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R$ 12 milhões por ano: até serviço de táxi tem isenção no Paraná | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
R$ 12 milhões por ano: até serviço de táxi tem isenção no Paraná| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Consegue imaginar uma situação na qual você tem dinheiro para receber, e precisa do recurso para gastos essenciais, mas na hora de pagar os devedores quitam apenas parte do valor? Uma situação na qual de cada R$ 5 a receber, você só pega R$ 4 de volta? Ano que vem o Paraná prevê arrecadar R$ 37,8 bilhões em tributos estaduais, mas poderiam ser R$ 47,8 bilhões se não fossem as renúncias fiscais. É o que mostra um anexo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019, que traz uma relação inédita dos beneficiados pelos incentivos fiscais.

Diz o documento elaborado pelo governo do Paraná, analisado e aprovado pelos deputados estaduais, que o estado consente em abrir mão de R$ 10.025.965.993 no ano de 2019. Esses R$ 10 bilhões são a soma de 69 benefícios diferentes, relacionados ao recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e do Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCMD). Isoladamente, o Paraná topa renunciar R$ 9,2 bilhões em ICMS (91,5% das desonerações previstas), R$ 852 milhões em IPVA (8,5%) e R$ 4,5 milhões em ITCMD (0,05%).

INFOGRÁFICO: Veja em detalhes as renúncias fiscais do Paraná em 2019

“Se a renúncia [fiscal] não existisse, a atividade econômica seria menor e o Paraná teria menos empresas, de forma que a arrecadação seria significativamente abaixo da observada”, foi a resposta da Secretaria da Fazenda (Sefa) à pergunta da reportagem sobre o porquê de abdicar de impostos num momento de crise econômica. Hoje a Sefa é dirigida por José Luiz Bovo, nomeado para o cargo após Cida Borghetti (PP) assumir o governo do Paraná. Especial para a Gazeta do Povo, Livre.jor apresenta os dados dispersos em três páginas da edição do Diário Oficial do Estado de 13 de julho.

Desproporcionalidade

“Eu fiz um cálculo bem simples, com base na LDO, e deu para identificar que, em 2019, para cada R$ 1 investido o Paraná projeta uma renúncia de R$ 2,46. Tem uma desproporcionalidade bem importante aí”, explicou para a reportagem o doutor Alexandre Alves Porsse, coordenador da pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “E indo para os anos seguintes, em 2020 e 2021, para cada R$ 1 investido, há uma renúncia, respectivamente, de R$ 3,45 e R$ 3,27. Essa é uma discussão que deveria ser considerada pelos agentes governamentais e pela sociedade paranaense”.

O argumento apresentado pelo pesquisador da UFPR, que tem experiência na gestão pública em outros estados, é que, se de um lado a renúncia fiscal promove alguma competitividade, alocar esses recursos em investimentos em infraestrutura fariam o mesmo. “Com a diferença que aplicar em infraestrutura gera um benefício sistêmico, que impacta de maneira mais geral a cadeia produtiva, sem agir tão localizada setorialmente, como geralmente acontece com as renúncias fiscais”, completou Porsse. “Se o estado tem apontada uma redução nos investimentos para os anos seguintes, como consta na LDO, uma fonte possível de recursos é a revisão de algumas dessas renúncias fiscais”, disse.

Mais beneficiados

O setor da alimentação é de longe o mais beneficiado pela política de renúncia fiscal, com R$ 3,9 bilhões (38,9% do total) de ICMS que não são recolhidos aos cofres públicos. Depois vem o incentivo de R$ 1 bilhão ao comércio (10,9%), R$ 997 milhões ao setor automotivo (9,9%), R$ 444,8 milhões (4,4%) à metalurgia e R$ 438 milhões à prestação de serviços (4,3%). É interessante notar, entretanto, que nessa relação também aparecem renúncias fiscais menores, mas bastante curiosas, como os R$ 12 milhões “perdoados” ao serviço de táxi no Paraná, os R$ 17,8 milhões à indústria de cosméticos ou os R$ 52 milhões deixados de arrecadar com a locação de veículos.

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Segundo a Secretaria da Fazenda, não há motivo para estranhar essas desonerações, pois “a maioria dos benefícios existem há muito tempo”. “Em regra, o benefício é concedido para produtos e serviços e não para determinado segmento econômico. Pois os valores mais significativos destinam-se para os produtos mais essenciais e que afetam mais diretamente as pessoas de baixa renda. Como exemplo podemos citar o setor de alimentos (isenção da cesta básica, frutas, legumes, verduras, alguns tipos de leite, etc.), o qual apresenta o valor mais representativo de renúncia fiscal”, explicou a administração.

“No caso do comércio, a renúncia deve-se à existência do Simples Nacional, criado por Lei Federal, não podendo ser alterado pelos entes subnacionais. E a maior parte da renúncia para o setor automotivo, mais de 80%, decorre de uma redução da base de cálculo do imposto na comercialização de veículos usados. Tendo em vista que o veículo já foi tributado integralmente uma vez como veículo novo, os estados, há muitos anos, decidiram que na comercialização dos veículos usados a tributação seria sobre uma pequena parcela do seu valor de comercialização (5% do valor)”, respondeu a Fazenda às perguntas sobre os setores responsáveis pelas maiores renúncias.

A favor da prática, diz o governo do Paraná, que alguns casos específicos, “embora apresentados como tendo ‘impacto’ na arrecadação, na prática não geram nenhuma renúncia, uma vez que reduzem o dispêndio de recursos [do governo]”. E dá como exemplos as isenções nas vendas de produtos e serviços para o próprio poder público, crédito presumido para empresas fornecedoras de energia elétrica e de serviços de comunicação como pagamento de serviços prestados. Segundos os dados, R$ 102,7 milhões serão renunciados no setor da energia e R$ 398,6 milhões no ramo das comunicações ano que vem.

Guerra fiscal

A necessidade de tanta renúncia fiscal é a primeira pulga que coça atrás da orelha diante da vultosa quantia de R$ 10 bilhões “perdoada” num só ano. Além dos benefícios sociais, e de compensação financeira nas operações do próprio governo, a Fazenda citou outro fator para a existência de tantos “penduricalhos”: a guerra fiscal entre os estados. Curiosamente, os R$ 12 milhões “perdoados” aos taxistas, que tem isenção de IPVA, foi um dos exemplos dados à reportagem. “Os taxistas também são tratados de forma diferente pelos demais estados, sendo que em geral o benefício previsto na lei existe há várias décadas”, disse a administração.

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“No contexto da guerra fiscal, em muitos casos o Paraná é obrigado a conceder benefícios para equiparar-se aos estados vizinhos, evitando assim a migração de empresas e empregos. Em linhas gerais, entende-se que se não existissem os benefícios concedidos, a arrecadação total poderia ser menor que a atual, em função da perda de competitividade”, defende-se a Secretaria da Fazenda. Citou, inclusive, o estado de Santa Catarina, no qual as isenções chegariam a 25% do total arrecadável - maior, portanto, que os 20% registrados no Paraná.

Perguntamos ao coordenador da pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR a opinião dele a respeito desse argumento. “[A situação do Paraná] converge com outros estados de porte semelhante”, respondeu Alexandre Porsse, referindo-se à proporção das renúncias ante os tributos. “O que vai mudar de um lugar para o outro é a alocação setorial, que difere conforme a estratégia de cada estado”, disse o pesquisador. Ele alerta, contudo, para a concentração dos benefícios em determinados setores produtivos, dizendo ser interessante “redistribuir a carga de incentivo para favorecer uma diversificação da cadeia produtiva”.

Dados inéditos

Quem consultar as LDOs dos anos anteriores, buscando comparar os R$ 10 bilhões de renúncia estimados para 2019, com o previsto para 2017 e 2018, vai levar um susto. Até agora, essas informações eram apresentadas em relatórios parciais, com menos de 20 especificações - ante as 69 conhecidas hoje - e cheias de lacunas. Indicações de renúncias eram preenchidas com traços em vez da indicação do recurso público “perdido”. A diferença é gritante, por exemplo, ao ver que dois anos atrás o anexo da lei estadual 18.907/2016 dizia que, em 2019, a renúncia seria de somente R$ 155 milhões - um valor 64 vezes menor. O governo foi inquirido sobre a mudança positiva no formato do relatório, mas não enviou resposta até o fechamento da reportagem.

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