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 | Henry Milleo/Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Dois lavatórios, uma cristaleira e uma interrogação: seriam essas peças, que apareceram em 2016 em fotos publicadas pelo então candidato à prefeitura Rafael Greca (PMN) em sua página pessoal no Facebook, as mesmas desaparecidas em 1995, juntamente com outras nove, da Casa Klemtz? Perícia encomendada à época pelo então prefeito Gustavo Fruet (PDT) diz que sim e aponta evidências; hoje prefeito, Greca, por meio de seu advogado, e uma análise paralela feita pelo Ministério Público do estado, dizem que não.

Reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em 21 de setembro de 2016, auge da corrida pelo posto de prefeito da capital do estado, acendeu o pavio da polêmica ao apontar que obras de arte semelhantes às desaparecidas da Casa Klemtz, equipamento cultural instalado no Bairro Fazendinha, estariam na chácara São Rafael, de Greca.

O assunto virou, como não poderia deixar de ser, tema da disputa eleitoral. Fruet, na condição de prefeito e candidato à reeleição, solicitou a abertura de uma sindicância para apurar se as peças encontradas no sítio do então rival não seriam parte daquelas desaparecidas desde 1995, quando o imóvel foi adquirido e transformado em patrimônio público pela primeira gestão do atual prefeito à frente do executivo municipal. A defesa de Greca, por sua vez, pediu a anulação do procedimento e, em paralelo, entrou com um pedido de “produção antecipada de provas” na 1.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba.

Em meio à discussão, dois guardas municipais foram detidos pela Polícia Civil em Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba, em 21 de setembro daquele ano, por usurpação da função pública. Segundo o boletim de ocorrência, ambos disseram que estavam no local para investigar, a mando de superiores, a suspeita de que objetos desviados da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) estariam em uma chácara na região, o imóvel de Greca. Procurada pela Gazeta do Povo, a gestão do então prefeito Fruet informou que o adversário, hoje prefeito, tentava criar um “subterfúgio para desviar o foco das graves denúncias trazidas pela Folha de S.Paulo”. Walter Agra, então advogado de Greca, classificou o episódio de grave e deprimente.

Em laudo elaborado à época, a perita Tatiana Zanelatto Domingues, uma das responsáveis pela restauração da Casa Klemtz em 2007, apontou evidências que considerou notórias de que os bens desaparecidos da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) se tratavam dos mesmos localizados na chácara do então candidato do PMN. A casa na Fazendinha foi adquirida com 29 bens, incluindo livros e móveis. Levantamento feito pela prefeitura em 2001 e atualizado em 2013, quando Fruet já era prefeito, identificou que 12 itens estavam desaparecidos.

Por entender que se tratava de manobra para vencer a eleição, o então candidato solicitou anulação da investigação. A Justiça negou o primeiro pedido, mas em 28 de setembro de 2016, a juíza Cristiane dos Santos Leite determinou a suspensão da sindicância, entendo que ela não poderia ser utilizada para favorecer ou prejudicar nenhum candidato que naquele momento disputava o cargo de prefeito. A magistrada considerou ainda que o laudo pericial carecia de uma análise mais detalhada, “com necessidade de ampla defesa do contraditório”.

“Características idênticas”

Divulgado cinco dias antes da determinação da juíza, o laudo assinado por Tatiana, especialista em conservação de restauração de monumentos históricos e arquitetônicos, informava que havia “uma semelhança muito grande entre as peças”. “Com efeito, conclui-se que há grandes possibilidades de se tratarem dos mesmos móveis, comparando proporções por escalonamento, seus contornos e direções dos detalhes decorativos, que se fazem notar por meio de lente de aumento”. Entre as semelhanças encontradas pela perita a partir das imagens publicadas por Greca no Facebook, Tatiana apontou “características idênticas” da cristaleira, “observando o período da fabricação do móvel e seu estilo artístico, seus puxadores e principalmente sua ornamentação tão característica”.

Com o laudo, a sindicância determinada pela Procuradoria Geral do Município (PGM) solicitava uma visita à chácara de Greca. Que à época respondeu à Gazeta do Povo: “o ônus da prova cabe a quem acusa”, e que não tinha intenção de abrir o imóvel para uma perícia. Dias depois, o então advogado de Greca, Walter Agra, que representou o então candidato no procedimento agendado pela prefeitura de Fruet no dia 27 de setembro de 2016, na sede da PGM – Greca não compareceu – garantiu que, passadas as eleições, o agora prefeito abriria as portas da sua propriedade para as avaliações necessárias. A sindicância foi suspensa pela Justiça no dia seguinte, sem que fosse realizada perícia no local.

Greca sempre negou as acusações. Em nota divulgada em setembro daquele ano, o então candidato informou que as peças em questão eram herança do avô, Manoel Valdemiro de Macedo, e do acervo dos avós da esposa, Margarita. “As peças mais expressivas do meu acervo pessoal, como a mobília do comendador Macedo, estão declaradas no meu Imposto de Renda. Causa-me estranheza de que esse assunto venha à tona agora, a 10 dias da eleição”, concluiu o texto.

Em uma declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano de sua segunda eleição, Grega informou ser proprietário de mobílias do século 19 no valor de R$ 1.387,93. A descrição constava ainda na declaração de bens do atual prefeito em 2012 – ano em que também foi candidato –, porém com mais detalhes, ao informar que se tratavam de “objeto de arte de mobília do século 19 – guarda-louça, marquesa, escrivaninha São Francisco Poty Lazaroto”, no mesmo valor apresentado em 2016.

Segundo informações de fontes ligadas à gestão de Fruet, o passo seguinte da sindicância seria a averiguação na própria chácara de Greca, se a Justiça não tivesse decretado a suspensão do procedimento. Orientado, Fruet decidiu não recorrer da decisão.

Integrante da comissão montada por Greca para o trabalho de transição entre a gestão de Fruet e a atual, a advogada Vanessa Volpi foi nomeada procuradora-geral do município pelo prefeito em maio do ano passado, por meio do decreto 856/2017.

Para o MP, são peças diferentes

Um procedimento instaurado na Quarta Promotoria de Justiça e Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba, órgão ligado ao Ministério Público do estado (MP-PR), tomou como base um laudo pericial feito pela Primeira Vara da Fazera Pública de Curitiba. Segundo informou o MP, a análise concluiu que os itens em poder do atual prefeito não são os mesmos desaparecidos da Casa Klemtz e que, assim, não houve dano ao patrimônio público. A apuração realizada pelo órgão foi encerrada em 26 de outubro de 2017. Ainda segundo o MP, caso algum crime fosse constatado, a instituição teria proposto uma ação contra Greca. Como não houve, pelo menos no MP o caso foi arquivado.

Justiça ainda não decidiu

Tramitam atualmente na Justiça do Paraná dois processos relativos ao caso, um administrativo, suspenso por determinação do Tribunal de Justiça (TJ-PR), e um judicial. O administrativo acontece no âmbito da prefeitura, e está paralisado por força de liminar, até que o judicial seja julgado, “porque o processo judicial pode declarar nulo o processo administrativo”, explica Giovani Gionédis, atual advogado de Greca.

Também em 2016, o advogado Paulo Henrique da Rocha Loures Demchuck moveu uma ação popular contra Greca pelos mesmos motivos, mas a Justiça entendeu que o crime havia prescrito, já que o registro do desaparecimento dos itens é de 1995. Houve recurso da sentença, mas o TJ manteve a decisão.

No momento, a defesa do prefeito pede a anulação do processo administrativo e a ação antecipada de prova. Segundo Gionédis, a estratégia é solicitar a continuidade do processo com objetivo de que o juiz analise o mérito da questão, para que fique provado, conforme explica, que os itens são de fato herança de família do prefeito e não os desaparecidos da Casa Klemtz. “Se o juiz entender que está prescrito, ele não julga o mérito. O nosso pedido é que o mérito seja analisado”.

Gionédis acredita que o processo deva ser julgado ainda este ano, mas não arrisca prazos. A reportagem procurou o prefeito para mais esclarecimentos, mas, por sua assessoria, informou que prefere não se manifestar e credita como sua posição as informações prestadas por seu advogado.

Endereço histórico e alvo de pichadores

Adquirida em 1995 pela primeira gestão de Greca, a Casa Klemtz é um equipamento público da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), instalada no bosque da Fazendinha, região sudoeste de Curitiba.

Marco da ocupação da região no fim do século 19, a Casa Klemtz foi construída em estilo neoclássico pelo alemão Franz Klemtz em 1896 no mesmo terreno em que, seis anos antes, havia instalado uma olaria e lá mantinha uma chácara com cavalos e vacas leiteiras. A fábrica foi uma das principais razões para a ocupação da região, próxima à foz do Rio Barigui.

Em 1978, a planta da olaria foi substituída pelo condomínio Parque Residencial Fazendinha. Do projeto original restam apenas a casa e a chaminé da olaria no pátio do condomínio. Em 2013, cálculos da Guarda Municipal relevaram que, entre janeiro e setembro daquele ano, foram registradas 1.605 denúncias de pichação - 814 a mais do que as contabilizadas no mesmo período do ano anterior - e resultaram em 256 detenções em flagrante.

Desde setembro de 2015, a casa é sede da Escola Pública de Trânsito (EPTran). Uma análise feita pelo MP-PR no ano passado revelou que, embora a fachada revele um imóvel bem cuidado, há problemas como infiltrações e umidade no forro e na parede. Há um projeto de restauro feito pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc),que aguarda definição de alvará, cronograma e licitação.

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