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Prestes a se exonerar do cargo de juiz federal, Sergio Moro comandará superministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. | Mauro Pimentel/AFP
Prestes a se exonerar do cargo de juiz federal, Sergio Moro comandará superministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro.| Foto: Mauro Pimentel/AFP

A indicação do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) desde já cria a expectativa de implantação de uma forte agenda de combate à corrupção – a área que o tornou conhecido nacionalmente com a Operação Lava Jato. Mas Moro também terá outras batalhas não menos importantes que ele terá de enfrentar, tal como a redução dos índices de criminalidade. A Gazeta do Povo elencou cinco grandes desafios que Moro vai enfrentar como ministro de Bolsonaro.

1) Aprovar no Congresso medidas de combate à corrupção. E impedir desvios dentro do governo

Sergio Moro é um defensor do projeto de lei das Dez Medidas de Combate à Corrupção – conjunto de mudanças na legislação propostas pela força-tarefa da Lava Jato para facilitar investigações e dificultar a ocorrência de novos casos de desvios de recursos públicos. A força-tarefa considera que, sem essas alterações na lei, a Lava Jato será “um ponto fora da curva” – como costumam dizer os investigadores.

A aprovação desse projeto no Congresso – ou de outro mais novo, que traz 70 medidas anticorrupção – possivelmente é a principal motivação de Moro para assumir o Ministério da Justiça. É emblemático, nesse sentido, o livro que o juiz carregou consigo na viagem de Curitiba ao Rio de Janeiro para visitar Bolsonaro: um compilado das Novas Medidas Contra a Corrupção.

O presidente eleito, durante a campanha, já havia prometido resgatar as Dez Medidas. Portanto, Moro terá apoio de Bolsonaro para propor um pacotão anticorrupção. O problema poderá estar no Congresso. As Dez Medidas foram completamente desvirtuadas em votação na Câmara em novembro de 2016. Aliás, uma Câmara que, a partir de 2019, será composta por 48% de deputados que estavam naquela votação (a taxa de renovação nas eleições deste ano foi de 52%).

Além disso, Bolsonaro vem afirmando que não vai “lotear” os ministérios entre os partidos para ter apoio no Congresso. Como esse tem sido o modus operandi da política brasileira desde a redemocratização, em 1985, é possível que haja resistência para aprovar leis enviadas pelo Planalto. Especialmente se elas afetarem os interesses pessoais dos parlamentares.

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Há ainda outro desafio que Moro terá de cumprir mesmo que consiga aprovar mudanças na legislação: evitar a corrupção dentro do governo Bolsonaro. Afinal, Moro será o chefe da Polícia Federal. Ele também terá de dar respostas rápidas se ocorrerem casos dessa natureza. Eventualmente, isso poderá causar atritos políticos que podem ameaçá-lo no cargo.

O juiz da Lava Jato também corre o risco de virar uma espécie de escudo de Bolsonaro diante da opinião pública contra desvios de conduta que venham a ocorrer dentro do governo. Ou seja, o futuro presidente teria crédito com a população ainda que ocorra uma “corrupção menor” no Planalto: os eleitores “perdoariam” o pecado pequeno em nome da causa maior.

2) Reduzir os índices de criminalidade

O Brasil passa por uma escalada da violência: em 2017, foram 62,5 mil assassinatos no país; 175 por dia, em média. Nesse cenário, as promessas de campanha de Bolsonaro de promover uma “guerra” contra o crime foram uma das principais razões para ele ter sido eleito. A expectativa do brasileiro, portanto, é de que seu governo consiga reduzir os índices de criminalidade. E essa tarefa caberá a Sergio Moro.

Um primeiro problema para o juiz cumprir sua missão é que, embora o Ministério da Justiça e Segurança seja responsável pela Polícia Federal (PF), as ações de combate ao crime cotidiano são eminentemente de atribuição dos estados, por meio das polícias Militar e Civil. Moro poderá coordenar ações articuladas com os governadores para implantar uma política nacional de segurança. Essa integração entre União e estados vem sendo tentada por vários ministros da Justiça há tempos.

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Bolsonaro e seus assessores deram a entender que as Forças Armadas terão uma participação maior no combate ao crime em seu governo – o que poderá dar à União uma maior presença nas ações de segurança e a possibilidade de melhorar os indicadores de segurança. Os militares, contudo, são receosos em ampliar sua participação nesse tipo de atividade. E ainda é incerto se eles vão topar essa empreitada.

Moro, na coordenação da política nacional de segurança pública, também será responsável pela “guerra” ao crime proposta por Bolsonaro. Não está claro que medidas incluem essa “guerra”, mas especialistas alertam que o endurecimento ao combate ao crime, se for mal planejado, podem levar o Brasil a repetir o mau exemplo do México. O governo mexicano militarizou o combate ao crime e endureceu a repressão. Mas o crime organizado respondeu com ações ainda mais violentas, e isso aumentou as taxas de criminalidade.

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Como ministro, Moro também possivelmente terá de trabalhar pela aprovação no Congresso do pacotão de medidas de combate ao crime proposto por Bolsonaro durante a campanha eleitoral: facilitação do porte de armas; redução da maioridade penal; endurecimento das penas previstas no Código Penal; extinção do regime de progressão de pena; fim dos “saidões” de detentos em datas festivas (Natal, Dia das Mães, etc.); criação do excludente de ilicitude (garantia legal de que policiais não serão processados por mortes em confrontos com bandidos). O futuro ministro será ainda o responsável pela política penitenciária.

3) Vencer a guerra da comunicação que pode enfraquecer a Lava Jato

Como ministro da Justiça e da Segurança do governo Bolsonaro, Moro terá às mãos instrumentos institucionais para fortalecer o combate à corrupção. Mas, ao aceitar o convite do “antipetista” Bolsonaro, o juiz deu munição aos que acusam a Lava Jato de ter motivação política. Isso abriu um flanco na “batalha de narrativas” que pode levar ao enfraquecimento da operação diante de parte da opinião pública e do Judiciário.

Portanto, um dos primeiros desafios de Moro como ministro, já antes de tomar posse, será vencer a “guerra da comunicação” para não colocar em risco a sua própria reputação e a imagem da operação que ele ajudou a construir.

A defesa de Lula, por exemplo, irá usar a nomeação de Moro ao ministério para alegar a suspeição do juiz e para tentar anular a condenação do ex-presidente. O PT também já fala em recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para soltar Lula, preso em Curitiba desde abril. A pressão internacional feita pelo partido contra a Lava Jato, em organismos como o Comitê de Direitos Humanos da ONU e na imprensa estrangeira, tende a crescer.

OPINIÃO DA GAZETA: Sergio Moro e o bem comum

Também é muito provável que outros acusados pela Lava Jato tentem colocar toda a operação sob suspeita de direcionamento político. Eventualmente poderão ter sucesso se as cortes superiores forem convencidas desses argumentos.

Por outro lado, Moro entra no ministério de um presidente que acabou de se eleger com 55% dos votos válidos e que conta com grande aprovação popular para combater a corrupção. Isso poderá ajudá-lo a ter o respaldo necessário para fazer com que operações como a Lava Jato não sejam uma exceção. O juiz da Lava Jato inclusive escreveu um artigo em 2004 em que afirmava que o apoio da opinião pública é essencial para que operações de combate à corrupção tenham êxito.

4) Resolver a crise dos refugiados venezuelanos

No Brasil, o ministro da Justiça é responsável por qualquer assunto relacionado com estrangeiros, como a imigração. Esse não costumava ser um grande problema até pouco tempo atrás. Mas, nos últimos anos, o país começou a receber grandes levas de imigrantes. Num primeiro momento, foram os haitianos. Depois, sírios. E mais recentemente, venezuelanos fugindo do caos político, econômico e social que tomou conta do país.

Caberá a Moro dar uma resposta à questão dos venezuelanos, que se transformou num grande problema sobretudo para Roraima – a porta de entrada dos refugiados no Brasil. O estado não tem conseguido dar conta de moradia, saúde, trabalho e segurança para os milhares de imigrantes (o governo estima que 128 mil venezuelanos entraram no Brasil por Roraima até agora, dos quais 69 mil já foram embora). O resultado disso tem sido conflito: há relatos de roubos praticados por venezuelanos e já houve casos de assassinatos de refugiados por brasileiros em Roraima.

Moro corre risco de sofrer desgaste com essa atribuição. Há uma pressão internacional para que o Brasil acolha refugiados. Por outro lado, internamente cresce a rejeição a eles. Não se sabe a posição pessoal do juiz da Lava Jato sobre o assunto. Mas Bolsonaro, em 2015, havia se referido aos imigrantes haitianos, senegaleses, iranianos, bolivianos e sírios como a “escória do mundo” – indicando uma tendência anti-imigração.

5. Fazer tudo isso num cenário de falta de dinheiro

O governo federal deve fechar 2018 com um rombo orçamentário de cerca de R$ 141 bilhões, segundo o levantamento “Prisma Fiscal”, divulgado pelo Ministério da Fazenda em outubro. Para o ano que vem, a expectativa é de melhora do cenário. Ainda assim, a previsão é de que faltarão R$ 117 bilhões para fechar as contas. E a estimativa é de que, se tudo der certo, o país só voltará a ter superávit em 2022 – último ano da gestão de Bolsonaro.

Mas o futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, disse ser factível zerar o rombo ainda em 2019. Para fazer isso, inevitavelmente será necessário fazer cortes profundos de gastos. E o Ministério da Justiça e Segurança pode, eventualmente, sofrer restrições orçamentárias.

Para que não tenha dificuldades de fazer investimentos no combate ao crime e à corrupção, bem como para as demais atribuições do superministério, Moro precisará que Bolsonaro preserve as verbas para a pasta. Especula-se que o assunto tenha sido tratado na reunião que o presidente eleito e o juiz tiveram na última quinta (1º).

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