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Indústria da confecção em Cianorte se apoia em modelos de APLs par se fortalecer | Brunno Covello/Arquivo/Gazeta do Povo
Indústria da confecção em Cianorte se apoia em modelos de APLs par se fortalecer| Foto: Brunno Covello/Arquivo/Gazeta do Povo

A ideia de se aliar a um concorrente, trocando informações internas com ele, poderia ser recebida com estranhamento dentro de uma empresa há algumas gerações. Essa é, no entanto, justamente uma das estratégias que impulsionam a formação de arranjos produtivos locais (APL), que há quase duas décadas têm se mostrado fundamentais para o crescimento de indústrias no Paraná. Entre os motivos para tal, está o diálogo facilitado com o poder público para que todo o segmento seja beneficiado.

E este será um desafio para o novo governo: continuar a promover incentivos para que estes agrupamentos impulsionem a produção industrial paranaense, algo que a região Norte do estado está mostrando ser possível.

Segundo dados do Portal APL do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio Exterior e Serviços (MDIC), existem hoje 31 APLs no Paraná, número que continua crescendo. “A principal vantagem que eu identifico está justamente relacionada à capacidade que essas empresas e outros interessados no desenvolvimento dessa cadeia produtiva terão em relação a se organizar. Se organizando, eles passam a ter condição de identificar melhor as demandas que existem. Quando esses grupos se reúnem e colocam um problema, a capacidade que eles têm de articular a solução para isso é muito maior”, aponta Fabrício Bianchi, gerente regional do Sebrae no Norte do Paraná.

DESEJOS PARA O PARANÁ: planejamento de longo prazo

Para Roberto Nishimura, presidente do APL de TI de Londrina e região, o apoio governamental deve vir principalmente da manutenção dos incentivos fiscais. O Paraná possui hoje um programa que busca fortalecer empresas do Estado através da redução do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). “É importante que o poder público não deixe as crises financeiras atingirem, ou seja, não corte ou diminua o incentivo fiscal, e também nos permita a sugestão de outras formas de incentivo”, pontua.

Os benefícios de um arranjo produtivo local são ainda mais significantes para micro e pequenas empresas, que passam a ter competitividade nacional e até mesmo internacional, mesmo que não participem ativamente do APL. “Muitas empresas nem sabem que o benefício veio por conta da discussão do arranjo produtivo local, da governança do arranjo produtivo local. Então, muitas vezes, as discussões da governança de um APL extrapolam benefícios para essa região em que o cluster está inserido. E tem empresas que não vão nem saber por que elas estão sendo beneficiadas, mas estão. As vantagens são inúmeras, desde questões sistêmicas, estruturais e até empresariais”, explica Bianchi, do Sebrae.

Barganha por políticas de incentivo

Em linhas gerais, os arranjos produtivos locais derivam de aglomerações espontâneas de empresas e instituições de um determinado setor em uma mesma região, algo que lembra muito o conceito de cluster econômico. Também podem estar inclusas universidades e entidades como Sebrae e Senai, por exemplo, e até mesmo bancos, cooperativas, sindicatos e organizações não-governamentais.

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O grande diferencial está na forma em que esses agentes se organizam para buscar soluções e melhorias para sua área de atividade, fortalecendo-a e, assim, crescendo – juntos. “O APL tem isso em sua essência, ele promove a cooperação por um debate recorrente entre uma combinação de pessoas que participam do poder público, de instituições de ensino superior, de entidades de fomento e empresários. O arranjo produtivo local vai discutir sobre aquela temática, as dificuldades e necessidades do grupo, que podem ser ligadas a questões sistêmicas, estruturais e empresariais”, explica Bianchi.

Embora o conceito tenha começado a se difundir entre as décadas de 1980 e 1990, por influência do sucesso de empresas nos distritos industriais italianos e da região conhecida como Vale do Silício, nos Estados Unidos, onde se instalaram gigantes da tecnologia como Apple e Google, foi apenas em 2004 que o MDIC instituiu oficialmente a criação de um Grupo de Trabalho Permanente voltado para APLs no país. Desde então, diversos setores passaram a se organizar em arranjos produtivos locais.

A partir da organização em APL, as empresas têm acesso a benefícios como linhas de crédito, descontos e incentivos fiscais, além de receberem treinamento e consultoria, e participarem de trocas de experiências com outros atuantes do setor. Através do arranjo produtivo local, empresas e entidades ganham força para promover ações e parcerias nacionais e internacionais.

“Antes, a gente se considerava uma empresa solitária, então individualmente eu vivia no meu mundo, eu tinha a confecção, e era eu e minha empresa, a gente não tinha acesso às demais empresas. A partir do momento em que começamos a participar desse movimento do APL, abriu-se um leque de oportunidades, de conhecer outros empresários, de identificar as dificuldades que eles tinham, e que também eram as mesmas que eu tinha”, conta Oseias de Souza Gimenes, sócio de uma empresa de confecções de gravatas em Cianorte, cidade que é hoje referência nacional no ramo do vestuário.

Melhores condições para todos

Em Cianorte, Gimenes destaca que uma das conquistas do APL de confecções, do qual participa desde 2009, foi o estabelecimento de um intercâmbio entre alunos de cursos de graduação em Moda na cidade e profissionais do ramo na Itália. “As conquistas que nós tivemos [vêm de] um trabalho a longo prazo, é um movimento contínuo, até porque o mercado se altera muito”, diz.

Outra indústria com força no norte do estado é a de confecções de bonés, que culminou na formação de um APL em Apucarana, ativo desde 2003. Foi por empenho do arranjo produtivo local que a cidade recebeu o título, por lei, de Capital Nacional do Boné, há oito anos. “Uma das vantagens é que, participando do APL a pessoa tira esse ranço de concorrência, as pessoas passam a ser mais parceiras”, opina Jayme Leonel, dono de uma empresa de bonés e coordenador do arranjo produtivo local. O APL também foi o responsável por trazer um engenheiro da Alemanha para aperfeiçoar a estrutura da aba, conhecimento compartilhado entre as empresas integrantes.

Mas, apesar da união, nem tudo vai bem no setor: “Nós sofremos muito [em um primeiro momento] com o ‘ataque’ dos asiáticos, principalmente da China, que afetou muito a atividade aqui. E nós tivemos também uma certa baixa quando proibiram o boné para campanha política, e depois veio a crise interna que afetou demais o pessoal do boné promocional”, conta Leonel.

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Segundo o coordenador, há 15 anos existiam 157 fábricas de bonés, número que hoje caiu para cerca de 120. Ele conta que o maior pedido do arranjo produtivo local para o próximo governador eleito é o reforço da Rede APL, da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral do Paraná (SEPL), que costumava dar apoio a empresários e entidades – mas que hoje está enfraquecida. De acordo com dados fornecidos pela SEPL, a Rede APL apoiava 21 arranjos produtivos locais em 2013.

Graças à organização, a crise foi superada

Se alguns setores precisaram frear os investimentos por conta da crise econômica, outros conseguiram prosperar apesar dela. É o caso do setor de tecnologia, que no norte paranaense tem destaque nas cidades de Londrina e Maringá. Em Londrina, a organização do APL de tecnologia da informação (TI), em 2006, pioneiro no Estado, começou com 20 empresas do setor. Hoje já são 2.300, distribuídas em nove cidades da região.

Algumas das conquistas do arranjo produtivo local foram a instalação de mais universidades e cursos voltados para a área, e a lei do ISS Tecnológico, que desde 2010 permite que empresas da cidade convertam parte do valor do Imposto Sobre Serviço em investimentos de TI, como troca de equipamentos e serviços.

Esse cenário atraiu a vinda de empresas multinacionais do setor, como a francesa Atos e a indiana Tata Consulting Service, além da instalação do Centro de Tecnologia da Informação em 2017, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), segundo no país.

“Desde a criação, a governança do APL pensou em como poderíamos desenhar um enredo para o futuro, para empresas agirem dali a cinco, dez anos. Não estávamos pensando naquele instante em dinheiro, e sim no que é importante fazer para o setor na área educacional, empresarial, e aí gerando resultados. Construir esse cenário a longo prazo, isso que deu essa diferença”, conta Marcus von Borstel, empresário de TI em Londrina e presidente do Sindicato da Indústria de Tecnologia da Informação do Paraná (TI Paraná).

O APL de TI até mesmo auxiliou na formação de arranjos produtivos e desenvolvimento de eventos de outros setores na região, como o APL de audiovisual, em 2017, e o de agronegócio e o de eletrometal, neste ano. “O setor de TI não é sozinho o mais importante, mas ele é transversal, é o que ajuda todos os demais setores”, explica Roberto Nishimura.

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“A economia no Brasil não está fácil para ninguém. Todo esse problema econômico que o país passa reflete em todas as áreas, em todos os setores. Para diminuir custos, muitas vezes é [através da] automação de tarefas que você executa. Então quando as empresas investem em TI, é porque elas entendem que, através do investimento em TI, vai melhorar os processos, a qualidade do produto, do seu serviço, vai diminuir os custos operacionais, e aí ele vai acabar se tornando mais competitivo”, completa.

Em Maringá, o arranjo produtivo de software começou a se reunir em 2007, e logo identificou um problema comum: a falta de mão de obra qualificada na área. “Hoje a gente tem ainda falta de mão de obra, mas naquele tempo era uma guerra. Hoje houve um crescimento grande nesse sentido. O primeiro impacto do APL foi transformar os inimigos, que disputavam funcionários, em parceiros”, relata Luís Marcos Campos, coordenador do APL.

“Foi desenvolvido um programa contínuo de capacitação dos empresários na área de gestão de pessoas, financeiro, de marketing, de relacionamento. E isso trouxe um crescimento para as empresas, houve também uma integração de experiências, as empresas se abriram, os empresários passaram a se juntar, trocar experiências, trocar ideias, desenvolveram-se parcerias, e tudo isso nasceu dessa reunião”, diz.

O que era inicialmente uma luta do setor passou a ser uma luta da cidade, que é hoje a segunda com maior número de certificações de qualidade na área, atrás apenas de São Paulo. Por lá, também existe uma lei de ISS Tecnológico, e a prefeitura planeja inaugurar um parque tecnológico até o fim do ano, onde empresas locais do setor poderão instalar sua sede. O APL também promove eventos de tecnologia de projeção nacional, e missões empresariais no Vale do Silício, que oportunizam a troca de visões e experiências. Outra conquista do arranjo foi a criação de uma bancada dentro da Assembleia Legislativa Estadual, que discute a fomentação do desenvolvimento da área de tecnologia no Paraná.

“Eu creio que [o estado pode incentivar] através de programas que tragam um desenvolvimento de mão de obra, porque é uma demanda crescente, com a tecnologia avançando, algumas profissões vão desaparecendo e vão surgir novas, que vão demandar profissionais da área de tecnologia. Então é um foco muito emergente para o poder público estar desenvolvendo programas para apoio nessa área”, opina Campos.

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