década de 80, cerca de 800 mil servidores e hoje conta com cerca de 40 mil. Essa queda no número de servidores federais teve de ser compensada com o aumento de funcionários nas prefeituras para a execução das políticas de saúde pública.”

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Efeitos da desvinculação no Paraná

Como ainda não há detalhes sobre a PEC, representantes do governo e da prefeitura de Curitiba evitam emitir opiniões sobre a proposta. Entretanto, a partir dos dados fiscais do estado e do município é possível avaliar alguns impactos que a PEC terá sobre as contas públicas do estado caso seja aprovada.

Na apresentação que fez na Assembleia Legislativa no fim de fevereiro, o secretário da Fazenda do Paraná, Renê Garcia Junior, apresentou uma tabela que mostrava o comprometimento da receita do estado. Os dados relativos ao ano de 2018 mostram que após serem feitos todos os repasses e pagamentos obrigatórios, o saldo era de 29% do total arrecadado.

Isso não significa que o estado tenha discricionariedade para gastar esse dinheiro. Isso porque há despesas que mesmo não tendo percentual mínimo garantido por lei são incontornáveis. Dessa fatia restante, 19,7% ainda vão para o pagamento de pessoal – não aqueles vinculados à saúde e educação – e outros 10,6% para custear insuficiências da previdência dos servidores estaduais.

Ao cabo de todas essas contas – antes mesmo de serem descontados os investimentos e outros custeios não vinculados –, o que sobrou nas mãos do estado em 2018 foi um déficit de R$ 536 milhões.

Na prefeitura de Curitiba a situação não é diferente. Do orçamento previsto para 2019, R$ 3,9 bilhões – o que equivale a 43,8% o total – estão em fontes livres. Desse montante, entretanto, é necessário que sejam descontadas outras despesas obrigatórias, como pessoal e encargos sociais; aportes para o pagamento da aposentadoria dos servidores; juros e amortização da dívida; e o repasse devido à Câmara Municipal. No fim das contas, sobram 10% para que o prefeito possa utilizar em investimentos e custeios sem vinculação.

Argumentos contrários

Essas contas evidenciam um limite do projeto que está sendo apontado por economistas. Na metáfora do professor José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público, é preciso resolver a febre, não sumir com o termômetro.

“Se o Orçamento não destinar recursos para Previdência, ensino e saúde, isso não exime o governo de ter que pagar aposentadorias e salários, inclusive dos professores e médicos”, disse Afonso em entrevista à Folha de S. Paulo. Ou seja, a despesa existe a despeito de haver vinculação orçamentária.

O pensamento do deputado Gustavo Fruet (PDT) vai na mesma linha. Para ele, o único jeito de o estado reduzir de 30% para 25% seus gastos com educação é reduzindo a oferta da prestação de serviços ou piorando as políticas públicas de educação.

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Fontes técnicas ligadas à elaboração dos orçamentos do estado do Paraná e da prefeitura de Curitiba apontam o mesmo problema no pacote de Guedes. Segundo eles, mesmo que os limites mínimos de gastos com educação e saúde sejam revogados, a prestação desses serviços continuará custando valores muito semelhantes ao que é gasto atualmente.

Pela Constituição Federal, 30% da receita livre de impostos e transferências constitucionais e legais (RLI) dos estados devem ser aplicados em educação. No caso do Paraná no ano de 2018, isso seria equivalente a R$ 9,3 bilhões. No ano passado, entretanto, o estado investiu R$ 10,4 bilhões na área, o equivalente a 33,5%,

Já na área de saúde, o limite foi cumprido com menos folga. O estado deveria investir R$ 3,74 bilhões e investiu R$ 3,79 bilhões.

Argumento favoráveis

O cumprimento justo do limite abre espaço para outro tipo de argumentação; de que os estados e municípios, tendo que gastar um valor mínimo, acabam fazendo gastos desnecessários na área.

Essa é a tese do deputado federal Ricardo Barros (PP), que já foi prefeito de Maringá e já ocupou o posto de relator do orçamento da União na Câmara dos Deputados.

Segundo ele, o fato de as despesas partirem de patamares mínimos já garantidos, faz com que categorias de servidores ligados a essas áreas se mobilizem para que os recursos sejam gastos em reajustes salariais.

“Se houver a desvinculação, tudo isso será discutível e será possível reduzir os gastos sem afetar a prestação de serviços”, diz Barros.

Barros avalia que justamente por permitir que gastos desnecessários deixem de ser feitos, esse projeto vai enfrentar oposição dentro do Congresso Nacional, especialmente nas frentes parlamentares da Educação e Saúde, que não vão querer discutir todos os anos valores que já tinham garantidos independentemente da vontade do Executivo e do Legislativo.

Outro ponto que, segundo Barros, deve gerar fortes resistências de setores organizados é a possibilidade de a desvinculação total do orçamento afetar os repasses para os poderes Legislativo e Judiciário.

Apesar da indisposição política que esse embate vai gerar, Barros defende a desvinculação dos repasses aos poderes. Para isso ele cita o caso da Justiça do Trabalho, que mesmo com uma redução no número de ações decorrente da reforma trabalhista, mantém sua fatia vinculada de orçamento e ainda assim precisou do aporte de R$ 1 bilhão do Executivo para fechar as contas em 2018.

No Paraná, esses repasses são uma briga antiga do governo estadual. O ex-secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, chamava o Judiciário e o Legislativo de “ilhas de prosperidade em um mar de dificuldades” justamente porque independente do desempenho financeiro do estado, esses órgãos tinham seu orçamento garantido integralmente, não se sujeitando aos contingenciamentos que o Executivo aplicava em seus gastos. Com isso, mesmo em anos que os servidores ligados ao governo não receberam reajuste inflacionário nem o pagamento das progressões de carreira, os funcionários dos poderes tiveram aumento. A desvinculação, portanto, pode fazer com que em momentos de dificuldade o cinto seja apertado em todo o estado, não apenas no Executivo.

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Redistribuição de recursos

Apesar de a proposta ter sido batizada de PEC do pacto federativo, pouco se sabe sobre como governo pretende fazer essa redistribuição de recursos. Quando falou sobre o assunto, Paulo Guedes revelou mais informações sobre a desvinculação do orçamento. Mesmo assim, as entidades municipalistas estão animadas com a proposta, acreditando no pouco que se sabe dela até agora e em uma frase de efeito usada amiúde pela campanha de Jair Bolsonaro (PSL): “Mais Brasil, menos Brasília”.

Presidente da Associação dos Municípios do Paraná, Frank Schiavini, prefeito de Coronel Vivida, acredita que a medida é importante para que as prefeituras dependam menos do governo federal e possam ter uma estruturação melhor de seus orçamentos.

“Os municípios com menos de 40, 50 mil habitantes dependem muito das emendas parlamentares. A partir do momento que o governo liberar verba sem essa necessidade de o parlamentar interferir, é mais fácil o prefeito fazer seus projetos. Isso dá mais autonomia ao município”, avalia.

Pela desvinculação de recursos, entretanto, a proposta de Guedes pode aumentar o poder dos parlamentares sobre a distribuição de recursos para os municípios. Isso porque uma parte dos recursos da União que não pode ser mexida pelos deputados é a que compõe o Fundo de Participação dos Municípios. Se essa receita for desvinculada sem outra contrapartida de arrecadação, os deputados poderão emendar valores ainda maiores no orçamento para investimentos nos municípios.

Seguindo a pauta municipalista nacional, Schiavini espera que a PEC aborde questões como a distribuição de royalties do petróleo para todos os municípios, a arrecadação do ISS de operações com cartões de crédito e débito e planos de saúde nos municípios tomadores de serviço e um encontro de contas das prefeituras com governo federal.

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