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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O relatório final de uma auditoria feita pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) em alvarás expedidos entre 2012 e 2016 – na gestão do então prefeito Gustavo Fruet (PDT) – apontou que irregularidades no licenciamento emitido naquele período causaram um prejuízo de R$ 38 milhões a Curitiba. O valor diz respeito, principalmente, a potencial construtivo que deixou de ser adquirido pelos construtores e a medidas compensatórias que não foram feitas.

A comissão de auditoria encontrou vícios ou irregularidades em quase 20% dos licenciamentos analisados – 70 dos 362 processos auditados. Destes, 53 tiveram atos anulados ou suspensos e outros 17 foram retificados, para se adequar à legislação urbanística do município. Entre as irregularidades, estão liberação para construções em parâmetros acima do permitido pelo zoneamento urbano e o estabelecimento de medidas compensatórias não previstas em lei.

Segundo a legislação, todo o licenciamento urbanístico deve ser avalizado pelo Conselho Municipal de Urbanismo (CMU) – formado por representantes de diversas secretarias municipais e da sociedade civil. Ocorre que na gestão Fruet, sob argumento de agilizar a emissão de licenças, a análise dos processos foi descentralizada a outros dois conselhos, que foram criados: o Conselho Superior de Urbanismo (CSU) e o Conselho Deliberativo (CD).

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A auditoria, no entanto, apontou que esses dois órgãos aprovaram licenciamentos em desacordo com a lei. “Nos 17 casos em que era possível fazer uma adequação, isso foi feito. Agora, nos outros 53, cujos atos administrativos foram anulados, não havia como retificar. Alguns desses já tinham alvará de construção e os empreendimentos foram construídos. Ao final do processo, eles podem ter os alvarás cassados”, disse a presidente da comissão de auditoria, Luciane Schafauzer de Pauli.

Por meio de nota, Fruet disse que a divulgação do relatório na semana da eleição é “propícia para o [prefeito Rafael] Greca (PMN)”. “O prefeito usa esse relatório ainda para tirar o foco das denúncias contra seu padrinho eleitoral, Beto Richa (PSDB) e seus familiares presos. E montou comissão com seus subordinados e, após um ano e oito meses, divulga o relatório às vésperas da eleição. Se fosse séria, anularia todos alvarás da cidade já que ao contrário da atual gestão, descentralizamos a análise dos processos para evitar possíveis favorecimentos com a criação do Conselho do Urbanismo, que reunia vários órgãos da administração pública e da sociedade”, consta da nota.

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Conheça alguns destes casos

Uma das decisões diz respeito à liberação da construção da nova sede do Colégio Anjo da Guarda. O prédio tem 15 mil metros quadrados e três pavimentos, mas fica em área residencial – perto do Parque Tingui – cuja legislação urbana permite edificações de até cinco mil metros quadrados e dois pavimentos. Como contrapartida, o construtora responsável pela obra reformou uma unidade básica de saúde, mas o auditoria destacou que a obra teve “valores inferiores ao valor a ser adquirido em potencial construtivo”. Além disso, o Conselho Deliberativo havia dispensado a apresentação de um relatório ambiental prévio (RAP), sem exigir compensação.

A comissão de auditoria anulou os atos administrativos do Conselho Deliberativo, que estabelecia as condições para a liberação da construção. Posteriormente, o colégio protocolou um RAP, com pedido de análise, mas ainda não houve alteração do alvará de construção. Só neste caso, a prefeitura estima que tenha amargado um prejuízo de quase R$ 5 milhões.

A Rede Marista de Colégios (RMC) – a que o Anjo da Guarda está vinculado – disse, por meio de nota, que “a liminar que permitiu a expedição do alvará de funcionamento do Colégio Marista Anjo da Guarda continua vigente, bem como as demais documentações necessárias para o funcionamento da escola. Desde que a RMC estabeleceu o contrato built-to-suit referente ao projeto, buscou atender todas as exigências da prefeitura”.

Outro processo considerado irregular foi o que autorizou a construção de uma Unidade de Ensino Profissionalizante do Serviço Nacional da Indústria (Senai), no bairro São Francisco – no terreno onde, antes, ficava um casarão histórico. A construção tem 4,8 mil metros quadrados: área 24 vezes maior que os 200 metros quadrados permitidos naquela região. Como compensação, o Senai comprou R$ 3,1 milhões em potencial construtivo, mas segundo a auditoria, não havia previsão legal para isso.

A auditoria anulou os atos exarados pelo CD e CSU. No relatório final, a comissão ressalta que o processo de cassação do alvará de construção ainda não foi iniciado, porque a defesa apresentada pelo Senai ainda está em fase de tramitação.

O Senai disse que vem acompanhando o andamento do processo e “considera ser possível encontrar meios para a regularização da questão” pela via administrativa. “Importante ressaltar, ainda, que todos os atos realizados pelo Senai referentes à construção dessa unidade foram, por intermédio de regular procedimento, previamente consultados perante a municipalidade. Assim, o Senai está certo de que todo o processo será conduzido da melhor forma em busca de uma solução dentro dos limites legais”.

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Também foi anulado o parecer do CD que havia liberado a construção da sede administrativa do Conselho Regional de Farmácia do Paraná (CRF-PR) – um prédio de 1,3 mil metros², localizado em zona que permite edificações comerciais de até 100 metros quadrados. Quando autorizou a obra, o Conselho Deliberativo havia aberto a possibilidade de o CRF-PR adquirir potencial construtivo, como contrapartida. A auditoria, no entanto, observou que esse tipo de compensação não é permito naquela área.

O CRF-PR afirmou que a concessão de alvará a sua sede “ainda está em trâmite. Se houve algum posicionamento, ainda não recebemos qualquer tipo de notificação”.

A comissão encontrou irregularidades, ainda, em um parecer relacionado ao Shopping Palladium. O empreendimento conta com cerca de 374 vagas abaixo do estabelecido em lei. Como contrapartida, o Conselho Deliberativo havia substituído as vagas por contrapartidas, como a construção de três quadras cobertas e de uma biblioteca em escolas, além da doação de 60 computadores para a Secretaria de Urbanismo.

A auditoria, no entanto, apontou que não há embasamento legal para a substituição das vagas de estacionamento pelas medidas compensatórias definidas. Segundo a comissão, a prefeitura ainda não deu início ao processo de cassação de alvará, porque há uma ação judicial relacionada ao caso em andamento. A auditoria estimou que, neste caso, o prejuízo ao município chegue a quase R$ 4,2 milhões.

O Shopping Palladium não se manifestou

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Farmácias e vias de alto tráfego

O pente-fino também identificou a liberação de alvarás para o funcionamento de farmácias em vias prioritárias – que têm restrições, por causa do impacto que os empreendimentos podem causar no trânsito. De nove casos analisados, seis foram considerados irregulares. “As liberações [de instalação de farmácias nessas vias] podem comprometer a fluidez do tráfego para o caso da construção de comércios ao longo da via, e ainda, estas liberações podem gerar precedente para novas solicitações”, consta do relatório.

“Grave prejuízo”

O relatório destaca que construções feitas em desacordo com a legislação urbanística trazem impacto direto ao município, prejudica a política de ocupação do solo e influência negativamente no trânsito e adensamento de áreas comerciais ou residenciais. “É mister destacar que Curitiba é reconhecida como Cidade Modelo no que se refere ao Planejamento e Gestão Urbana, isto porque conta com décadas de planejamento urbano especializado e contínuo, que criou um sólido arcabouço legal para garantir uma cidade organizada”. Na avaliação da comissão, as decisões dos conselhos Deliberativo e Superior de Urbanismo ignoraram esses aspectos e causaram “grave prejuízo do planejamento urbano”.

A auditoria havia sido deflagrada em maio de 2017. A atual gestão - do prefeito Rafael Greca (PMN) - também extinguiu o Conselho Deliberativo e o Conselho Superior de Urbanismo, que haviam sido criados na era Fruet.

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