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Não foi a primeira vez que o pedágio no Paraná é alvo de suspeitas, mas agora elas levaram a prisões. | Antônio More / Arquivo 
Gazeta do Povo/ Arquivo
Não foi a primeira vez que o pedágio no Paraná é alvo de suspeitas, mas agora elas levaram a prisões.| Foto: Antônio More / Arquivo Gazeta do Povo/ Arquivo

Não foi exatamente uma surpresa. A deflagração de uma operação policial apontando indícios de irregularidades na gestão dos pedágios do Paraná é o ponto mais crucial em um cenário conturbado desde a origem, há 20 anos. Desde que rodovias estaduais e federais passaram para a iniciativa privada, em 1997, uma série de relatórios, auditorias e investigações apontaram problemas, como sobrepreço nas tarifas. Para além de disputas jurídicas e políticas – que acirraram os ânimos várias vezes ao longo das últimas duas décadas, tornando o assunto pedágio um dos mais emblemáticos do Paraná –, vários sinais de alerta foram emitidos.

Uma reportagem da Gazeta do Povo publicada em 2015 alertou que, sem qualquer publicidade, o governo estadual fechou um acordo com a concessionária Econorte que acabou majorando a tarifa de pedágio em 24%. Trata-se do mesmo aditivo contratual que agora é o cerne da operação policial. A negociação foi fechada em dezembro de 2014 e só foi divulgada cinco meses depois, quando o jornal pediu acesso à documentação. O caso evidenciou a falta de transparência na alteração contratual.

Um ano antes, o Ministério Público Federal havia identificado pelo menos 13 atos “secretos”, que modificaram os contratos de concessão. De acordo com a investigação, as mudanças não foram tornadas públicas e, portanto, não teriam validade jurídica. A promotoria chegou a ajuizar uma ação proibindo que a Econorte reincidisse na prática de esconder modificações de contrato.

Além disso, o governo estadual determinou a inclusão de obras não previstas em contrato. Em 2011, por exemplo, o governador Beto Richa autorizou a duplicação de 14,4 quilômetros da BR-277, entre Medianeira e Matelândia, sem definir como a despesa seria paga.

Alvo da Lava Jato

O principal sinal de alerta, contudo, veio em 2016, quando a Econorte foi um dos alvos da 36ª fase da Lava Jato. A operação Dragão indicava que intermediários estavam sendo usados num esquema de lavagem de dinheiro.

Antes disso, entretanto, outros levantamentos apontavam possíveis irregularidades. Os Tribunais de Contas da União e do Estado fizeram auditorias. A do TCE começou analisando a concessionária Ecocataratas, que administra a BR-277 de Guarapuava a Foz do Iguaçu. Em 2012, o estudo indicou que o desequilíbrio era de 31,9% – a empresa teria recebido R$ 347 milhões a mais (em valores de 2010). O relatório do TC sustentou que o histórico das concessões de rodovias no Paraná é uma sucessão de equívocos e o contrato em vigor se mostrou um instrumento ruim.

Um levantamento semelhante feito com relação à Viapar, que atua no Noroeste, teve resultados similares, que foram apresentados em 2013. O órgão de controle recomendou a “devolução”, em forma de obras ou redução de tarifa, de R$ 397 milhões, referentes às duas concessionárias, e a revisão dos contratos. Contudo, os efeitos do relatório foram suspensos.

Na mira do TCU

Com a alegação de que se tratam de rodovias federais, delegadas ao governo do Paraná, o Tribunal de Contas da União (TCU) também investigou as concessões de rodovias no Paraná. O foco da auditoria foi o prejuízo que teria sido causado aos usuários pelas sucessivas mudanças de contratos – os chamados aditivos. O resultado foi anunciado em 2012 e apontava que a supressão de obras previstas não foi proporcional às perdas de arrecadação alegadas pelas seis concessionárias que administram as estradas.

De acordo com o relatório, as mudanças foram feitas sem critérios técnicos e acabaram beneficiando as concessionárias. O estudo não indica quanto as empresas deixaram de investir ou mesmo qual foi o impacto nas tarifas. Mas determinava que o governo do Paraná promovesse, em 360 dias, o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.

Na prática, a exigência deveria significar preços menores ou mais benefícios para os usuários. Mas as concessionárias conseguiram, na Justiça, impedir os efeitos da auditoria. Dessa forma, os prazos e a obrigações ainda estão em discussão.

Investigação na Alep

A Assembleia Legislativa do Paraná também investigou os contratos de pedágio. Foram três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). A primeira instalada em 2003, a segunda em 2007 e a mais recente em 2013. Depois de ouvir depoimentos e reunir documentação, os deputados defenderam a redução de até 25% nas tarifas.

Estudos

Alguns estudos não foram focados em ilicitudes – no contrato ou na execução dos serviços aos usuários –, mas na possibilidade de ter rodovias melhores (duplicadas, por exemplo) e tarifas menores.

Os preços do pedágio no Paraná deveriam ser reduzidos pela metade e a quantidade de obras nas rodovias deveriam dobrar. Esse é o resultado de um levantamento feito pela Federação Paranaense da Indústria (Fiep), em parceria com a consultoria Macrologística. Um comparativo entre o sistema paranaense e as recentes licitações de concessões de rodovias do governo federal indicou que, na média, os valores e o volume de obras exigidos no Paraná está bem abaixo dos parâmetros praticados no mercado.

O estudo comparou os pedágios de primeira geração, feitos no fim da década de 1990, com os de terceira geração, realizados no ano passado pelo governo federal. Ao considerar os modelos atuais – que estão sendo aplicados em estradas do Mato Grosso e de Minas Gerais, por exemplo – ficou evidente que a remuneração das concessionárias paranaenses é bem maior. Nos outros estados, a tarifa por eixo a cada 100 quilômetros é mais barata e a quantidade de duplicações a serem realizadas pela concessionária é o dobro da média no Paraná.

Os órgãos públicos encarregados de fiscalizar o pedágio também encomendaram estudos para analisar os contratos. A Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná (Agepar) – pagou R$ 1,5 milhão para que a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) avaliasse os detalhes das obras e dos balanços financeiros apresentados pelas concessionárias. Um relatório foi apresentado em 2013 e a conclusão foi de que vários aspectos vagos no contrato de concessão levaram as empresas a fazerem obras pelas quais não foram compensadas.

Um exemplo foi a construção de acostamento em rodovias, que foi exigida das empresas sem ser contabilizada entre as despesas. Assim, as concessionárias precisariam ser ressarcidas. Em alguns casos, a indenização seria de várias centenas de milhões. O principal trabalho desenvolvido pela Fipe foi a criação de um simulador que permite calcular o custo de inclusão de obras ou definir qual seria o impacto na arrecadação de uma eventual redução de tarifa. A fundação apontou como alternativa a prorrogação do prazo de concessão.

Já a Fundação Instituto de Administração (FIA) foi contratada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), e apresentou relatório em 2013, ponderando que havia um desequilíbrio nos contratos com as concessionárias e que seria possível reduzir a tarifa em um valor aproximado ao do reajuste anual. Ou seja, em um determinado ano, o pedágio não sofreria o aumento que sempre acontece em dezembro. O levantamento custou R$ 3,3 milhões para o governo do Paraná.

O que diz o setor

Após a deflagração da Operação Integração, a Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR) reafirmou, por meio da assessoria de imprensa, a importância do setor para o desenvolvimento da infraestrutura do país. Sobre a operação, informou que o assunto está restrito aos envolvidos.

A Econorte informou que segue à disposição para esclarecimentos. Veja a nota na íntegra:

“A Triunfo Participações e Investimentos sempre contribuiu de forma transparente com todas as autoridades e segue à disposição para prestar os esclarecimentos necessários à elucidação dos fatos apurados na Operação Integração, 48ª etapa da Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira.

Em complemento, a Companhia esclarece algumas questões levantadas na coletiva de imprensa concedida por autoridades na Sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba/PR:

(i) A Construtora Triunfo S.A. e a Triunfo Participações e Investimentos são empresas com administrações independentes;

(ii) Triunfo, Econorte e Rio Tibagi não contrataram os serviços de Adir Assad ou de Nelson Leal Junior;

(iii) Os resultados financeiros da Triunfo, companhia aberta com ações negociadas na Bolsa de Valores, e suas controladas, são públicos e auditados pela empresa de auditoria;

(iv) As transações entre Econorte e Rio Tibagi são apresentadas nas demonstrações financeiras da Triunfo, e desde seu IPO, em 2007, sempre foram públicas ao mercado;

(v) A contratação dos serviços prestados pela empresa de Carlos Felisberto Nasser (assessoria financeira e de mercado de capitais) ocorreu antes de 2013, quando ele não ocupava o cargo de assessor da Casa Civil do Governo do Estado do Paraná;

(vi) Ao contrário do que foi dito, a Econorte cumpriu 100% dos investimentos previstos no contrato de concessão. Do total do valor arrecadado com tarifa de pedágio durante todo o período da concessão (R$ 2,060 bilhões), R$ 1, 160 bilhão (56%) foram destinados para investimento em obras e administração da rodovia, e R$ 380 milhões foram destinados para pagamento de impostos. O lucro da empresa correspondeu a 14% da receita apurada no período;

(vii) O preço atual das tarifas dos pedágios da Econorte leva em consideração a compensação da redução unilateral do valor em 50% no primeiro ano da concessão; atraso no reajuste de pedágio conforme previsto no contrato de concessão; isenção de pedágio para mais de 20 mil usuários nas praças de pedágio (lei dos caminhoneiros e outros)

(viii) A Triunfo Participações e Investimentos e a Econorte prestaram todos os esclarecimentos solicitados dentro da 36ª operação da Lava Jato, referentes à contratação dos serviços do escritório de Rodrigo Tacla Duran e seus subcontratados;

A Triunfo Participações e Investimentos sempre pautou suas atividades pelo estrito cumprimento da legislação e ressalta seu compromisso com as melhores práticas de governança corporativa.”

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